Capítulo 10

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Callie

Ler a pesquisa sobre o tratamento que Amélia Shepherd me propôs foi extremamente difícil. Os riscos eram muito altos. Desde a perda da visão, da fala, da memória, da capacidade motora, até a possibilidade de não mais acordar caso algo saísse errado. Mas, de alguma forma, Amélia achava que conseguiria ressecar aquele tumor sem me deixar com sequelas. No entanto, o medo de dar errado, de não poder mais trabalhar naquilo que amo é paralisante.

Desejei, pela milhonésima vez, que Mark estivesse aqui para me dizer o que fazer... No entanto, ele não estava, então decidi ligar para Addison. Ela é meio louca, mas é a melhor amiga que já tive depois do Mark.

No dia seguinte ela já estava em Seattle. Não foi fácil contar para ela tudo o que havia acontecido nos últimos meses e quando falei sobre o tratamento, ela me aconselhou a contar para os meus pais. Resisti bastante no início, mas logo ela conseguiu me convencer de que aquilo era o melhor a ser feito. Afinal, qualquer que fosse a minha decisão afetaria a vida de todos. Eu sabia que não conseguiria sozinha, então pedi que Addison fosse comigo à casa dos meus pais para me dar apoio quando eu fosse dar a notícia a eles.

Ela imediatamente aceitou.

Mudei de assunto quando ela tentou falar sobre contar para Arizona. Eu sabia que seria injusto que ela não soubesse, mas eu não queria que ela sentisse pena de mim.

Eu não suportaria.

* * *

Meus pais estavam radiantes com a nossa visita, principalmente por causa de Sofia. Minha mãe foi um pouco ríspida com Addison, no início, por achar que ela era minha namorada. Mas, mudou o seu comportamento quando tudo se esclareceu.

Foi doloroso contar para eles sobre a doença e sobre os riscos da cirurgia. Expliquei detalhadamente cada passo do tratamento e, assim como Amélia, Miranda e Addison, eles também queriam que eu tentasse. Prometi a eles que pensaria sobre o assunto, mas que ainda precisava de um pouco mais de tempo para decidir.

Fiquei surpresa com a compreensão que minha mãe demonstrou. Normalmente ela tentaria de todas as formas me convencer a concordar com ela. Me desfiz em lágrimas quando, pela primeira vez depois de muito tempo, senti seus braços em volta do meu corpo me apertando naquele abraço que eu tanto senti falta e que parecia colar todos os pedaços quebrados dentro de mim.

Mais tarde naquela noite, eu não estava conseguindo dormir. Estava sentada em dos banquinhos próximo ao balcão da cozinha da casa dos meus pais quando senti alguém se aproximar. Viro a cabeça para olhar quem é e vejo que meu pai está parado ali, me observando.

- Oi pai. - dou um sorriso fraco e aponto para o banco ao meu lado. Ele entende o recado e senta-se ali.

- O que está fazendo sentada aqui a essa hora da noite? Não devia estar descansando? - ele toca o meu rosto e coloca uma mecha de cabelo que caía sobre o meu rosto atrás da minha orelha.

- Estava com sede - aponto para o copo de água a minha frente. - e não estou conseguindo dormir...

- Eu também não consegui dormir. - ele vai até a geladeira e pega uma garrafa de vinho.

Desde quando eu era criança, meu pai tomava uma taça de vinho a noite quando não estava conseguindo dormir. Ele dizia que era melhor que qualquer remédio. Sorrio com a lembrança.

- Muitas emoções para um dia só, não é?! - digo olhando para as minhas mãos.

Ele serve duas taças de vinho e deposita uma à minha frente.

- Nada que se compare a tudo o que você vem enfrentando sozinha ultimamente. - sinto sua mão tocar o meu queixo forçando-me a olhá-lo nos olhos. - Porque você não veio antes, Calliope? Somos seus pais. Sua família. Nós te amamos e você não tem que passar por isso sozinha. Nós estaremos sempre ao seu lado, não importa qual seja a sua decisão. Nós estaremos lá com você, segurando a sua mão.

Lágrimas volumosas caem dos meus olhos. Era tão bom ter o apoio da minha família. Mas, eu ainda estava com muito medo.

Meu pai me abraça e só permite que eu me afaste quando já estou mais calma. Ele toma um pouco do vinho​ em sua taça e volta a me encarar.

- E a Arizona? - a pergunta me pega de surpresa.

- O que tem ela? - levo a taça aos meus lábios para ganhar tempo.

- Contou para ela?

- Não. E não pretendo contar. - uso o tom mais firme que consigo na tentativa de deixar claro que esse assunto não está em discussão. Mas, claro, ele ignora isso.

- E porque não? - ajusto minha posição no banquinho sabendo que ele não iria desistir de conversar sobre isso. Resolvi parar de resistir.

- Porque não acho justo com ela. Não quero que ela sinta pena de mim. Voltei para Seattle pensando em reconquistá-la para que eu pudesse passar os meus últimos meses de vida sendo feliz ao lado da mulher que eu amo - as lágrimas retornam aos meus olhos. - Mas quando cheguei, descobri que, depois de tanto tempo após do divórcio, ela estava finalmente tentando recomeçar a sua vida ao lado de outra pessoa. - Meu pai me ouvia atentamente, ele sabia que eu precisava desabafar. - Ela demorou muito tempo para superar a nossa história. Eu não posso fazer isso com ela de novo - concluo enxugando o meu rosto.

Ele fica calado por mais um tempo, depois toca a minha mão.

- E, caso decida pela cirurgia, como vai fazer para que ela não descubra? - sua voz é suave e compreensiva.

- Ainda não pensei nisso. Mas vou dar um jeito. - digo, sem muita convicção.

- Filha - ele agora segura minhas mãos entre as suas em sinal de apoio -, quando eu descobri que você estava namorando uma mulher, fui muito rude e desrespeitoso com você e com ela. E, mesmo eu merecendo muito, em nenhum momento Arizona foi grossa comigo ou devolveu na mesma moeda. Ela foi gentil, e me fez ver que o que importava era o amor de vocês duas, porque ela sabia o quanto a sua família era importante para você. Quando ela foi para a África, tive vontade de ir buscá-la pelos cabelos. Mas, não precisei fazer isso, porque ela voltou e aceitou as consequências das suas decisões. Quando ela descobriu que você estava grávida, passou por cima da sua decisão de não ter filhos. Ela aceitou o pai da criança convivendo com vocês o tempo todo, mesmo contra a sua vontade. Quando vocês sofreram o acidente de carro, ela ficou o tempo todo ao seu lado e ao lado da Sofia, fazendo tudo o que podia para que vocês duas ficassem bem. Quando perdeu a perna, ela lutou bravamente para se adaptar a um novo jeito de viver. Sabemos que, no decorrer disso tudo, ela cometeu alguns erros. Mas, você também cometeu e comete os seus erros. Todos nós. Somos humanos e imperfeitos. Mas, olhe tudo o que vocês duas enfrentaram juntas. Preste atenção e veja que, mesmo quando achou que não conseguiria, você encontrou forças para lutar pelo simples fato de estarem juntas. E, a única explicação para isso é que vocês se amam. E um amor como esse não acaba nunca. Não importa se vocês resolveram que seria melhor seguir caminhos diferentes, ou se estão com outras pessoas. Eu sei e você sabe que vocês duas ainda se amam. Não posso te dizer o que fazer, mas o meu conselho para você é: lute! Lute pela sua vida, pela mulher que você ama, pela família que vocês construíram juntas. Lute, Calliope. Apenas, lute!

Ao terminar de dizer isso, meu pai me abraça novamente, depois se levanta e sai, me deixando ali sozinha com suas palavras ecoando na minha cabeça. Eu sabia que agora é que eu não conseguiria dormir mesmo. Então, fui até a geladeira e me servi de mais uma taça de vinho. Eu ainda não estava fazendo tratamento nenhum, então não havia nada que me impedisse de beber um pouco.

Eu Fui Feita Para VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora