Victória

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Bom dia, Cidade do Éden. É sexta-feira, dia seis de setembro. Façam suas homenagens à data nessa sexta quente, mas com responsabilidade, hein? – Brincou o radialista. O som ecoava da cozinha de um rádio retangular com antena erguida, que rivalizava com batida após batida de gavetas de uma cômoda. – Por falar em temperatura, os meteorologistas avisam que não teremos alívio do calor. Pelos próximos dias há expectativa de recorde. São dez horas da manhã e já está fazendo trinta e nove graus. Se hidratem e usem roupas leves. Hoje o ar condicionado é nosso melhor amigo...

– Aquela vadia... – Sussurrou entre dentes para o quarto vazio batendo a última gaveta e deitando de costas para o chão. Lá no alto um ventilador rodava no pequeno quarto, nem as hélices frenéticas e barulhentas, nem a janela aberta e nem a pouca roupa que vestia conseguia afastar o calor... O calor que nunca acabava no Éden. Ela se sentia febril, por fora e... Por dentro, mas agora frustrada por não encontrar o objeto que buscava, seu tesão diminuiu. As paredes do quarto eram repletas de quadros religiosos, cruzes e imagens. Para qualquer canto para onde olhasse, podia ver algum artefato relacionado a fé da irmã. Levantou-se de um salto e saiu, ainda irritada. – Santa do pau oco.

O apartamento de três cômodos tinha dois quartos e uma pequena sala que era dividida com a cozinha. Da sala uma porta aberta dava acesso a uma pequena varanda com vista para a rua, ela saiu para se refrescar sem se importar com o que vestia. Seus pés estavam descalços, usava uma calcinha branca e uma regata da mesma cor sem sutiã, e mesmo assim o calor não passava.

Era um dia bonito para quem curtia aquele clima, o céu era de um azul limpo e contínuo sem nuvem alguma, a única diferença na hegemonia do azul era o amarelo do sol. O sol brilhava como nunca, queimava como sempre. O resto do planeta parecia um pouco mais distante dele do que a Cidade do Éden, as temperaturas só baixavam no inverno e mesmo assim ainda era quente. Quente como o pecado, como dizia sua irmã. A cidade toda queimava, como se estivesse pegando fogo, era fácil ver o mormaço subindo do asfalto.

Pensou em fumar um cigarro, mas prometera pra si mesma e para a irmã que não faria mais aquilo. Detestava não ter o que fazer e detestava ainda mais o fato de ter acordado cedo no domingo. Eram dez da manhã, mas seu turno havia se encerrado oito horas antes no cinema. A irmã ainda estava em sua missa dominical, provavelmente voltaria de tarde. Para ela era irritante que pegassem suas coisas, e tinha certeza que deixara sua caixa de prazeres dentro de seu guarda-roupa. Decidiu não pensar nisso por ora, não adiantaria, procurou no quarto todo da irmã e não conseguiu achar.

Sentia o ar quente que parecia surgir a partir de cada um que passava na rua logo abaixo, podia quase ver os paralelepípedos queimando debaixo dos pés lentos, apressados, parados... Cada canto do Éden parecia ferver. Pessoas brancas se avermelhavam diariamente independente do fator de seu protetor solar, a enorme estrela amarela superava qualquer artifício, talvez fosse esse o motivo do Éden ter mais negros do que brancos, pensou ela levando dois dedos a boca como se estivessem segurando um cigarro. Era sua forma de controlar o vício, feche os olhos e imagine, Victória. Era o seu mantra para a maior parte das coisas das quais ela tinha algum tipo de privação.

Pensamentos febris que em nada lhe ajudavam, se a cidade tinha trinta e nove, seu corpo estava a mais de quarenta graus. Percebeu o suor escorrendo por sua pele cor de caramelo, notou também que sua regata ensopada já revelava mamilos rígidos, esse era o sinal de todas as manhãs para o primeiro dos três banhos que ela tomava. Era o banho a única maneira de se refrescar naquele lugar, apenas o chuveiro despejando a água fria.

Voltou para o interior do apartamento se livrando da regata suada, descendo a calcinha e deixando pelo caminho, formando um pequeno rastro de onde ela partiu até onde ela chegaria. Atravessou a sala com passadas constantes, adorava o silêncio do lugar sendo quebrado apenas pelo tic-tac do relógio da cozinha, pela rotação frenética dos ventiladores da casa e pelo 'Fruto Proibido', seu programa favorito nos dias em que acordava contrariada. Entrou no banheiro que do chão a metade da parede era de azulejos negros, enquanto a outra metade era coberta por azulejos brancos. Se dirigiu ao pequeno Box no canto esquerdo, entrou puxou a porta de vidro e se posicionou debaixo dos furos do chuveiro, sentiu uma gota cair em sua testa enquanto olhava para cima e teve a sensação de senti-la evaporar quando entrou em contato com sua pele. Abriu o chuveiro, de olhos fechados, sentia a água cair sobre ela, escorrendo pelo seu corpo, aliviou a tensão do pescoço, massageava-o com uma das mãos. Sorria com as sensações que aquilo que provocava. Aquele choque térmico matutino para acalmar seus desejos perversos, suas excitações completamente sem explicação advindas de qualquer sonho do qual, na maioria, das vezes ela nem se lembrava mais. Relaxou mais um pouco deixando a água cair em sua nuca, escorrer pelas suas costas, provocando-lhe arrepios.

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