Rond de jambe

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 Andei devagar até o amontoado de sapatilhas com a cabeça baixa, como se isso fosse me tornar de alguma forma invisível aos olhos de minha tia. Agarrei o primeiro par de sapatilhas que vi e enfiei em meus pés, deixando meu chinelo com corações por ali mesmo. Quando me levantei nem mesmo havia percebido que minha tia já havia parado de gritar e que todos olhavam para mim agora.

Não pude deixar de desejar secretamente que tivesse poderes para me tornar invisível, ou me teletransportar, como aqueles super heróis dos quadrinhos, mas eu era uma boneca e não a Mulher invisível ou Donna Troy. Encolhi os ombros mais do que pensava ser possível e me virei para meus colegas, que mais pareciam uma multidão enfurecida. No fundo eu sempre soube que eles não gostavam de mim, afinal quem gosta da protegida do diretor, não é mesmo?

-Quer dizer que nossa ilustre aluna resolveu nos dar o ar da graça hoje?-Perguntou a loira com sarcasmo explicito na voz

-Desculpa, eu perdi a hora - Sussurrei.

Creio que alguém normal não teria ideia de como tornar essa situação mais constrangedora, no entanto se tratava de minha tia, uma das maiores professoras de balé clássico do mundo, então o termo normal não se aplicava a ela, o que significava que ela sabia muito bem como deixar a situação incrivelmente pior.

-Perdeu a hora?-Repetiu

Assenti brevemente, sentindo meu corpo se encolher ainda mais sobre o tronco. Sabia que daí não viria coisa boa, nem agora e nem horas mais tarde.

-Bailarinos!-Chamou-Poderiam dizer à sua colega de classe qual é a regra mais importante da academia?

-Tia... –Implorei

-Em voz alta!- Esbravejou cortando-me

-Regra número um: nunca chegar atrasado - Todos disseram pausadamente, em coro.

Senti o rubor tomar minhas bochechas, enquanto via meus colegas repetirem algo que havia escutado minha vida inteira, com uma grande satisfação mais que explicita na voz, alguns até mesmo arriscavam sorrisos enfadonhos no canto dos lábios. Se diziam que o mercado de trabalho era competitivo era porque não conheciam o mundo do balé. Não ficaria surpresa se um deles se oferece em me por pra fora com as próprias mãos e roubasse meus solos, o que rezava para que não acontecesse.

-Sinto muito - Sussurrei

-Ótimo, agora voltem para a diagonal e tentem não ser tão horríveis!-Sibilou a última parte

Não foi preciso erguer os olhos para saber que um arrepio havia subido a espinha de todos na sala, inclusive a minha. Fiquei parada no mesmo lugar, sem saber exatamente o que fazer. Havia perdido as sequências na barra e duvidava que minha tia me permitisse participar da diagonal, ou que eu conseguisse com o pé neste estado.

-Vá se aquecer Sakura, vamos treinar sua flexibilidade hoje.

Senti meu estomago se revirar ao descobrir a programação que me aguardava. Fiquei parada por mais alguns segundos sentindo um gosto um tanto azedo subir ao meu paladar, enquanto o receio começava a se aflorar em meu peito. Tsunade apenas me mediu uma última vez e se voltou para os alunos, fazendo um sinal para que o pianista voltasse a socar as teclas. Sem mais escolhas segui mais para perto da barra, um canto livre dos outros bailarinos que dançavam com mais vigor a cada berro da loira.

Eu tinha uma ótima flexibilidade, ou como alguns instrutores diziam, já era "negativada", fazer um Grand Écart para mim era como brincadeira de criança, mas não havia conseguido tal flexibilidade, pois,por mais que fizesse coisas que a maioria das pessoas não faz,tinha nascido com um "problema" que a maior parte da população nascera, meus quadris são fechados. Não era um grande estorvo, mas passava a ser quando se tratava de minha tia, pois não importa o quanto negativada eu fosse, ela conseguia fazer isso doer mais do que nunca.

A boneca e o bailarinoOnde histórias criam vida. Descubra agora