Glissade

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  Parei meu carro em uma vaga bem em frente minha casa. Uma casa de classe média, com dois andares e varias janelas cobertas por cortinas azuis, simples, porém realmente bela. Notei o Crysler prateado de minha tia parado bem a frente, lembrando-me, com certo desconforto, que ela já havia chegado em casa.

"Agora é um ótimo momento para começar a rezar" pensei melancólica.

 Estiquei-me até o banco passageiro, pegando minha bolsa, logo depois de soltar o cinto, para então sair do carro. Assim que coloquei os pés na calçada caminhei sobre o gramado indo até a caixa de correio com a intenção de verificá-lo. Um habito muito antigo, do qual não conseguia largar. Como de costume, só havia algumas contas e cartas para minha tia e, como esperado, nada para mim. Soltei um logo suspiro e segui até em casa, sem preocupar-me de procurar pela chave na bolsa, sabia que a porta estaria aberta.

-Cheguei!-Anunciei ao entrar.

 Não houve resposta, o que significava que ela estava de mau humor. Caminhei devagar em direção à sala, observando as paredes creme, tentando me distrair da dor que pulsava de meu calcanhar. Ao pisar na sala a primeira coisa que vi foi minha tia sentada no sofá olhando para a TV, que estava desligada. Respirei fundo antes de seguir adiante, sabia que daí não viria coisa boa.

-Duzentos e oitenta e cinco canais e a TV está desligada... -Brinquei entrando na sala calmamente, mas a piada não surtiu o mesmo efeito que esperava.

-Onde você esteve?!Cheguei aqui já faz meia hora e você não estava... -Disse alterando a voz - Achei que tivesse tido para repousar, Sakura!

 Congelei por alguns segundos, pensando sobre o que tinha acontecido no parque mais cedo, e sobre meu tornozelo inchado. Tentei não olhar para seus olhos, com medo de que ela conseguisse ler tudo em meu rosto. Pensar rapidamente em uma desculpa que fosse no mínimo plausível.

"Mãe me ajude!"

-... Desculpe, não sabia que você iria chegar mais cedo - Acrescentei logo em seguida - Eu sai para comprar ataduras para meu tornozelo e uma pomada já que a que eu tinha acabou.

 Ela ficou alguns segundos em pleno silêncio, parecendo ponderar sobre o assunto, e a cada minuto que sentia seus olhos mais fixos sobre mim meu estomago embrulhava e meus ombros se curvavam. Nunca havia mentindo uma única vez para minha tia , e agora essa boneca estava querendo ter o direito de ter segredos. Soltei um leve gemido forçado e fiz meu melhor rosto que esperava se assemelhar ao de um cachorrinho pidão

-Está bem, mas não precisava ter ido até lá, era só me avisar que eu mesma comprava-Disse por fim, enquanto eu engolia o suspiro de alivio que estava prestes a soltar.

 Comecei a seguir em direção as escadas que levavam até o andar de cima, até meu quarto. Desviei do sofá tomando o máximo de cuidado possível para tentar esconder meu tornozelo. Nenhuma ida a uma farmácia poderia inchá-lo desta forma, e eu sabia que ela perceberia isso.

-Foi mal. Eu não queria lhe atrapalhar, afinal você ainda estava em aula, então... - Disse parando no pé da escada

A observei atentamente e pela primeira vez não pude deixar de me perguntar o porquê de temos uma escada tão longa, com degraus tão grandes. Com um rápido suspiro agarrei-me do corrimão de madeira e subi, degrau por degrau até finalmente alcançar o corredor que levava aos quartos. Esta ala da casa não era diferente do resto, só tendo mais algumas portas de madeira pintadas de creme, com alguns quadros e uma estante com troféus do estúdio, que ficaria aqui até o carpinteiro vim dar uma olhada na mesma de acordo com minha tia.

A boneca e o bailarinoOnde histórias criam vida. Descubra agora