Passava das vinte e duas horas, bilheteria tão vazia quanto as salas. Ela estava sentada atrás do vidro em uma cadeira confortável ouvindo música a fim de matar o tempo, o trabalho às vezes irritava e ás vezes nem isso conseguia causar-lhe, naquela segunda-feira, estava um tédio. Ao menos seu turno acabaria no horário certo e ela poderia voltar mais cedo para casa.
Sua playlist passava por sertanejo, rock, rap, ela sempre foi eclética sobre tudo, mas o que predominava na lista era o funk. Por vezes se flagrava batucando na bancada à sua frente no mesmo ritmo das batidas que, de tão altas, quase estouravam seu tímpano da orelha direita. Os patrões nunca reclamaram de ela ouvir música enquanto estava na bilheteria, desde que mantivesse o fone em uma única orelha quando tudo estivesse vazio e retirasse o mesmo quando alguém se aproximasse em direção ao seu guichê.
Ela era a única que estava com seu guichê funcionando. Ás vezes saía por se sentir sufocada dentro daquele espaço atrás de um vidro. ouvindo a voz do cliente por um falante que deixa a voz de qualquer um muito robótica. Aquela noite ela se manteve em seu posto, até algo quebrar o seu tédio.
– Victória. – Elias chamou pelo rádio. O susto que ela tomou evidenciava que naquele momento ela estava distraída, quase sonolenta. 'Só mais duas horas' disse para si mesma em pensamento.
– Fala, Gago. – Respondeu ao chamado retirando o fone do ouvido para escutar melhor. Era animador ouvir a voz de alguém.
– Me de-deparei com uma si-si-situação, estranha. – Elias jurava que não era gago, mas sempre gaguejava mesmo que por um período pequeno todos os dias. – Vo-você pode vir aqui na sa-sala três?
– Se for pipoca ou refrigerante no chão, esquece. – Falou e soltou o botão para que o colega falasse o motivo pelo qual a queria na sala três. Victória nunca chamava ou se referia a Elias pelo nome dele. Sempre teve muitos apelidos criados especialmente para ele, gago era o que ela mais usava.
– Nã-Não é isso. – Respondeu João, mesmo sem saber o motivo ela sabia que algo estava acontecendo. Sabia ouvir as entrelinhas de Elias. Comemorou aquilo, mesmo sem saber o ocorrido.
– Estou indo. – Retirou o fone do colo e o colocou em cima do guichê, guardou o celular no bolso de trás da calça azul escuro e saiu. Pelo caminho foi imaginando o que poderia estar acontecendo na sala três àquela hora. O filme em cartaz era sobre um mundo animado com pôneis e fadas (ou algo semelhante a isso). Quando passava das dezenove horas eram poucas as crianças que iam ao cinema. Se bem recordava ela vendeu dois bilhetes para o filme, para um casal esquisito que evitava lhe olhar nos olhos, depois deles mais nenhum ingresso vendido. Segunda-feira era o dia mais barato, mas tinha pouca circulação.
Victória se encontrou com Elias na porta da sala três, ele estava perto de um dos latões de lixo olhando para frente, onde estava os pôsteres de filmes a serem lançados logo, fixamente. Estava tão distraído que não percebeu a chegada dela.
– E aí, qual o problema? – Elias se sobressaltou. Seus olhos verdes com sardas marrons em volta tinham sempre a aparência de alguém com medo. 'Uma presa indefesa' pensou Victória, ela adorava aquela expressão em qualquer homem que fosse, lhe dava a sensação de poder. Sentia-se como uma leoa. – Fala sem gaguejar e rápido, porque tenho que voltar lá pra frente.
– E-entre e ve-ve-veja você mesma. – Disse com um tom misterioso contornado de medo. Victória temeu que alguma coisa realmente séria tivesse acontecido lá dentro. Esse pensamento a fez ficar receosa, pensou duas vezes antes de abaixar a barra anti-pânico, empurrar a porta e entrar na sala.
Elias ficou na porta da sala, com o olhar amedrontado de sempre. Victória esperava ver algo macabro, mas o que viu foi apenas incomum. Subiu pela rampa de acesso à sala, na tela os pôneis dançavam e cantavam alguma canção. Quando atingiu o topo da rampa, olhou para os assentos, havia uma infinidade de cadeiras vazias e apenas uma ocupada. O fato incomum é que duas pessoas ocupavam a mesma cadeira, semi despidas, sem se importar para o local ou para o filme.
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Cidade do Éden
Romance*Romance Erótico* No livro um de Cidade do Éden: Jéssica tenta se descobrir e se libertar, Victória só quer saciar seu desejo e se divertir e João ficará dividido entre as duas irmãs nesse triângulo amoroso quente. A temperatura nunca esteve tão al...