Capítulo 54

105 6 0
                                    

Não tive oportunidade para ficar mergulhado em meus devaneios.
Sem mais nem menos, a porta da sala da casa do meu amigo foi aberta e um bando de crianças e adolescentes entraram fazendo a maior algazarra.
- Rodrigo? – um deles percebeu a presença do rapaz.
Foi a maior barulheira. Eu me perguntei quem seriam aquelas pessoas. Será que seriam irmãos do meu melhor amigo?
Mas ele não havia me dito que era filho único? Ou será que eu tinha feito algum tipo de confusão?
- Quem é você? – uma menina linda me perguntou.
- Amigo do Rodrigo – me expliquei.
- Ah...
Eu contei 5 crianças e 2 adolescentes. Nâo era possível que toda aquela pivetada fossem irmãos dele!
- Caio, deixa eu te apresentar os meus primos.
Então estava explicado. Eram primos. Muitos primos! Ele disse o nome de todos os garotos, mas eu não consegui decorar nenhum.
- Mãe, você ia sair, não ia? – Rodrigo perguntou.
- Ia não, vou. Me atrasei horrores, mas é por um bom motivo.
- Onde vai?
- Vou na casa da Marcelle.
Quem seria essa?
- Depois eu colo lá para fazer uma visita. Não fala que eu cheguei, tá bom?
- Pode deixar.
- Caio, vem comigo. Eu vou te levar pro seu quarto.
Ainda estava me sentindo um pouco desconfortável naquela casa e no meio daquela gente, mas não tinha lá muita escolha e acabei obedecendo.
- Seus primos moram aqui com seus pais?
- Não – ele respondeu. – Eles só vieram passar uns dias mesmo.
- Hum. E quem é Marcelle?
- Minha irmã.
- Sua irmã? Eu pensava que você era filho único.
- E eu sou.
- Não entendi?
- É assim, Caio: eu sou único porque minha irmã é adotada, entendeu?
- Mas você não me disse que tinha um irmão mais velho?
- Também tenho. Na verdade não é irmão. O Juan é o marido da Marcelle, mas é como se fosse meu irmão porque a gente cresceu junto, sacou?
- Que complicação!
- Você que é sonso e não entende o que eu falo.
- Sua família que é complicada.
- Enfim, seu quarto é esse.
- Só meu?
- Só seu. Não gostou?
- Não é isso. Só fiz uma pergunta.
Era um quarto enorme. Mais ou menos do tamanho do quarto que eu tinha na casa dos meus pais. Até a mobília me lembrava o meu antigo dormitório.
- Pode se instalar. Se quiser tomar banho, o banheiro é na última porta do corredor.
- Beleza. Obrigado.

Quando o pai do meu amigo chegou do trabalho e viu o filho em casa, quase soltou rojões de tanta felicidade. Os dois se abraçaram tão forte que eu mais uma vez senti uma pontada de inveja. Nunca que meu pai ia dar um abraço daquele em mim!
- Me conta tudo! – o cara sentou no sofá e cruzou as pernas. – Como está a faculdade?
Eles ficaram conversando por horas. Se antes eu me sentia desolado, naquele momento então eu fiquei me sentindo invisível. Ninguém falava comigo, ninguém prestava atenção em mim... Seria muito melhor ter ficado na república!
- Caio, vamos dar uma volta pela cidade? – ele perguntou.
- Agora? – já estava um pouco tarde.
- Qual o problema? Vamos ou não?
Suspirei profundamente. Ia adiantar falar que não?
- Vamos, né? Fazer o quê!
Não sei dizer o motivo, mas Curitiba me passava a impressão de ser uma cidade calma e sem muita movimentação. Não sei se era o bairro ou se eu estava acostumado com a rotina conturbada de São Paulo e o agito noturno do Rio de Janeiro.
- Aqui é bem tranquilo – ele falou.
- Percebi.
- Quer comer alguma coisa?
- Por mim tudo bem.
Nós nos dirigimos a uma pizzaria e pedimos uma só de mussarela. A redonda estava tão boa que comi sem me fazer de rogado.
- Boa, né?
- Fazia tempo que não comia uma pizza tão boa – falei.
- Aqui é a melhor pizzaria da região.
- Com razão. Muito gostosa mesmo.
- E aí, o que está achando?
- Bacana – menti.
- Mentiroso. Sua cara não nega. Você não está gostando.
- Se sabe da resposta, por que pergunta?
- Só para ver a sua reação.
- Deveria ter ficado no Rio!
- Não começa, tá? Não começa!
Eu me calei e resolvi não abrir a minha boca mais durante o resto da noite.

Alguns dias depois, eu comecei a me sentir um pouco melhor e fiquei mais à vontade no meio da família do Rodrigo.
Descobri que a irmã adotiva dele estava grávida de 8 meses e que o bebê poderia nascer a qualquer momento.
A família do garoto estava tão feliz com a visita dele, que não poupou gastos para preparar as comemorações de final de ano.
A noite de natal estava se aproximando cada vez mais e a cada segundo que passava, eu sentia o meu coração mais vazio. Não tinha família e não tinha o Bruno. Parecia que nada nem ninguém seria capaz de preencher aquele vazio que estava dentro de mim.
- Que cara é essa, Caio? – um dos primos dele perguntou.
- Nada não – disfarcei.
- Não está gostando de ficar aqui?
- Não é isso. Vocês são muito legais.
- Hum...
E assim os dias foram passando. Quando o dia 24 de dezembro chegou, o clima de festança estava tão forte que até eu me senti alegre.
- É natal, Caio – ele me cutucou. – Ergue essa cabeça!
- Hoje eu estou bem. Estou me sentindo feliz.
- É isso aí, parceiro. É isso aí!
Mas depois da comilança, o vazio tomou conta de mim novamente e eu fui pro meu quarto. Não saí de lá até o almoço do dia seguinte.
- Onde você estava? – perguntou Rodrigo.
- No quarto.
- Por que não ficou com a gente?
- Porque não me senti à vontade, Rodrigo. Simples assim!
Por mais que eu tentasse, não existia clima para festa. Às vezes eu me sentia um pouco melhor, mas a depressão sempre voltava e tomava conta de mim. Era impressionante!
- Falo mais nada não – ele bufou. – Faz o que você quiser.
- Que dia a gente vai voltar para o Rio?
- Só no meio de janeiro.
- Ainda?
- Ainda e não começa a reclamar não. Não estou a fim de ouvir reclames em pleno natal!
Naqueles últimos dias, ele ficou totalmente intolerante comigo. Talvez a paciência do meu amigo já tivesse esgotado e não era para menos. Eu estava muito chato naquela época.

Eu preferia mil vezes ter passado a virada de ano em Copacabana, como havia feito no ano anterior.
A casa estava muito bem arrumada e as pessoas estavam pra lá de alegres e contentes. Só eu estava me sentindo desanimado e triste com aquela passagem de ano.
- Você é doente? – um menino perguntou.
- Não, por que? – me irritei.
- Não dá risada, não brinca, não conversa! Vive nos cantos, sozinho e sem fazer nada.
- E isso é da sua conta?
- Só estou tentando ajudar – ele se ofendeu e saiu de perto.
Quando ele foi embora, eu me pus a pensar. Até uma criança de não sei quantos anos estava percebendo a minha depressão e eu fiquei tão constrangido, mas tão constrangido, que senti vontade de cavar um buraco e desaparecer da frente de todas aquelas pessoas que eu nem sequer conhecia direito.
Quando o relógio marcou 5 para a meia noite, todo mundo saiu para a rua e ficou esperando o ano de 2.007 nascer.
Eu tinha muito o que pensar. 2.006 estava indo embora e eu tinha que deixar todas as coisas ruins ficarem para trás.
Era hora de mudanças. Nos 5 minutos finais do dia 31 de dezembro, eu pensei rapidamente em tudo o que as pessoas me falavam e, em definitivo, resolvi erguer a minha cabeça e deixar o Bruno e todo aquele maldito sofrimento no meu passado.
- CHEGA! – meu coração até bateu mais forte. – EU NÃO VOU MAIS SOFRER POR VOCÊ, BRUNO!


BrunoOnde histórias criam vida. Descubra agora