Pescado

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Passei a mão pela testa, inutilmente tentando impedir que o suor chegasse até meus olhos. Fazia muito tempo desde que tinha chegado a literalmente encharcar minhas roupas, afinal há muito tempo sessões intermináveis de Allegro não me deixavam sem fôlego — qualquer bailarina que tenha dançado Pas de Quatre do Lago dos Cisnes não se dá esse luxo —, mas Ino com uma coreografia que jurava ser simples tinha finalmente me feito acreditar que um infarto fulminante era totalmente possível durante um treino.

Soltei o ar pela boca pela milésima vez, tentando acertar minha respiração e de alguma forma acalmar as batidas do meu coração. Desde que os meninos partiram e essa porta se fechou em nossas costas, eu mal tinha parado para olhar além dela, apenas focada em limpar meus movimentos e fazer a coreografia de forma certa. De acordo com a loira, agora que eu tinha aprendido a arrumar o que estava errado, ela podia pegar mais pesado, e assim ela o fez durante uma hora e meia, com uma única pausa para água.

— Já são duas horas, acho que por hoje terminamos — Falou de forma orgulhosa.

Acenei, sem conseguir encontrar minha voz, ainda muito ocupada em descobrir se ainda sentia minhas pernas.

— Você melhorou muito, se continuar assim tenho certeza de que vai conseguir a bolsa.

— Obrigada. — Exprimi, finalmente fitando a loira.

— Você já entendeu o que tem que fazer, agora só precisa aprender a ligar esse interruptor, está bem?

— Eu vou me esforçar — Respondi animada — Prometo.

— Ótimo, agora vá para casa e descanse. Seu corpo precisa de uma folga.

Pensei em mencionar a loira que eu ainda tinha que passar na NJ, para encontrar com minha tia, mas seus olhos me fitavam com tanta perigosidade, que as palavras simplesmente se perderam em minha boca. De qualquer forma, ela tinha razão. Eu me sentia como se tivesse sido atropelada por um caminhão, metalmente e fisicamente. A única coisa de que precisava agora era minha cama, depois de um bom banho.

Peguei minha garrafa e casaco abandonados no canto da sala e segui Ino até a saída, cogitando seriamente em chamar um táxi. Ultimamente tinha começado minha caminhada de penitência, e passei a semana inteira andando até o Estúdio, mas sinceramente duvidava que conseguisse descer as escadas sem sair rolando.

— Já terminaram? — Ouvi a voz de Lee, que correu em nossa direção de peito nu e cabelos presos no alto da cabeça numa espécie de penteado muito fofo.

— Sim, estou indo para a aula agora.

— E você, Pop?

— Casa. — Ditei, sentindo os olhos azuis sobre mim.

— Vai a pé?

— Na verdade, estou pensando em chamar um táxi. Vocês teriam o número?

— Acho que tenho sim, consegue esperar um pouco?

— Claro, obrigada Lee.

O esverdeado sorriu para mim, antes de correr até o centro da sala, voltando a se mover com os outros bailarinos que dançavam de forma lânguida, esticando o braço sobre si mesmo e rodando como se estivessem derretendo. Sem querer, eu estava fazendo exatamente essa coreografia, especificamente a parte do derreter.

— Bom, eu vou indo — Ino anunciou, dando-me as costas.

— Obrigada por hoje.

A loira apenas acenou por cima da cabeça, se adiantando em direção ao próprio armário, provavelmente ansiosa para trocar de roupa. Todo o dia, depois do nosso ensaio, Ino tinha aulas de coreografia e ao que parecia eram suas preferidas, mesmo que a maioria fosse teórica. Assisti a mulher se afastar enquanto pensava em algum lugar para descansar até que Lee retornasse quando outro fios negros roubaram minha visão.

A boneca e o bailarinoOnde histórias criam vida. Descubra agora