Capítulo 5

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Eu sentei no degrau da calçada e tirei o pé do chão. As lágrimas teimavam em deslizar pelo meu rosto, dificultando a minha visão.
Percebi que conforme os carros iam passando, as pessoas iam me olhando com ar de curiosidade. Como será que eu estava fisicamente naquele momento? Acho que eu ia evitar o espelho por um bom tempo dali em diante.
Quando a dor do meu pé diminuiu um pouco, eu tentei ficar de pé e com muita dificuldade, comecei a caminhar.
Cada passo que eu dava, sentia vontade de gritar de tanta dor que estava sentindo. Se já não bastasse toda a humilhação que eu havia passado, se já não bastasse a surra que eu tinha levado, provavelmente estava com o tornozelo quebrado. Ou pelo menos torcido.
Quando eu cheguei na esquina da rua da minha casa, não consegui me equilibrar e mais uma vez caí, daquela vez ralando o braço esquerdo em uma parede de concreto.
- Ai... – choraminguei. – Me ajuda, Deus, me ajuda, por favor...
Depois de alguns segundos me recompus e fiquei de pé novamente. Respirei fundo e continuei andando; precisava chegar aonde eu queria. Precisava de ajuda...
Depois de atravessar a rua, a dor ficou tão insuportável, mas tão insuportável, que eu não consegui mais andar e fui obrigado a sentar na calçada. Como se não bastasse a dor do pé, meu estômago também doía por causa dos chutes que eu havia levado. Fiquei com medo de estar com algum problema mais sério...
Não sei quanto tempo fiquei sentado na sarjeta. Não sei se haviam passado minutos ou horas. Eu só conseguia pensar em como eu tinha sido idiota em não ter trancado a porcaria da porta do meu quarto... Como eu pude ser tão imbecil?
Como era domingo e tarde da noite, quase ninguém estava passando na rua e os poucos que passavam, não me davam a menor atenção. Pensei em pedir ajuda, mas fiquei com vergonha de contar o que havia acontecido. Só o que me restava era chorar e rezar. Rezar para que a dor diminuísse e eu conseguisse chegar onde queria ir.
E eu acho que as minhas preces foram ouvidas. Depois de um tempo, fui surpreendido por quem eu menos esperava e por quem eu mais precisava: meu amigo, o Víctor.
- Caio? – ele arregalou os olhos. Víctor não estava sozinho. – O que aconteceu?
Eu não respondi, só chorei e isso foi suficiente para ele entender o que tinha acontecido.
- Me ajuda a levantá-lo, Renan.
- AI – gritei de dor quando alguém pegou no meu braço.
- Desculpa – disse o menino que eu não conhecia.
- Consegue andar? – indagou Víctor.
- Não – respondi. – Acho que quebrei o pé.
- O que aconteceu? Você foi atropelado? – perguntou o desconhecido.
- Melhor não fazer perguntas agora, Renan. A gente precisa levá-lo a um hospital.
- Não... hospital não. por favor...
- Mas, Caio, você precisa ver se não quebrou alguma coisa...
- Não... pelo amor de Deus, hospital não...
- Tá, tudo bem. Eu vou te levar pra minha casa!!!
- Pra sua casa? Por que não leva ele pra casa dele? – Renan questionou.
- Porque eu sei o que estou fazendo. Não faça perguntas e me ajuda a carregá-lo aqui...
Aos poucos eles foram me ajudando a andar e depois de alguns minutos, nós chegamos na casa do Víctor, que era onde eu queria chegar desde o começo.
- Virgem Santíssima – a mãe dele se espantou. – O que aconteceu com esse menino?
- Melhor não se preocupar com isso agora, vó – Víctor me ajudou. – Tudo o que ele não precisa é de questionamentos nesse momento.
- Minha nossa, tem que levar esse menino pro hospital!!!
- Não – choraminguei. – Não...
- Fica calmo, Caio. Fica tranquilo. Ninguém vai fazer o que você não quer...
Meu coração bateu aliviado.
- Mas Víctor, ele está péssimo – disse a avó do meu amigo.
- Eu sei, vó, mas é melhor fazer o que ele está falando... Me ajudem a levá-lo pro meu quarto.
Eu gemi de dor quando voltei a andar, mas me senti aliviado quando sentei na cama do garoto. Ali eu estava me sentindo protegido, como se ninguém pudesse me fazer mal.
- O que houve com você, meu querido? – a avó do Víctor insistiu naquele assunto.
Não tive coragem de responder e desviei os olhos da face da mulher.
- Vó, me deixa a sós com ele? Precisamos de privacidade.
Privacidade? O que ele ia fazer comigo?
- Vou preparar alguma coisa pra ele comer. Ele precisa se recuperar - a mulher saiu andando.
- Isso. Faça isso.
Depois que ela saiu, ele fechou a porta e me olhou com a fisionomia séria.
- Fala a verdade. O que houve?
- Meu pai... – sussurrei depois de uns segundos. Não conseguia olhar pra ele.
- Você precisa ir à delegacia abrir um Boletim de Ocorrência.
- NÃO! – gritei. De jeito nenhum eu ia me expor daquele jeito, muito menos denunciar o meu pai. Talvez fosse pior se eu fizesse aquilo.
- Isso não pode ficar assim, Caio – ele cruzou os braços. –Isso é desumano!!!
Abaixei a cabeça e chorei baixinho. Que humilhação eu estava passando, meu Deus...
- Não chora mais – ele se aproximou e ajoelhou na minha frente. – Não chora mais, por favor...
Funguei e respirei fundo. Meu corpo inteiro estava doendo.
- Deixa eu limpar esse sangue...
Se ele estava com o algodão e o remédio o tempo todo eu não havia percebido. Quando o líquido tocou meu nariz, senti a pele arder. Tudo deplorável. Estava me sentindo o pior de todos os seres humanos.
- AI que dor...
- Caio, por favor, vamos ao médico? Você precisa ver esse braço, ver esse pé...
- Não... Não quero dar explicações, Víctor. Por favor, me entenda...
- Te entendo sim, gatinho, mas para de chorar, ta?
Não conseguia. Por mais que eu tentasse, as lágrimas insistiam em cair. Era incontrolável.
- Vamos trocar de roupa, essa está toda ensanguentada... – ele levantou e abriu a porta do guarda-roupa.
- Não precisa... – gemi baixinho.
- Precisa sim. Quer tomar um banho?
Talvez aquilo me ajudasse.
- Não quero incomodar...
- Incômodo algum. Eu te ajudo!
- Não – senti a dor do meu estômago ser trocada por gelo instantaneamente.
- Beleza, você toma sozinho. Se conseguir. Vem, levanta!!!
Coloquei o pé que estava bom no chão e ele me ajudou a saltitar até o banheiro.
- Isso tem que ser denunciado!
- Não... – choraminguei de novo.
- Ah, se fosse comigo!!!
Nós entramos e ele me ajudou a tirar a camiseta. Senti muita dor quando ergui o braço. Será que também estava quebrado?
- Vou trazer um sabonete, uma toalha e uma roupa pra você, espera aí...
Segurei na parede e respirei fundo. Meu estômago estava doendo de novo.
- O que foi? O que está sentindo? – ele se preocupou.
- Meu estômago tá doendo muito...
- Você vai ao médico, quer queira, quer não!!!
- Não, pelo amor de Deus, não...
- Se amanhã você estiver assim, você vai. Não quero nem saber.
Não falei nada.
- Vou te deixar sozinho pra você ficar mais à vontade. Se precisar de mim é só me chamar.
Assenti e desviei os olhos. Que vergonha eu estava sentindo...
Depois que ele saiu, tirei a cueca e fui pra debaixo do chuveiro. A água quente ajudou a tirar um peso enorme das minhas costas. Parece até que eu estava ficando mais leve.
Não demorei muito porque não estava me segurando em pé. Com muita dificuldade consegui me vestir e quando terminei, chamei meu amigo, que entrou prontamente no banheiro.
- Minha avó fez uma comidinha pra você. Isso vai te ajudar a recompor as energias...
- Não quero que se preocupem comigo.
- Não tem que ficar sem graça. Aqui vai ser a sua casa por um tempo.
- Fico muito agradecido...
- Não chora, Caio. Você tem que se acalmar.
- Você pensa que é fácil?
- Sei que não é, já passei por isso.
Senti gosto de sangue na boca, mas não comentei nada porque não queria ir ao médico.
- Aqui, querido. Coma tudo. Você precisa ficar forte.
- Obrigado, Dona...?
- Maria – ela respondeu.
- Obrigado, Dona Maria. Muito obrigado.
Eu pensava que aquela senhorinha simpática e boazinha era a mãe do Víctor e não a sua avó.
Eu comi bem devagar por causa das dores do meu corpo. A comida estava boa, mas eu não estava sentindo ânimo pra nada. Nem fome estava sentindo.
- Melhor você não mexer esse braço, nem esse pé.
O Víctor trocou a compressa de gelo que estava no meu tornozelo.
- Obrigado – funguei.
- Conta comigo sempre – ele respondeu.
- Nem sei como te agradecer...
- Não precisa agradecer. Quero que você fique bem.
Ficar bem? Não estava acreditando naquela possibilidade.
- Sua dor de estômago melhorou?
- Uhum – respondi com sinceridade.
- Tadinho. Você não merece isso...
Só precisei ouvir aquilo pra voltar a chorar compulsivamente, Por que o meu pai tinha feito aquilo comigo? Por que ele tinha que ser tão preconceituoso?
- Não chora – o adolescente se aproximou e secou as minhas lágrimas. – Você vai dar a volta por cima...
Dar a volta por cima... Por mais que eu pensasse naquilo, não conseguia imaginar como, ou se seria possível. Humilhado, espancado e expulso de casa. Estava sem roupas, sem dinheiro, nem meus documentos eu tinha mais...
- Não passo de um indigente – concluí depois de muito pensar.
- Não fale assim, você vai ver que tudo vai se resolver. Pra tudo tem jeito, Caio. Menos pra morte.
Morrer. Talvez aquela fosse uma boa solução.
- Quer dormir um pouco?
- Não sei se vou conseguir.
- Consegue sim... Vou apagar a luz pra você ficar mais confortável.
- Onde você vai ficar? – eu estava constrangido porque estava usando a cama dele.
- No quarto dos meus pais. Não se preocupe com isso. Descanse e se precisar de alguma coisa é só me chamar.
- Muito obrigado. Muito obrigado mesmo.
- Já disse que não tem que agradecer.
Ele desligou a luz e encostou a porta ao passar. Eu continuei chorando por um tempo, mas a dor foi ficando longe e aos poucos, muito aos poucos, acabei adormecendo.

BrunoOnde histórias criam vida. Descubra agora