Eu Fui Feita Para Você

Capítulo 3

Callie

São quase três horas da manhã quando finalmente ouço Penny entrar no apartamento em que moramos em Nova York. Passei a noite toda acordada esperando ela chegar para que enfim possamos conversar.

Ela para por um momento na porta surpresa por me ver sentada no sofá à sua espera.

– Oi. – digo olhando seriamente para ela.

– Oi. – Ela tenta sorrir. – Você não deveria estar dormindo?

– Sim. Deveria. Mas fiquei te esperando para que possamos ter uma conversa que já vem sendo adiada há dias – tento ser o mais firme possível nas minhas palavras.

– Callie – ela fala enquanto fecha a porta –, podemos conversar outra hora? Eu estou exaus...

– Não, Penny. Nós vamos conversar agora. Há dias estou dizendo a você que precisamos conversar sobre algo e você vem me ignorando deliberadamente. Mas para mim já chega – levanto do sofá para que ela entenda que estou falando sério.

Ela tenta passar por mim em direção ao quarto, mas eu a detenho.

– Callie, está de madrugada. Não é hora para conversar. Tive um plantão exaustivo. Vamos conversar amanhã quando estivermos mais descansadas. – Ela se aproxima e tenta tocar o meu rosto, mas eu me afasto.

– E aí, o quê? Qual vai ser a desculpa que você vai inventar amanhã? Eu também sou cirurgiã, Penny. Eu conheço intimamente a rotina de um cirurgião e eu sei o que é ter um plantão exaustivo. Eu estive no hospital hoje, sei em quais cirurgias você entrou e sei que você não estava de plantão até agora. Então, por favor, para de tentar me enrolar. – Ela percebe que estou nervosa e se afasta indo para o outro lado da sala.

Observo-a por um momento. Ela parece estar pensando no que dizer, talvez esteja tentando ganhar tempo para inventar outra desculpa esfarrapada qualquer.

Depois de alguns minutos ela senta e, finalmente olha para mim.

– Ok, Callie. Vamos conversar. – estranhamente não me sinto aliviada por ela, enfim, nos conceder a chance de resolver as coisas entre nós. – Mas... – ela para de repente.

Parece com medo.

– Mas...? – incentivo-a a continuar.

– Quero que me ouça e não me interrompa até que eu termine de falar, ok?! – seu olhar é de insegurança.

– Tudo bem! – Sento-me na poltrona diante dela, no lado oposto da sala e espero.

Ela parece ter vários momentos de indecisão antes de decidir começar a falar.

– Callie, eu... eu amo você. Amei você desde o momento em que te conheci. Mas, eu sinto que as coisas mudaram entre nós. Eu mudei. E eu sinto que estamos vivendo momentos diferentes. Você já tem sua carreira consolidada e eu estou apenas começando a construir a minha...

– Vá direto ao ponto, Penny – perco a paciência.

– Combinamos que seria sem interrupções! – ela rebate. – Você insistiu tanto em conversar. Tenho algo a dizer e agora você vai me ouvir.

Sua pequena explosão me pega de surpresa.

– Você acha que eu não percebi que você não está feliz? – Ela começa a lutar contra as lágrimas. – Você acha que eu não percebo que a Sofia também não está feliz? Que ela liga para a Arizona todos os dias pedindo que ela venha visitá-la? Porque você acha que eu passo tanto tempo no hospital? – ela não consegue mais controlar as lágrimas e, então percebo que eu também estou chorando. – Porque eu também não estou feliz com essa situação, Callie.

– Penny...

– Não! Deixa eu terminar. Eu tenho algo para contar... – ela fala fazendo gesto com a mão para que eu pare de falar.

Deixo que ela continue.

– Eu conheci alguém. E, não. Eu não trai você. – aquilo me pegou de surpresa! – Antes que você diga alguma coisa, entenda que nunca aconteceu nada fora dos limites da amizade. – ela fala com firmeza. Eu me afundo mais na poltrona e olho fixamente para ela. – Mas, há um sentimento. Há dias venho pensando em como conversaria sobre isso com você e, diante da situação que estamos vivendo, eu sabia que, no momento em que eu te contasse, nós estaríamos acabadas – ela me olha nos olhos. – Eu amo você e eu sei que você me ama. Mas nós mudamos e esse amor já não é mais suficiente. E eu sei disso pelo simples fato de estar apaixonada por outra pessoa que não seja você – ela chora. – Eu estava evitando essa conversa porque eu não queria que o nosso relacionamento acabasse de qualquer jeito. Mas, no fim, eu percebo que ele já acabou faz tempo e nós continuamos aqui fingindo que ainda estávamos tentando para não magoarmos uma à outra. Mas, é exatamente isso que estamos fazendo, Callie. Nos magoando cada vez mais.

Eu levanto da poltrona e vou até onde Penny está, me ajoelho no chão ficando entre suas pernas e a abraço. Ela me abraça de volta e choramos juntas por um tempo.

– Eu vou voltar para Seattle – falei depois de um tempo.

Ela se solta do abraço para me encarar.

– O quê?

– Era isso que eu queria falar com você. Eu também amo você mas, também senti que o nosso relacionamento estava acabado. Então há alguns dias eu decidi voltar para Seattle – omito o fato de estar doente. – Eu queria ter conversado com você durante o processo de decisão, mas você estava fugindo de mim... – tento ser engraçada mas ela permanece séria.

– Isso tem algo a ver com a Arizona? – ela me pega de surpresa com essa pergunta.

– Sim e não – tento responder calmamente. Estamos indo tão bem, não quero terminar a conversa brigando. – Tem a ver com ela por causa da Sofia que pede pela mãe todos os dias.

– Fato! – ela ri.

– Mas, também tem a ver comigo. Todos os meus amigos estão lá. Eu sinto falta da vida que eu tinha lá. Sem contar que aquele hospital também é meu – lembro que eu fiquei com a parte do Mark nas ações do hospital por causa da Sofia. – A minha vida é lá, Penny.

Ela me lança um olhar triste e tenta sorrir.

– Tudo bem!

– Tudo bem mesmo? – pergunto olhando nos seus olhos.

– Sim. Tudo bem mesmo!

– Ok! – levanto e puxo-a pela mão. – Então agora chega de conversa e vamos dormir. Mas não pensa que a senhora vai escapar de me contar direitinho toda essa história de estar apaixonada, viu?!

Ela para de repente, me olhando assustada. Começo a rir e abraço.

– Ei, sua boba. Quem foi que disse que não podemos ser amigas, hein?! – ela me abraça de volta.

– Sério?

– Sério, sim! Agora vamos dormir.

Ela se prepara para dormir e deita ao meu lado na cama virando de costas para mim. Eu a abraço por traz e assim passamos a nossa última noite juntas. Me sinto aliviada que tudo tenha acabado bem com Penny.