11 - Estragos

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Penso em mil e uma desculpas para ir para a corrida sem perguntas, ele continua a dormir, levanto com cuidado e aninho a sua cabeça numa almofada, ele reclama algo que não entendo devido à sua sonolência. Procuro um papel e caneta onde rabisco um recado.

"Tive de sair mas volto!"

Tenho de inventar uma desculpa depois, beijo os seus lábios...

— Dá-me só um tempo que eu vou acabar com este vício por ti!

Falo para mim mas de olho naquele homem que é o único que me faz querer ficar em vez de ir correr, por enquanto não será possível, quem sabe em breve. Saio a correr porque ainda tenho de ir buscar o dinheiro da aposta, mais uma vez chego ao local quase em cima da hora e já há um mar de adeptos loucos, só tenho tempo de fazer a aposta com Michael e ir para a partida. Nunca vi o carro amarelo nem sei quem é o motorista o problema é que durante toda a corrida ele tenta vir para cima de mim, que idiota, numa das curvas ele consegue o que quer, oiço barulho e sei que isso significam estragos e um bom buraco negro na minha conta bancária. O pior de tudo não são os estragos mas sim o que acontece sempre que adrenalina bate recordes na pista, depois de um pequeno acidente de carro eu fiquei com um problema na perna esquerda, a que necessito para por mudanças, a minha perna começa a tremer e quanto maior for a alteração no sistema nervoso maior é o descontrolo dos músculos ao ponto de ter de parar o carro e foi o que tive de fazer, parar! Ninguém sabe deste problema porque tenho medo de perder a minha carta de condução, sei que é perigoso mas não posso ficar sem o meu carro nunca. Bato no volante algumas vezes gritando todos os nomes feios que conheço antes de sair e massajar a perna para que parem os espasmos. Nesse momento um carro passa por mim e vejo o condutor olhar na minha direção, ele diminui a velocidade ficando bem perto, não é um carro de corridas e o condutor tem capuz o que o torna irreconhecível, eu limpo uma lágrima de raiva que cai do meu rosto e viro costas assim oiço ele partir em alta velocidade.

Não acredito, filho da mãe, olhem o tamanho dos estragos... Eu juro que vou saber quem é esse merda que causou tudo isto. Volto para perto da linha de chegada a corrida tinha terminado então pego o dinheiro, faço a entrega e volto para casa de Kane que me recebe com má cara...

— Acordei sozinho!

— Eu deixei um recado.

— Posso saber onde fostes? - Graças a deus que comprei uma caixa de biscoitos no posto de gasolina.

— Na verdade fui procurar algo para a sobremesa. - Mostro o saco que tenho na mão.

— Vamos comer eu acabei de aquecer de novo o jantar!

— Acho que estou a precisar disso.

Mal comi mas queria demonstrar a Kane o quanto estava grata pelo seu esforço culinário que estava muito bom, ou era impressão minha ou ele estava um pouco estranho. Depois do jantar ele recebeu um telefonema e foi até ao quarto, eu no entanto fui até à janela, a lua estava linda e brilhante, o céu estava limpo e a rua deserta, só de pensar no meu carro até dói. Vou até ao sofá, tiro os sapatos e fico encolhida, faz muito tempo que não me sinto assim tão frágil, as minhas lágrimas caem...

— Angel!

— Eu estou bem! - seco a cara e endireito-me no sofá.

— Fala comigo, eu quero ajudar.

— Kane por favor não quero falar agora, eu prometo que depois conto. - Faço o meu melhor sorriso - Agora eu quero muito carinho.

— Nisso eu posso ajudar!

E ajudou muito, em cada toque eu sentia a sua preocupação por mim e isso é reconfortante e satisfatório...

— Kane? - Estamos deitados lado a lado.

— Sim?

— Que tipo relação é que nós temos?

— Que tipo? - Ele parece não entender a minha pergunta.

— Nós dormimos juntos mas um dia a Alice vai regressar e eu tenho de escolher se fico ou se volto para casa.

— Achas que queres mesmo ter um relacionamento sério? É que para isso tem de haver entrega e sinceridade. - Ele desconfia da minha saída.

— Eu sei disso, mas...

— Mas há algo que te que te impede de estares a cem por cento comigo.

— Eu nunca tive um namoro sério e sei que para que isso aconteça temos de começar do zero e colocando todas as cartas na mesa e eu ainda não estou pronta para isso.

— Isso é um pedido para que espere por ti?

— Sim.

— Sabes que podes arriscar que seja tarde demais quando tu estiveres pronta? - Sei que as suas palavras não eram em vão mas não podia fazer nada por enquanto.

— Eu sei disso mas não posso fazer mais nada, agora tenho de ir.

— Fica hoje!

— Não posso ainda por cima tenho muito que fazer amanhã.

— Muito que fazer? Como o quê Angel? - Ele eleva o tom e eu não preciso de discutir agora.

— São umas coisas nada de especial.

Mais uma vez é difícil deixar Kane para trás, logo de manhã fui ao grande armazém da vila encomendar as peças para o carro e depois segui para a garagem do avô, ainda bem que ele foi ajudar um dos vizinhos na construção de uma nova cerca para os animais, acredito que se visse o meu carro ele iria surtar. Se o meu pai me visse agora cheia de óleo e de volta de um carro ia deserdar-me, merda vou ter de pedir a alguém para tratar da chapa e pintura, estou deitada debaixo do carro para ver se há algo mais que eu não tenha visto e sinto os passos de alguém...

— Realmente tens muito para fazer!

— Kane? Pensei que estavas a trabalhar? - Ele está de camisa e fato? Que eletricista trabalha assim?

— Sim estou mas vim dar-te um beijo, o que aconteceu?

— Fiz mal as contas quando estava a fazer marcha atrás. - beijo os seus lábios sem resposta.

— Estás a gozar com a minha cara? És uma ótima condutora!

— Acontece, estava distraída.

— Não te distraias muito ou podespEle fala furioso.

Vejo ele virar costas e sair disparado com o seu carro fazendo saltar algumas pedras. Só me faltava isto agora!

Anjo de dia (Livro2)Onde histórias criam vida. Descubra agora