João

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Na TV, o maior clássico espanhol empatava em três a três. Partida corrida, disputada e repleta de chances para os dois lados, além dos gols. Este resultado levava aquele amistoso para a disputa de pênaltis. Era um dos muitos jogos com cara de final disputados por ele e Henry no chão da sala, enquanto secavam litros de refrigerantes e acabavam com um saco de salgados fritos e bem gordurosos.

Era a melhor forma, com a melhor companhia, de distrair a cabeça, acalmar os sentimentos e silenciar as confusões presentes na cabeça de João. Sentia o peso dela aumentar, tinha medo do pescoço ceder tamanha era a pressão. Se conseguissem abrir, como uma tampa, o topo de seu crânio, de dentro sairia conteúdo mais problemático e estrondoso do que o do interior da caixa de Pandora.

João contou a história inteira a Henry, minuto a minuto dos acontecimentos daquela tarde estranha. As lembranças eram doces, apimentadas e salgadas, deixavam um gosto desagradável na boca. Seu melhor amigo ouviu a tudo aquilo, permaneceu em silêncio e jogou as partidas de futebol. À certa altura, pausou sem aviso prévio.

– Eu tenho um caso. – Começou. – Um caso com uma mulher casada, mais velha e que por coincidência é minha professora, mas a sua história é de longe bem mais movimentada que a minha.

– Não é movimentada, é confusa... Toda e qualquer confusão, é uma droga. – Disse João. O corpo ainda estava dolorido em algumas partes, gostava daquilo e isso era errado em vários níveis. Tinha o mesmo sentimento de culpa de um traidor arrependido, ao mesmo tempo que se permitia apreciar a lembrança e querer mais, por estar solteiro.

– Você me conhece, sabe que não sou o mais ajuizado para aconselhar. – Henry se definiu. – Mas acho que o melhor a ser feito, é ter certeza sobre o que você sente e por quem, já que, aparentemente, você precisa disso.

– Como assim "já que você precisa?" – Perguntou João enfatizando as aspas.

– É nítido que você sente algo pelas duas, precisa saber o que é... Eu, por exemplo, não preciso definir nada... Eu e a professora transamos quando e onde a gente quer, sem envolver sentimento algum no meio. – Explicou Henry dando de ombros. – O que você sente por cada uma delas?

– Sinceramente? Não sei explicar. – Disse João se levantando. – O lance com a Jéssica é algo mais leve, traz paz. Victória me perturba, é algo mais carnal. Muito sexual.

– Se te perturba é porque de alguma forma mexe contigo. – Henry comentou. – Já tivemos essa conversa antes, em algum momento, e a teremos mais vezes caso você não consiga enfim entender o que sente por quem. Quer viver na dúvida e ficar sem qualquer uma das duas?

– Não... – João murmurou. Aquilo provavelmente já dava nos nervos de Henry. Era culpa de João que tivesse chegado tão longe, ele não podia ter alongado tanto a dúvida. Seu sentimento de culpa só aumentava.

– Então pare e pense. Não vai ser fácil, mas defina o que é, por qual delas e o quão forte é. Depois corra atrás. – Henry terminou despausando o jogo tão abruptamente quanto havia pausado. Em todos os anos de amizade dos dois esse foi o conselho mais sábio que João recebeu de Henry. Foi a fala mais lúcida até os tempos de hoje.

– Tenho muito que refletir. – Disse João, quase para si mesmo, com os olhos vidrados na TV e os dedos se movendo quase que automaticamente no Joystick. – Principalmente se é possível amar não uma, mas as duas...

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