Entrelacè

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Me mover daquela maneira era difícil. Toda variação tinha seu nível de emocional, mas toda variação também tinha uma personagem, uma jovem sequestrada que vira cisne, uma contadora de história que afasta a própria sentença, ou uma cigana que se apaixona por um soldado. Era tudo trágico e muito sentimental, mas nada disso tinha me preparado para o que eu estava fazendo agora. Ser eu mesma. Criar meu próprio eu era mais complicado do que parecia.

Ino já tinha praticamente desistido. De acordo com ela, minha técnica estava aceitável — eu conseguia me esticar mais, e me mover como se estivesse me derramando com o ar —, mas me faltava o coração. Não podia culpá-la, ela tinha pensado em tudo que era possível, me deu a letra da música impressa, me colocou de frente para o espelho, até me fez dançar de olhos fechado, sem me deixar descansar não importa quantas vezes eu quase tivesse acertado alguém e, ainda assim, absolutamente nada tinha funcionado.

Meu solo não era difícil, tinha alguns giros e contrações que a loira me ensinou a fazer, o problema é que eu tinha pego justo a virada da música, o momento em que ela fala sobre se libertar.

— Sakura, é simples — Repetiu uma última vez — Ela fala sobre a pressão que temos em sermos perfeitas, e como devemos perceber que já somos perfeitas do nosso próprio jeito. Você só precisa mostrar isso... E não, não estou falando de colocar um sorriso na cara.

"Um sorriso na cara" foi assim que ela definiu minha atuação nestes dois dias. Eu estava forçada demais, resumindo tudo a um simples sorriso e de acordo com a loira a câmera pegaria isso. A música falava sobre amar a si mesma, enxergar sua própria beleza apesar de todos os padrões. Qualquer pessoa que visse de fora, pensaria que logo eu, uma bailarina clássica que vive em busca da perfeição, entenderia esse conceito mais que qualquer um, mas não era verdade. Quer dizer, eu entendo o que ela está dizendo, apenas não consigo esboçar uma reação convincente.

Toquei meu próprio rosto como o ensaiado, puxei os fios do meu cabelo como o instruído, peguei meu reflexo como o sugerido e simplesmente nada parecia convincente. Não parecia que eu realmente tinha entendido a ideia da música e sinceramente isso estava irritando tanto a mim quanto a loira, que me olhava aborrecida recostada contra a parede de braços cruzados sob o peito. Mais que qualquer outro dia, Ino não parecia estar de bom humor.

— Vamos dar uma pausa — Falou quando terminei de repetir meu solo.

Por alguns segundos, aguardei por alguma risada ou deboche, mas nada disso veio. Ino apenas se desgrudou da parede e caminhou para fora da sala feito uma bala. Não tinha sido seu mau humor que me impressionou, mas sim suas palavras. Em todos esses dias, Ino Yamanaka nunca tinha me oferecido nenhuma pausa, nem mesmo para beber algo. Ou eu a tinha irritado de verdade, ou algo ruim devia ter acontecido com a loira.

Seja lá qual fosse o motivo, me senti agradecida ao poder parar com aquela tortura. Não dançar direito, ou me sair mal em uma tarefa que incumbiram a mim simplesmente acabava com o meu humor, e sai pela porta de maneira muito semelhante à da loira atrás do bebedouro. Mesmo sendo um dia nublado, fora da sala tinha um clima muito mais ameno e menos denso, não tardando muito para que eu me sentisse um pouco melhor. Depois de quatro dias indo e vindo, tinha aprendido o caminho para o bebedouro e banheiro, e já não me surpreendia mais com os alunos agitados e aulas com contorções esquisitas.

Estava passando pelo salão quando avistei Naruto e o restante do pessoal, enquanto Ino se mantinha logo à frente conversando com Sasuke. Eu não o via desde sua carona ontem quando foi me buscar. Confesso que me senti estranha quando o avistei, ajeitando o rabo-de-cavalo descabelado, ao mesmo tempo que tentava convencer a mim mesma a parar com isso. A opinião dele não me importa.

A boneca e o bailarinoOnde histórias criam vida. Descubra agora