João

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Mais uma semana se passou no Éden. Fora do que era esperado, a chuva, que nem foi tanta, deu uma trégua para os moradores do paraíso. O tempo ficou mais fresco, sem o costumeiro mormaço que dava a impressão de derreter o asfalto e as pessoas. O sol, não brilhava naquele dia, estava recluso e escondido atrás das nuvens. Até o sol se retirava ás vezes, sabendo que seu brilho intenso não era importante o tempo todo.

João, assim como o "astro rei", também entendeu que não era necessário naquela semana. Se isolou dos amigos, das atividades que fazia e até mesmo de sua mãe, que por alguns dias fez as refeições como se estivesse sozinha em casa. Ele também fazia as mesmas refeições, com a mesma solidão, a diferença é que para ele todo o mundo cabia em seu quarto. Nada além da porta de seu quarto lhe importava naqueles dias.

Henry diversas vezes foi a procura dele, seja por ligações ou até mesmo em presença física, mas ele não o atendeu. Pensava em tudo e ao mesmo tempo em nada, sobre as coisas que tinham acontecido, sobre as oportunidades que havia perdido, sobre os erros que cometeu e as mudanças de pensamento e sentimento pelas quais passava. O tempo talvez fosse bom para ele, assim como Jéssica falou, João enfrentava coisas que tentava esconder. Dentre essas coisas, estava o pensamento dividido entre duas pessoas, Jéssica e Victória. Não sabia com exatidão o que sentia pela cunhada, mas sabia que era algo maior e um pouco mais forte do que simplesmente atração. Nada relacionado às pessoas era simples...

Bateu na porta do quarto da mãe, para avisar de sua saída, mas não obteve resposta. Entrou, mesmo sabendo que a mãe estava dormindo, os hábitos noturnos dela a obrigava a dormir boa parte do dia. Deu-lhe um beijo na testa e voltou por onde tinha acabado de entrar.

Antes de sair tomou um banho, mesmo sem ânimo, e comeu, mesmo sem estar com fome. Não era surpresa, mas era a primeira vez na qual seu psicológico ficou afetado por questões sentimentais. Sentia-se ansioso quase o tempo todo, imaginando situações e diálogos que, muito provavelmente, não aconteceriam.

Na semana que se passou, ele e Jéssica não trocaram uma mensagem sequer, mas ele aguardou. Esteve alerta a todo momento, mas a mensagem tão esperada não havia chegado. Apesar de toda a confusão na qual se encontrava, tinha se acostumado com a companhia de Jéssica ao longo dos dias. Aquele era o maior período que não se falavam desde o início de seu namoro. Ela fazia parte de sua rotina do bom dia até o boa noite, às vezes boa madrugada.

João saiu, sendo atingido quase que de imediato pelo vento que carregava folhas e papel. Era um ótimo dia para caminhar, sem o costumeiro calor que já era quase parte da cidade. Mas nem a falta do mormaço o animou.

Havia um ar melancólico pelas ruas do Éden, ele pôde notar. Faltava pouco para o natal, mas ninguém parecia estar animado com isso. As casas já não estavam tão cintilantes quanto antes, aqui e ali ainda era possível ver alguma casa ou comércio com enfeites e luzes natalinas, mas não era como antes. Nada parecia grandioso, nem mesmo a decoração da grande árvore no centro da cidade.

Percorreu todo o caminho para o apartamento de Jéssica a pé, mas nem sequer notou ou viu o tempo passar. Pensava em tudo e em nada ao mesmo tempo. Lembranças iam e voltavam em sua mente, se viu sorrindo quando reviu em sua memória o dia no qual conheceu Jéssica. Foi em uma manhã chuvosa, dois anos antes. João acostumado com as regras, horários e pessoas de outra escola, havia sido transferido para a escola e sala onde Jéssica estudava. Se atrasou com a demora do ônibus e a falta de afinidade com o caminho. Quando chegou à sua sala, uma aula já havia começado e ele ensopado da cabeça aos pés encarava os colegas assustado por não conhecer um rosto sequer. O professor interrompido pela aparição abrupta na porta, lhe fez o sinal para entrar, se não fosse isso talvez tivesse demorado um pouco mais para se livrar daquela paralisia momentânea. O único lugar disponível para ele naquela manhã era encostado na parede duas ou três mesas atrás da primeira. Jéssica era a garota à sua esquerda, foi a primeira pessoa a sorrir para ele naquele lugar. Foi ela quem lhe emprestou o material para ele se atualizar com todas as aulas dos dois primeiros meses de ano letivo.

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