Capítulo 72

98 7 0
                                    

Aacho que o meu coração bateu mais de mil vezes por segundo.
Fiquei com tanto medo do Rodrigo ter ouvido minha conversa com o Víctor, mas com tanto medo que já estava sentindo até vontade de chorar!
- O que foi, Caio? Por que você está vermelho e tremendo desse jeito? – ele ergueu as sobrancelhas e coçou a nuca.
- Vo-você está aí fa-faz mu-muito te-tempo?
- Não, menino! Eu acabei de chegar, por quê?
- JURA?
- Ué, o que está acontecendo, hein? Parece que você está com medo!
- Jura que você estava aqui há pouco tempo? Jura? Você ouviu alguma coisa do que eu falei?
- Ih, agora eu entendi tudo! O que você está escondendo de mim, Caio?
- Na-nada!
- Nada é o cacete! Pra você estar tremendo e gaguejando desse jeito, com certeza alguma coisa você fez de errado – ele cruzou os braços e começou a bater o pé esquerdo no chão.
- Não estou escondendo nada – afirmei com a minha voz decidida. – Mas você ouviu ou não?
- Não, não ouvi. Infelizmente não ouvi, mas isso me serve de alerta. Eu confio em você, conto tudo o que acontece na minha vida pra você e você fica me escondendo o que acontece na sua. E ainda tem a capacidade de falar que é meu amigo. Amigo é o caralho! Depois não fica reclamando se eu mudar minha forma de agir com você, beleza?
Pelo jeito ele ficou extremamente irritado, isso porque eu nem dei vazão para ele entrar em detalhes.
- Rodrigo... – eu choraminguei.
- Vai me contar o que você está escondendo de mim ou não?
- Na boa? – o Víctor se meteu. – Se ele não te falou nada é porque não pode falar, você não acha? Ou você pensa que o mundo gira ao seu redor para ele te contar todas as coisas?
- O papo ainda não chegou aí, garoto. O assunto é entre o Caio e eu, portanto fica na tua e cala essa boca que você ganha mais!
- Vem fazer eu calar!
- NÃO BRIGUEM – eu me estressei. – Não quero ver vocês brigando!
- Vai me falar ou não? – Rodrigo insistiu no assunto.
- Não – eu balancei a cabeça negativamente. – O Víctor tem razão. Eu não posso te contar porque o assunto não é meu – menti.
- Ah, não é? Você pensa que eu sou burro, Caio? Não sou idiota! Se há algo que você não quer me falar, é porque você tem culpa no cartório.
- Não tenho culpa de nada, até mesmo porque eu não fiz e não estou fazendo nada de errado. Não vou te falar o que eu e o Víctor estávamos conversando e me sinto muito aliviado que você não tenha ouvido nada.
- Beleza! É assim que você me trata depois de tudo o que eu fiz por você? Bom saber. De hoje em diante, eu não te ajudo em mais nada. Não conta mais comigo, beleza?
- Depois você reclama quando eu digo que você é infantil – bufei de raiva e nervosismo. – Realmente o mundo não gira ao seu redor e eu não vou te contar o que aconteceu, até mesmo porque a pessoa envolvida me pediu segredo absoluto.
- Tá vendo? Eu sabia que você estava envolvido. Mentiu pra mim e mentiu para essa pessoa também, porque pra esse daí você contou, né?
- Eu tenho nome e me chamo Víctor se você não sabe – meu amigo ficou enfurecido.
- Problema é seu, ninguém te chamou na conversa. Aliás, ninguém te chamou aqui nessa casa, né?
- Ele é MEU convidado – falei em tom decisivo. – E eu exijo que você o respeite como respeita aos demais!
- Na boa? Você não tem moral pra me exigir nada. Fica na tua, fica com teu "melhor amigo" e de hoje em diante, me deixa em paz. E dessa vez não é brincadeira, agora eu estou falando sério!
- Beleza, Rodrigo. É assim que você quer? É assim que vai ser. Depois não vem correr atrás de mim não, firmeza?
- Pode deixar, existem coisas muito melhores para serem feitas – e dizendo isso ele saiu de casa sem olhar para trás.
- Que garoto egocêntrico, hein? – Víctor bufou de raiva.
- Ultimamente ele está assim, um chato de galochas, mas no começo ele era muito legal. Foi ele que me trouxe para morar aqui.
- Hum... Não gostei dele desde o primeiro momento em que o vi. Tão bonitinho e tão nojentinho...
- O que me deixou aliviado foi o fato dele não ter ouvido nada.
- Será que não está mentindo para te testar?
- Não acredito nisso. Ele está falando a verdade s
Aquela foi a primeira briga que tive com o Rodrigo e depois que tudo aconteceu, eu fiquei me sentindo um pouco chateado. Ele era meu amigo, um bom amigo e eu não queria ficar brigado com ele.
- Por que está com essa carinha? – Víctor indagou depois que a gente já tinha tomado banho e jantado.
- Não gosto de brigar com meus amigos. Estou me sentindo mal.
- A culpa não foi sua. Quem começou foi ele!
E neste mesmo momento ele apareceu de volta, com o rosto fechado e com cara de poucos amigos. Nós não nos olhamos diretamente e ele se dirigiu direto para o quarto, sem falar nada comigo e o Víctor.
- Cara feia pra mim é fome – o paulista detonou.
- Não fala assim, Víctor. Eu gosto muito dele e estou mesmo me sentindo mal. Acho que vou pedir desculpas...
- Não vai coisa nenhuma. Não dê o braço à torcer. Quem tem que te pedir desculpas é ele!
- Mas eu estou me sentindo culpado, Víctor. Não gosto de ficar brigado com ele...
- A culpa não foi sua. Quem ficou atrás da porta? Foi você?
- Não, mas a gente também foi burro de ter ficado falando aquele assunto no meio da garagem!
- Eu insisto que a culpa não é sua, portanto fica tranquilo e deixa as coisas acontecerem naturalmente.
- Amanhã eu vou falar com ele.
- Mudando de assunto, teria como me emprestar o notebook?
- Ih... Está com ele!
- Então pega de volta. É seu ou dele?
- Meu, mas eu emprestei mais cedo e ele ainda deve estar usando.
- Problema é dele, ele que compre um. Me empresta ou não?
- Vou ver se ele já usou, espera aí.
Era a oportunidade que eu tinha para colocar os pingos nos is. Eu bati duas vezes na porta do meu antigo quarto e quem foi me atender foi o Maicon:
- E aí, garoto? Tudo bom?
- Mais ou menos. Posso entrar?
- Opa, pode sim.
- Rodrigo? – eu falei baixinho.
Ele estava enfiado no meio dos livros e não levantou a cabeça para falar comigo.
- A gente pode bater um papo?
- Não, não pode não. Vai bater um papo com seu amiguinho de São Paulo!
- Maicon, você pode nos deixar a sós?
- Posso sim, já ia ao banheiro mesmo.
- Obrigado.
Quando o cara saiu, eu me aproximei do Rodrigo e disse:
- Não complica as coisas, pelo amor de Deus!!!
- Não quero trocar ideia com você, seu traíra. Sai do meu quarto!
- Rodrigo, por favor? Vamos conversar?
- Não tenho nada para conversar com você. Some já daqui!
- Por favor, vamos conversar?
- Não. Eu não quero falar com você, Caio. Me deixa sozinho, eu preciso estudar!
- Rodrigo, é sério. Vamos conversar, mano?
- Não sou seu mano! Não sou mais seu amigo, entendeu? Pra mim chega! Eu cansei de ser trocado, eu cansei de você não confiar em mim. Sempre me escondendo alguma coisa, sempre me deixando de escanteio, sempre esquecendo que fui eu que te abriu as portas dessa porra de república! Chega uma hora que a gente cansa de ser feito de idiota!
- Calma aí, eu não estou te fazendo de idiota e eu não esqueci que foi você que me trouxe para morar aqui, muito pelo contrário. Lembrei disso há muito pouco tempo.
- Grande coisa.
- Acho que você está fazendo tempestade em um copo d'água. Eu não te deixo de escanteio, não esqueço de você e a minha amizade por você é a mesma de sempre. Quem está confundindo tudo é você.
- Eu estou confundindo? Confundindo o quê?
- Não sei, mas que você está enganado, você está. A minha amizade por você não mudou, te considero pra caramba e você fica com essas frescuras.
- Frescura? Você esconde um bagulho de mim e eu é que estou com frescura?
- É frescura sim porque o mundo não gira ao seu redor e eu não sou obrigado a te contar tudo não. Primeiro porque eu não posso e segundo porque é um assunto delicado e não compete a mim te falar!
- Beleza, Caio – ele suspirou. – Não vou ficar brigando com você não, mas quero que saiba que eu estou muito chateado com você.
- Não deveria, eu não te fiz nada.
- Fez sim. Estou triste com você.
- Já disse que não deveria ficar, não existem motivos, Rodrigo! Por acaso você me conta tudo?
- Pior que conto.
- Duvido. Sempre vai ter uma coisinha ou outra que você não vai poder falar. Coisa chata, meu. Cresce, porra!
- Me deixa a sós?
- Vai continuar com essa frescura, ou vamos voltar a ser amigos?
- Não tenho nada a falar com você, moleque. Me deixa a sós, por favor?
- Beleza. Eu tentei e estou bem tranquilo agora. Sei que a minha parte foi feita. Não quero ficar brigado com você, mas se você insiste...
- Vai embora, vai?
- Vou sim. Pode deixar que eu não te atrapalharei mais. Só vou levar meu notebook, beleza? Se nós não somos amigos, não tenho porquê ficar emprestando as minhas coisas pra você.
- Pode levar. Não preciso dele. Eu me viro sozinho.
- Ótimo. Boa noite pra você, seu criança!
- Boa noite, seu metido...
Se o olhar dele tivesse capacidade de matar, acho que eu teria morrido. Desde que o conhecera, eu nunca havia visto o Rodrigo daquela forma e aquilo não podia estar acontecendo por simples ciúmes do Víctor. Eu tinha certeza que existia algo a mais naquela crise que ele tinha dado.
- Conseguiu? – os olhos do Víctor se iluminaram. – Posso usar?
- Pode, ele é todo seu. Eu vou dormir, beleza?
- Beleza. Posso ficar aqui no sofá mesmo, né?
- Sim. Acha que precisa de mais um cobertor?
- Não, esses estão ótimos. Muito obrigado, amigo.
- Disponha.
- Não fica com essa carinha não, ele não merece a sua amizade!
- Não quero mais falar sobre isso. Boa noite.
- Boa noite...
- Caio? – ouvi uma voz vinda da cozinha.
- Oi, Maicon?
- Já posso voltar pro meu quarto?
- Pode sim. Desculpa, nem te avisei... Pode sim, obrigado por ter me deixado a sós com aquele idiota.
- Vocês brigaram, é? – ele apareceu na sala de sopetão.
- Não brigamos, a gente só se desentendeu.
- Se precisar de alguma coisa, pode contar.
- Valeu, fera. Boa noite...
Fui direto pro quarto e não falei mais nada com o Víctor porque eu tinha certeza que ele ia ficar me jogando contra o Rodrigo e eu não queria que aquilo acontecesse. Quando coloquei os pés dentro dos meus aposentos, o futuro Engenheiro Químico foi direto ao ponto:
- O que houve? Que cara é essa?
- Nada – menti.
- Nada? Nada uma ova. Eu te conheço! O que houve para você estar desse jeito?
- Vou te contar, mas você jura que não fala pra ninguém?
- Uhum. Confia em mim.
- Discuti com o Rodrigo!!! – me joguei de costas na cama e meu corpo deu um pulo no colchão.
- Ué, por quê?
- Eu estava falando com o Víctor e pensei que ele tinha ouvido a nossa conversa, daí fiquei com medo, né?
- Medo de quê?
- Como de quê? Dele ter ouvido nosso papo, oras.
- E ele não podia saber o assunto?
- Não. Era um segredo meu e do Víctor, daí ele ficou bravo porque eu questionei se ele tinha escutado e depois não quis falar o que nós tínhamos conversado!
- E só por isso vocês brigaram?
- É...
- Essas crianças...
- Quem é criança é o Rodrigo, não eu.
- Os dois! Brigar por uma coisa tão boba dessas? Faça-me o favor, né?
- Nâo quero mais falar sobre isso também. Cansei.
- Beleza, não está mais aqui quem falou. Vai trabalhar amanhã?
- Vou, no meu emprego novo.
- E você está preparado?
- Uhum. Quero você lá comigo, hein?
- Jamais pedirei as contas, meu caro. Só quando eles me mandarem embora.
- Nem pelo dobro do salário?
- Aí o assunto muda, mas que eu saiba, não é o dobro.
- Não é o dobro fixo, mas com comissão você pode tirar até o triplo.
- Quando eu ver o seu primeiro ou segundo holerite, a gente conversa, Caio. Não troco o certo pelo duvidoso, não tenho mais a sua idade.
- Quem vê pensa que você é um idoso, Fabrício!
- Comparado com você...
Sempre que ele tinha oportunidade, tocava no assunto da nossa diferença de idade.
- Você e esse seu complexo de idade, né?
- Não é um complexo. É a realidade. Eu estou ficando velho enquanto você ainda nem chegou na casa dos 20!
- Nâo vou discutir com você também, cara. Vou dormir que eu estou praticamente virado.
- Falando nisso, a noite ontem foi boa, né?
- Boa? Ela foi espetacular!
- Pegou quantas?
- Sinceramente? Perdi as contas!
- Ah, mentira?
- Juro por Deus.
Eu não tinha mesmo contado com quantos eu tinha ficado naquela noite.
- Saudade da sua idade, moleque. Poder passar o rodo sem ser criticado por ninguém...
- Você ainda pode passar o rodo e pelo que eu saiba, você sempre faz isso quando vai pra balada, nem vem que não tem.
- Mas não é mais a mesma coisa – Fabrício levantou e eu pude ver o pau dele balançar na minha frente. – Não é mais a mesma adrenalina da adolescência.
- E o que muda?
- Tudo. Quando você chegar na minha idade você vai entender.
Ele colocou a bermuda e saiu do quarto, deixando a porta aberta ao passar. Eu ouvi o barulho do Víctor digitando no meu notebook e fiquei me perguntando com quem ele estava conversando.
Muito rapidamente, o sono foi me abraçando, acariciando o meu rosto e eu acabei mergulhando no delicioso mundo do faz de conta, onde não havia problemas, brigas, desentendimentos ou confusões. Não havia nada melhor do que descansar e renovar as forças para mais uma semana que ia começar.
Mas eu não acordei tão bem como eu imaginava que iria acordar. Meu corpo estava pesado, dolorido e a minha garganta estava começando a ficar um tanto quanto irritada.
- Ninguém merece...
- O que foi? – Fabrício já estava de pé e pronto para ir ao trabalho.
- Acho que vou gripar.
- Sério?
- Uhum. A minha garganta está começando a doer e meu corpo também.
- Complicado, hein? Toma logo um analgésico.
- É, eu vou fazer isso sim.
Dei um pulo da cama e só foi colocar os pés no chão que eu comecei a espirrar sem parar.
- É, acho que gripou mesmo – Fabrício concordou.
- Ninguém merece...
Saí do quarto e segui até o banheiro. Quando passei pela sala, notei que o Víctor ainda estava dormindo e para não acordá-lo, fiz o mínimo de barulho possível.
- Ele vai ficar todo torto nesse sofá – comentou Vinícius. – Agora que você acordou, por que não fala para ele ir para a sua cama?
- Tenho dó de acordá-lo.
- Pode deixar que eu faço isso então. Que dó que nada! Aí, Víctor? Acorda aí, parceiro.
Vinícius sacodiu o coitado do meu amigo e ele quase caiu do sofá. Eu fiquei com muita dó do coitadinho.
- O que foi? O que foi?
- Meu, vai pra cama do Caio! Você estava todo torto nesse sofá...
- Hã? Ah, já vou, já vou...
- Tadinho, Vini... Como você é mau...
- Sou nada, eu fiz foi um favor pra ele.
- Vini, tem um remédio de gripe aí? – indaguei.
- Tenho. Sente-se mal?
- Um pouco. Dor de garganta já atacou.
- Deixa ver se você está com febre?
Ele colocou a mão na minha testa e automaticamente eu lembrei da minha mãe. Ela sempre fazia isso quando eu me queixava de dor de garganta, principalmente quando eu era criança.
- Não, a temperatura está boa. Abre a boca?
- Hã?
- Abre a boca, quero ver sua garganta!
Me senti muito esquisito naquela "consulta". Ele olhou no fundo da minha boca com atenção e por fim disse:
- Ela está mesmo inflamada. Vou te dar um remédio, espera aí.
- Ele vai ser médico, é? – Víctor perguntou.
- Sim – respondi de imediato. – Está no 5º ano já. E é bolsista, hein?
- Que da hora. Acho que estou me sentindo mal também.
Eu dei risada e bati na cabeça daquele safado.
- Cria vergonha nessa cara!!!
- Aqui, Caio. Ele é muito bom, você vai se sentir bem melhor.
- Obrigado.
- Vinícius? – Víctor chamou.
- Oi?
- Me examina também?
Eu arregalei meus olhos e não acreditei que ele estava fazendo aquilo.
- Você se sente mal também?
- Uhum – ele fez cara de cachorro sem dono.
- E o que você tem, cara? – o coitado do Vini acreditou.
- Falta de vergonha nessa cara deslavada – eu puxei o médico e empurrei ele pelas costas até a cozinha. – Me diz quantas gotas eu tomo, meu...
- Não entendi o que você quis dizer, Caio. Me deixa ver seu amigo, pô.
- É Caio, deixa ele me ver...
- Você vai ver é minha mão na sua cara já, já!
- Ué... – Vinícius uniu as sobrancelhas.
- Vem, Vini. Vem me ajudar com esse remédio e deixa esse cachorro aí...
- Por que você fez isso, Caio? – Vinícius me repreendeu quando a gente entrou na cozinha.
- Porque ele não está doente, será que você não percebeu que ele está dando em cima de você?
Eu nunca havia visto o Vini tão vermelho como ele ficou naquele momento. Acho que se ele pudesse, teria cavado um buraco e se escondido.
- Sério? – a voz dele saiu como um silvo.
- Sério.
- Ele também é viado?
- Olha o respeito, moleque!
- Desculpa, é modo de falar. Você mais do que ninguém sabe que eu não tenho preconceito.
- Sei sim... Mas respondendo, sim ele é gay sim.
- Putz... Agora eu estou sem graça!
- É, eu também. Não pensei que ele fosse tão descarado assim.
- Puta merda, não vou nem conseguir olhar na cara dele mais...
- Deixa ele comigo, eu dou um jeitinho nele.
- Valeu pelo toque, parceiro. É por isso que eu gosto de você! – ele ainda estava muito vermelho.
- Quantas gotas?
- 30 é o suficiente. Se sentir febre, pode tomar de novo. Pode ficar com o frasco pra você.
- Muito obrigado. Posso te fazer uma pergunta?
- Uhum, pode sim.
- É verdade que você está... namorando?
- Quem te contou? – ele abriu um sorriso lindo.
- Um passarinho verde.
- Aham, é verdade sim... Eu não tive oportunidade de te contar antes, me desculpa.
- Você não deve satisfação pra mim, né Vini?
- Não é satisfação, é questão de educação. E outra, você é meu amigo, Caio. Eu quero que você saiba o que acontece na minha vida, pô. Do mesmo jeito que eu também quero saber o que acontece na sua.
- Obrigado por me considerar tanto assim.
- Considero você como sendo meu irmãozinho mais novo. Você já é da família, por isso que eu me preocupo quando você demora a chegar em casa.
- Que lindo, Vini – eu fiquei até me sentindo a última bolacha do pacote. – Não sabia que eu era tão importante assim pra você.
- Claro que é... Fui com a sua cara desde o primeiro dia em que te vi. Vou te considerar meu amigo para sempre e espero que você também me considere da mesma forma.
- Lógico que sim! Você é demais – eu sorri. – Em todos os sentidos.
Ele sorriu e entendeu a minha brincadeira, que de brincadeira não tinha nada. Ele era demais mesmo. Como amigo, como irmão, como ser humano e como homem. Uma das melhores pessoas que eu conhecia na face da Terra.
- Mas então, eu comecei a namorar sim. E ela é linda demais, cara... Logo, logo eu vou te apresentar!
- Hum, e como se chama a sortuda?
- Bruna.
- Bruna? – eu não acreditei.
- Por que fez essa cara? Não gosta desse nome?
- Não, não gosto. Na verdade, eu odeio. Caiu no meu conceito totalmente.
- Nossa, mas por quê?
- Meu ex-namorado se chama Bruno, o infeliz que quase acabou com a minha vida...
- E só por isso você não gosta do nome? Pois da ,minha Bruninha você vai gostar. Ela é show de bola... Uma deusa!
- Na boa? Não vou achar ela uma deusa, mas tudo bem. Se você fala, eu acredito.
- Linda, gostosa, cheirosa, gente boa, amiga, sincera, fiel... Ela é sensacional. Eu estou muito apaixonado.
- Que bom, eu fico muito feliz por você!
- Obrigado, parceiro. Ontem eu conheci os meus sogros, meus cunhados... Amei todo mundo. Achei a mulher da minha vida, sem sombra de dúvidas.
- Está com ela há quanto tempo?
- De namoro, namoro mesmo, a gente têm 2 meses. Mas de ficadas uns 5.
- Ah, safado. Agora eu entendi porque você e eu...
- Fica quieto, seu doido! Quer que alguém fique sabendo?
- Claro que não...
- Então fica quieto, porra!!! – ele deu risada.
O Vini era demais mesmo. Até na hora de dar bronca ele era legal comigo.
- Nâo está mais aqui quem falou.
- Que bom, mas é por isso mesmo. Agora eu tenho com quem me divertir, né?
- Que pena. Me senti usado agora.
- Não se sinta assim, hein? Foi bom, mas já passou. Foi só um experimento.
- E você ainda fala para eu não me sentir usado?
- Não, não nesse sentido. Ah, você entendeu, fedelho.
- Fedelho é o caralho!
- Meu caralho não é fedelho – ele falou baixinho e eu mordi meus lábios.
- Já sinto saudade dele, sabia?
- É? Que peninha, porque você não vai ver mais...
- Nunca diga nunca.
- Enquanto eu estiver com a Bruna, você não vai ver, não vai tocar, não vai sentir...
- Que dó e que inveja dessa Bruna...
- Tenho certeza que você arruma outro. Ou outros – ele riu.
- Mas nenhum tão bom quanto o seu.
- Vamos mudar de assunto? Você não tem que trabalhar não?
- Puta, esqueci da hora! Me atrasei bonito e hoje é meu primeiro dia ainda...
- Ih, se fodeu!
- A culpa é toda sua!
- Minha? Quem ficou puxando assunto foi você. E ainda por cima ficou excitado? Aí não dá, hein?
- Como quer que eu não fique depois desse assunto? Impossível não ficar, meu filho.
- Só não vai bater uma pensando em mim, hein?
- Até parece que não, claro que vou!
- Que nojo, meu...
- Você que provocou. Agora aguenta. Abraço, até mais tarde.
- Juízo!
Quando eu passei pela sala, o Víctor não estava mais no sofá. provavelmente já tinha ido para a inha cama. Eu estava decidido a conversar com ele quando chegasse do trabalho, aquela cantada no Vinícius não ia ficar barato.

- Oi, Caio – a Eduarda me recepcionou com um sorriso. – Que bom vê-lo.
- Tudo bem, Eduarda?
- Bem sim e você?
- Muito bem também.
- Querido, que bom que você chegou. Eu estava tentando te localizar desde sexta.
- O que houve? Algum problema?
- Não é um problema em si. É uma novidade.
- E qual seria?
- Eu sei que falei que você iria começar hoje, mas infelizmente não será possível...
Meu coração disparou e minha cabeça ficou doendo. Será que eles não iam mais me contratar?
- Por que? – quis saber.
- Porque o treinamento começa na verdade na outra segunda-feira e não hoje.
- Treinamento? E eu vou ter treinamento?
- De 21 dias – ela sorriu. – Você tem que aprender a política da empresa, os nossos procedimentos... Precisa aprender a mexer no sistema da loja... Tudo isso requer tempo, Caio.
- Não sabia que tinha treinamento. É que na minha outra empresa não tive treinamento. Só uma semana de convívio para aprender a rotina da loja e tudo mais.
- Pois é, menino, mas aqui tem sim. Você precisa aprender os procedimentos, senão não rola... – ela riu.
- Ah, entendi. Tudo bem então, não tem problema.
- Mas tem um porém nessa história, Caio.
- E o que seria?
- O treinamento é na matriz da empresa.
- Sim? – e o que tinha de errado nisso.
- É porque o treinamento é realizado pela parte de Recursos Humanos e nós não encontramos ninguém para vir até o Rio treinar nossa nova equipe.
- Como assim? – eu não estava entendendo nada.
- O que eu quero dizer é que a matriz fica lá em São Paulo...
- Em São Paulo?
- Sim. Você teria disponibilidade para viajar até lá para a realização do treinamento???
- E quantos dias são mesmo? – eu perguntei.
- 21 dias.
- 21 dias?
- Sim. Você não pode ir?
- É realmente necessário, Eduarda?
Eu não queria voltar a Sampa, não naquele momento...
- Sim, Caio. Eu não posso te admitir sem que você passe por esse treinamento e como te disse, não foi possível trazer a equipe que ministra o treinamento até o Rio.
- Quando eu tenho que ir?
- No domingo.
Eu suspirei profundamente. Fiquei literalmente entre a cruz e a espada.
Não é que eu não quisesse viajar, o meu medo era encontrar alguém conhecido...
Tudo bem que São Paulo é gigante, mas já diz aquele velho e conhecido ditado que "o mundo é pequeno"...
E se eu fosse e encontrasse algum conhecido? Como seria a minha reação? E se eu encontrasse minha mãe? O que será que ela ia falar?
Ou o Cauã? Como seria a sua reação? E se... e se eu encontrasse meu pai? Será que ele ia aproveitar a oportunidade para me surrar novamente???

BrunoOnde histórias criam vida. Descubra agora