Quando Heisenberg descobriu o princípio da incerteza, a física mudou de
rumo e nunca mais regressou ao caminho anterior. Probabilidades, funções de
ondas, interferências, quanta, tudo isso envolve maneiras radicalmente novas de
encarar a realidade. Um físico "clássico" particularmente renitente poderia ainda
apegar-se à esperança de que, afinal de contas, todos esses desvios terminassem
por produzir algo não muito diferente do antigo modo de pensar. Mas o princípio da
incerteza liquidou, clara e definitivamente, com qualquer possibilidade de aferrar-se
ao passado.
O princípio da incerteza nos informa que o universoé um lugar frenético
quando visto em escalas cada vez menores de espaço e tempo. Vimos alguns
exemplos na tentativa que fizemos, no capítulo anterior, de determinar a localização
de partículas elementares como os elétrons: se jogamos sobre o elétron luz de
freqüências cada vez maiores, podemos determinar a sua posição com precisão
crescente, mas temos de pagar um custo, uma vez queas nossas observações se
tornam cada vez mais intrusivas. Os fótons de freqüência alta têm muita energia e,
portanto, dão um forte "empurrão" nos elétrons, o que altera significativamente o seu
movimento. É uma confusão semelhante à de uma sala cheia de crianças: a cada
momento você pode determinar a posição de todas elas com grande precisão, mas
não tem nenhum controle sobre os seus movimentos — velocidade e direção. Essa
impossibilidade de conhecer simultaneamente a posição e a velocidade das
partículas elementares implica que o mundo microscópico é intrinsecamente
turbulento.
Embora esse exemplo dê a idéia da relação básica existente entre a incerteza
e o frenesi, na verdade ele só conta uma parte da história. Poderia levá-lo a pensar,
por exemplo, que a incerteza só ocorre quando nós, na qualidade de observadores
desastrados, entramos em cena. Isso não é verdade. O exemplo do elétron que
reage violentamente ao ser confinado em um espaço pequeno, chocando-se contra
as paredes em alta velocidade, está mais perto da verdade. Mesmo sem o "impacto
direto" causado por um fóton intrusivo lançado peloexperimentador, a velocidade do
elétron muda, pronunciada e imprevisivelmente, de um momento a outro. Mas nem
mesmo esse exemplo revela por completo as surpreendentes características
microscópicas da natureza que a descoberta de Heisenberg implica. Mesmo no
cenário mais tranqüilo que se possa imaginar, uma região vazia do espaço, o
princípio da incerteza nos diz que, do ponto de vista microscópico, ocorre uma
tremenda atividade. E quanto menores as escalas de espaço e tempo, mais agitada
é essa atividade.
Para compreender isso é essencial fazer uma contabilidade quântica. No
capítulo precedente, vimos que, assim como pode tornar-se necessário tomar algum
dinheiro emprestado para superar um problema financeiro, também uma partícula
como um elétron pode tomar emprestada alguma energia, por algum tempo, para
superar um obstáculo físico. Isso é verdade. Mas a mecânica quântica nos força a
levar a analogia um passo adiante. Imagine uma pessoa que tem a compulsão de
sair pedindo dinheiro a todos os amigos. Quanto menor o tempo em que fica com o
dinheiro, maior o montante do empréstimo que ela pede. Pede e paga, pede e paga
— sem parar nem esmorecer, tomando dinheiro apenas para pagá-lo em seguida.
Assim como o preço das ações em um dia turbulento em Wall Street, o dinheiro em
poder do nosso amigo compulsivo sofre oscilações extremas, mas depois de tudo,
quando se faz a contabilidade das suas finanças, verifica-se que a situação
permanece estável.
O princípio da incerteza de Heisenberg afirma que flutuações frenéticas de
energia e de momento também ocorrem perpetuamente no universo, em escalas
microscópicas de espaço e tempo. Mesmo em uma região vazia do espaço —
dentro de uma caixa vazia, por exemplo — o princípio da incerteza diz que a energia
e o momento são incertos: eles flutuam em escalas que se tornam mais amplas à
medida que o volume da caixa ou o intervalo de tempo diminuem. E como se a
região ao espaço no interior da caixa "tomasse emprestadas" compulsivamente
quantidades de energia e de momento, "contraindo e pagando dívidas" do universo
constantemente. Mas quais são as coisas que participam dessas interações em uma
região quieta e vazia do espaço? Todas. Literalmente. A energia (e também o
momento) é a "moeda conversível" fundamental do universo. E = me2 nos informa
de que a energia pode converter-se em matéria e vice-versa. Assim, uma flutuação
de energia suficientemente grande pode, por exemplo, fazer com que um elétron e
um pósitron, seu par de antimatéria, apareçam de repente, mesmo em uma região
em que antes não havia nada! Como a energia tem de ser rapidamente devolvida,
as duas partículas se aniquilam mutuamente em um instante, com o que liberam a
energia usada quando da sua criação. Isso também é verdade para todas as formas
que a energia e o momento venham a tomar — aparecimentos e aniquilações de
outras partículas, fortes oscilações nos campos eletromagnéticos, flutuações nos
campos das forças fraca e forte. A incerteza da mecânica quântica nos informa que
o universo é um lugar frenético, prolífico e caótico nas escalas microscópicas. Nas
palavras zombeteiras de Feynman: "Criar e aniquilar; criar e aniquilar — que perda
de tempo".
2
Como os empréstimos e os pagamentos cancelam-se mutuamente na
média, as regiões vazias do espaço parecem calmas eplácidas quando examinadas
em escalas maiores. Contudo, o princípio da incerteza revela que essas médias
macroscópicas ocultam a exuberância da atividade microscópica.
3
Como veremos
daqui a pouco, esse frenesi é o obstáculo que tem impedido a fusão entre a
relatividade geral e a mecânica quântica.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O universo elegante
RandomEsse é um livro científico, porém eu recomendo também para leigos, por usar analogias diversas e procurar expor da maneira mais clara possível algumas das idéias dos maiores contribuintes da física e da matemática , além de expor claramente a loucur...