Jéssica

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Estava de pé no vazio, não conseguia enxergar nada à frente, nem atrás, mas caminhava. Os pés estavam descalços, os passos incertos tocavam uma superfície úmida, e a cada toque no solo, círculos se criavam ao redor e iam crescendo lentamente, como quando pedras são jogadas para quicar e perturbar a calma de um lago...

Era tudo muito curioso, ela andava e procurava algo, mas nada via além do escuro, mesmo assim seguia andando, como se soubesse que algo bom aconteceria. A brisa era quente, batia em seu corpo nu e o completava, como se todo o calor daquele ambiente fosse causado por ela. Caminhar nua não a incomodava, pelo contrário, estava se sentindo como nunca havia se sentido antes. Era a própria Eva, mas sem o receio ou a vergonha, com toda a sensualidade e poder.

Andava em direção ao nada, vinda do nada e no meio de todo aquele nada uma música começou a tocar. Ela conhecia a letra, mas a melodia parecia alterada, era mais lenta, mais envolvente, mais sensual. Foi na direção do som, seguindo uma trilha de fumaça vermelha deixada no ar como um rastro. Ela nem sequer questionou o porquê de estar conseguindo enxergar música, apenas seguiu. Inicialmente a fumaça era opaca, em um vermelho fraco, foi se tornando mais espessa a cada passo que ela dava, até tudo ao seu redor se tingir de um escarlate vívido e a música a preenchia...

"O meu amor tem um jeito manso que é só seu. E que me deixa louca quando me beija a boca. A minha pele toda fica arrepiada. E me beija com calma e fundo. Até minh'alma se sentir beijada".

Estava completamente envolvida e para todos os lados que olhava só via a névoa vermelha, o solo estava mais quente, assim como a brisa, também mais úmido, agora ela sentia o pé inteiro molhado, não só a base. Ela parou e fechou os olhos, sentindo as sensações que seu corpo começava a ter, girou imaginando que aquilo poderia nunca acabar, enquanto a canção continuava.

"O meu amor tem um jeito manso que é só seu. Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos. Com tantos segredos lindos e indecentes. Depois brinca comigo, ri do meu umbigo. E me crava os dentes."

Sentiu seus pés se elevarem, quando abriu os olhos se viu no ar. Estava deitada, como se alguém a estivesse com ela pousada nas mãos, igual às pessoas nos shows de rock sendo passadas de mãos em mãos pela plateia.

"Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz. Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz."

Depois de imaginar as mãos, as sentiu passando pelo seu corpo, apertando seus seios, pegando em seu quadril, puxando seu cabelo... A masturbando... Olhou para baixo e a superfície úmida havia se tornado um rio... Percebeu que aquele rio, assim como o calor ao seu redor, também era por causa dela, se assustou ao ver o quão molhada estava e o quanto aquilo lhe escorria pernas abaixo até gotejar. Gostou daquilo depois de se acostumar.

"O meu amor tem um jeito manso que é só seu. Que me deixa maluca, quando me roça a nuca. E quase me machuca com a barba mal feita. E de pousar as coxas entre as minhas coxas. Quando ele se deita."

As mãos continuavam a lhe provocar, até afastar suas coxas, abrindo caminho... Ela sentiu quando aquilo, que ela ainda não sabia o que era, a penetrou, como um pau a penetraria. Ela gemeu e sentiu o aperto em seus seus seios, e uma mordida em seus lábios, e mais mãos pareciam surgir e acariciar seu corpo. Sentiu ser virada no ar, ser penetrada por trás, mas sem dor alguma, só sentia prazer. Tudo ali era prazer. Sentiu ser penetrada em sua vagina, enquanto recebia uma forte estocada atrás, sentiu sua boca ser ocupada, e ela chupava, como se fosse um pirulito, só que mais gostoso, mais quente e pulsante. Estava adorando toda aquela atenção, estava adorando aquela forma de sexo, todo o prazer e toda a experiência de múltiplas penetrações.

Acordou. Olhou ao redor e notou seu quarto, notou a luz e notou que aquilo tudo não passava de um sonho. Estava com calor, completamente ensopada de suor e sentia-se igualmente ensopada na calcinha. Respirava com dificuldade, como se tivesse acabado de fazer fisicamente, aquilo que só sua mente havia imaginado. Nos fones a música tocava no tom, no ritmo e na voz certa de sempre.

"O meu amor tem um jeito manso que é só seu. De me fazer rodeios, de me beijar os seios. Me beijar o ventre e me deixar em brasa. Desfruta do meu corpo como se o meu corpo. Fosse a sua casa."

Nunca tinha sonhado com as músicas que estava ouvindo enquanto dormia, ou não se lembrava depois de acordar.

"Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz."

Tirou os fones dos ouvidos e os jogou de lado. Ali ficou deitada e ofegante, encarando o teto. Dessa vez não passou vontade, nem contrariou sua ideia inicial. Chamou João.

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