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            As ruas eram paletas de cores enormes. Zoey ficava fascinada com isso embora as ruas de Lévis e as de Québec não tivessem diferenças em suas cores: o Canadá inteiro era a paleta do outono. É como se estivessem na mesma estação todos os dias e apenas o clima mudasse. Ou quase isso.

Ela estava a alguns minutos de casa após sair da loja de Kalhy e ter descido do ônibus para ir andando pelo restante do caminho, e Zoey encontrava a paz naquilo: caminhar pelas ruas, observando as casas organizadas em tons de marrom, vermelho-escuro, laranja e amarelo.

Era fim de tarde, onde o pôr-do-sol se espalhava pelas calçadas, pelas árvores como um manto alaranjado caloroso, convidando as pessoas a pararem e suspirarem por observarem o fim do dia como se aquilo fosse um fenômeno semelhante à chuva de cometas: a sensação única de ser tão pequenino num universo tão vasto e, talvez, infinito, mas que era capaz de contemplar e sentir-se grandioso por dentro como um gigante.

Porém, por toda a sensação bonita e tranquila que aquilo tudo transmitia, Zoey sabia muito bem que não eram capazes de compensar a dúvida que certas três pessoas causaram nela naquele dia. Benditas sejam aquelas três pessoas. Elas conseguiram causar angustia, curiosidade e medo como uma salada de frutas, mas o gosto não era saboroso na língua de Zoey. Eram amargas.

Ela pensou naquilo durante a viagem inteira até ali, virando a esquina e entrando na Père-Albanel, a rua onde ela se mudara com seus pais e Noah. Prédios aqui e ali de três andares de tijolos vermelho-marrom, árvores com copas tão altas que haviam mais sombras cobrindo a rua do que o sol e arbustos verdinhos decorando as calçadas.

Houve uma confusão e briga de decisões em Zoey se ela contava ou não pelo menos uma parte do que acontecera naquele dia aos seus pais e a Noah. Parecia óbvio: se ela estava os protegendo dos monstros e mantendo o segredo de que era uma Caçadora ilegal, não poderia contar uma sílaba sequer a eles. Mas isso sempre acontecia quando surgia um imprevisto, algo inesperado em relação aos monstros que matava. E da recompensa que recebia.

Sempre ao Zoey receber as recompensas, pequenas ou não, ela entregava uma certa quantidade aos seus pais e comprava algo para Noah. Embora negassem, ela fazia questão de dar a eles, ajudando-os nas despesas da casa. E quando perguntavam de onde ela tirava aquele dinheiro, ela dizia que era dos trabalhos temporários que arranjava.

Claro que aquilo não era verdade. E por esse mesmo motivo, por não serem verídicos, Zoey odiava mentir para eles. Ela sabia o que poderia acontecer se contasse de onde vinha o dinheiro e aquele dia só confirmou ainda mais caso ela abrisse a boca.

Ao se aproximar do prédio, o coração de Zoey acelerou. Seus pais começaram um novo trabalho em uma cafeteria em Saint-Roch – próximo ao centro de Québec -, então não estariam em casa. Noah, bom, talvez, pois antes de Zoey sair de casa dizendo que conheceria Québec, ele dissera que cuidaria das últimas papeladas de transferência às novas escolas que ambos começariam a frequentar no dia seguinte. E ela teria que não contar o ocorrido a nenhum deles. De novo.

Zoey abriu a porta do pequeno hall de entrada do prédio, dando a visão a recepção composta por madeira lisa e brilhante e silenciosa quando entrou. Orla, a recepcionista do apartamento, não estava lá e as poltronas escuras fofinhas estavam vazias. Zoey suspirou em alivio. Quanto menos pessoas para encarar e para desconfiarem de seu flagra, melhor.

Ela subiu correndo as escadas, chegando no terceiro andar, onde havia duas portas. Ela abriu a do número 221b e adentrou em casa.

Por seus pais perderem ambos os empregos em Lévis, eles tiveram que se mudar para um lugar menor comparado à casa em que moravam antes. Aquele apartamento consistia em mobília simples e modesta, uma salinha ali com um sofá, estante e televisão, uma cozinha aqui, um estreito corredor com banheiro e mais duas portas, o quarto de Noah e de seus pais. E, para sorte ou qualquer coisa relacionada a isso, havia um sótão por estarem no terceiro andar e lá era o quarto de Zoey.

Flower boys, thorn girls #1 [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora