Victória

950 61 7
                                    

Mais um!

Mesmo com os olhos fechados sentia algo estranho no mundo lá fora. Parecia que tudo estava em movimento, temeu abrir os olhos, temeu se levantar, mesmo identificando a superfície macia de sua cama. Qualquer barulho que fosse independente do volume lhe doía a cabeça, como se fossem marteladas.

Mais um!

Abriu os olhos, sentia uma vertigem e uma dor de cabeça excruciante. A boca estava seca e o mundo realmente girava, girava ao som do ventilador que lá do alto a observava em seu giro interminável.

Mais um!

Sentou-se na cama implorando para que alguém desligasse a luz, mas constatou que luz alguma estava acesa, aquilo era o sol brilhando radiante em todo seu esplendor, queimando o Éden e consequentemente a cabeça dela, através da janela aberta.

– Puta que pariu. – Comentou com a mão na cabeça. Deu um passo para fora de sua cama e teve de se manter no mesmo lugar por alguns segundos, recuperando a confiança em andar sem cair, como uma criança.

Sentia-se desnorteada e no fundo culpada por alguma coisa que não sabia, ou não lembrava. Se dirigiu ao banheiro ainda com a mão na cabeça, dando passos cautelosos, suas pernas pareciam mais cansadas e pesadas a cada centímetro que andava. Bateu o ombro no batente ao entrar no banheiro, mas quase não sentiu, a cabeça lhe doía mais do que qualquer outra coisa.

Abriu o espelho do banheiro, ainda sem olhar sua imagem, pegou a cartela de analgesico e tomou dois, escovou os dentes para se livrar do gosto de álcool na boca. Notou, após guardar a cartela de remédios e sua escova, que seu cabelo estava mal arrumado, tinha a aparência de palha mesmo com os fios negros. Neste momento Victória tentou puxar de qualquer lugar de sua mente os acontecimentos da noite anterior, se concentrou apoiada na pia do banheiro encarando o ralo. Flashes apareceram em sua mente.

– Não vai entrar? – Se viu perguntando para João. Ao lado dele um jovem loiro, talvez da mesma idade que seu cunhado. Tinha um olhar confiante que a irritava. Em contrapartida, João parecia o inverso do menino que o acompanhava, sempre a olhava da mesma forma assustada, isso a divertia. Era o tipo de olhar que a atraía e excitava.

Se viu saindo do trabalho logo após ver João e lhe entregar dois ingressos para o filme, lembrou-se de ter trocado seu turno a pedido de um outro colega que gostaria de estar no cinema no horário de estreia do novo episódio de Star Wars. Ela detestava trabalhar de tarde, mas detestava mais ainda pessoas fantasiadas ou conversas sobre aquele filme.

Lembrou-se de pensar em combinar algo para aquela noite com alguns conhecidos, precisava extravasar, comemorar, esquecer... Mesmo que não tivesse algo que fosse motivo de tais atitudes, mesmo que quase não tivesse companhia. Há tempos não saía para curtir uma noite no Éden e a noite do Éden durava muito tempo sem perder a graça.

– Deve ser por isso... Mas o que foi que bebi? – Falou em voz alta sozinha se dirigindo à cozinha, tropeçou em um par de tênis no corredor, bateu duas vezes nas paredes, como se estivessem indo de encontro a ela e não o contrário, até chegar ao seu destino.

Mais um!

Se viu pousando um copo pequeno, após a bebida dele descer queimando por sua garganta. Limões e muito sal acompanhavam a bebida, depois desistiu dos copinhos, bebeu direto da garrafa, lembrava-se dos gritos a sua volta a cada copo que ela virava, mas não se lembrava de nenhum dos rostos ao seu redor.

– Tequila... – Constatou para si mesma em voz baixa, protegendo os olhos da claridade que chegava a sala do apartamento. – Tinha que ser tequila.

Cidade do ÉdenOnde histórias criam vida. Descubra agora