"00:36 - Primeira postagem em Blog da Frida - 26/10/2017.
Alessia Cara disse uma vez ( e se você não sabe quem é Alessia Cara só lhe restam duas opções:
1- apertar a música 1 na parte superior do blog;
2- fechar o blog, pois não me misturo com quem não conhece Alessia Cara -- Na verdade, eu não me misturo com ninguém, mas isso é conversa pra outra hora -- ) que ela gostaria de congelar o tempo aos seus dezessete anos. Querida Alessia, que bom que pra você essa idade caótica foi ótima (se bem que sendo uma cantora famosa não deve ter sido muito difícil) mas pra mim...é, você errou quanto a mim.
Hoje é meu aniversário. Estou fazendo 17 anos. E, porra (mamãe me mataria se me visse falando palavrão, mas esse é o meu blog, eu mando no meu blog. -- Brincadeira, mamãe --. ) eu já não aguento mais. Não que eu esteja ansiosa para os meus 18 também, afinal, sei que não muda muita coisa, mas ter dezessete anos só deve ser legal quando você:
1- mora na Capital;
2- tem amigos;
3- tem um namorado gostoso;
4- tem uma vida.
Porque quando você mora num buraco no meio da Califórnia, o qual possui 80 mil habitantes e se chama "Harvey", bom, a sua vida possui uma qualidade duvidosa e você acaba sozinha em uma padaria de esquina com um MacBook novinho em folha escrevendo pra um blog que sabe que ninguém vai ler. Exatamente como eu:
Frida. Não a Kahlo. E não em homenagem a ela. Meus pais me deram esse nome por conta de uma tia-avó que morreu antes mesmo de eu ser um feto formado. Morreu de overdose. E ela deve ter batido as botas sem pagar pelas coisas que fez, porque o karma voltou todo pra mim.
Então muito obrigada, tia Frida, pelos 17 anos que passei tendo que suportar minha própria existência.
Obrigada, papai, por ter tido uma tia-avó com um nome patético.
E obrigada, mamãe, por...
Bom, pelos 15 anos que você me cuidou sozinha.
E obrigada, a quem quer que seja que está lendo isso.
Boa noite, eu sou a Frida."Eu gostaria de dizer que passaria o resto dos meus dias em Harvey. Não que eu odeie a cidade, mas nada aqui me agrada. Quer dizer, já é meia noite e quarenta e cinco de uma sexta feira e a única coisa que Harvey pode me oferecer é uma rua escura, uma chuva leve, um céu muito azul e estrelado e um rastro de música eletrônica que deve estar tocando em alguma house party por aqui. Meus vizinhos gostam muito de dar festas. E enquanto eu volto pra casa puxando pela mão direita uma mochila azul de rodinhas e tentando ignorar a coceira que a franja mal cortada causa nos meus olhos, eu me lembro que já fui convidada a um número considerável dessas festas, até que os adolescentes da minha escola percebessem o quão chata e fora dos padrões eu sou.
E eles não estão tão errados em me odiar também, afinal, nem eu gosto tanto de mim, hoje em dia o amor próprio é algo tão superestimado que parece que todos nós, aberrações, somos obrigados a ter na mesma quantidade que as Alessias Cara da vida. Nós não somos.
E eu adoro a Alessia Cara, não há nada de errado com ela, mas...a Alessia Cara é perfeita.
E eu sou só uma pessoa chata pra caralho que tropeçou na poça d'água em frente a própria casa.— Droga, logo agora? - Reclamo enquanto percebo que ralei o joelho esquerdo e que uma das rodinhas da minha mochila acabou se soltando.
— Frida? - Minha mãe abre a porta de madeira enquanto uma de suas mãos está no bolso do roupão. — Está tudo bem, querida? Onde você estava?Eu quase sinto pena da minha mãe.
Olhando-a daqui debaixo (da calçada molhada, para ser mais específica), ela parece, ao mesmo tempo, tão triste e tão bela com seus cabelos pretos enrolados num coque e as olheiras roxas por conta das centenas de noites mal dormidas desse ano que eu tenho vontade de abraçá-la até o mundo acabar.— Estou bem, mãe. - Digo enquanto me levanto, batendo na saia de pregas que agora está imunda.
— Respondeu apenas uma das perguntas, Frida. - Ela tenta parecer rígida e irritada, mas me dá um sorriso terno logo depois.
— Fui a padaria comer um pedaço de bolo de nozes. É meu aniversário, mãe.Eu entro em casa e ela fecha a porta atras de mim, logo o cheiro de lar me invade. Baunilha, flores, capim cidreira, chá de hortelã. Minha casa tem cheiro de tudo, minha casa tem cheiro de mãe.
— O que você fez hoje, além de comer bolo? - Minha mãe se senta na escada e me assiste tirar o all star molhado.
— Fui a aula.
— E depois?
— Fui comer bolo.
— Frida, há uma diferença de 8 horas entre o horário que você sai da escola e agora.
— Ah, eu tive um imprevisto.
— Imprevisto? - Ela ergue uma das sobrancelhas e eu tento ignorar o assunto subindo as escadas direto pro meu quarto, mas ela me segue.
— É, um trabalho em grupo.
— Em grupo? - Vejo seu rosto inteiro se iluminar e ela abre um sorriso.
— Não, mãe! Pare já aí! Não é bem assim. - Levanto a palma da mão.Tiro a blusa branca encharcada e paro em frente ao espelho. Ah, o meu reflexo...Sempre magra demais, branca demais, desproporcional demais.
Minha mãe se posiciona atras de mim e segura em meus ombros, apoiando a cabeça em um deles enquanto encara a imagem do espelho:— Frida, você precisa de amigos. Olhe pra você, meu pedacinho de céu... - Ela toca meus curtos cabelos tão pretos quanto os dela e me olha com ternura — Você é tão bonita, tão engraçada, tão cheia de vida, não pode se esconder do mundo dessa forma...
— Mãe, eu não estou me escondendo do mundo. Eu só não gosto muito dele.
— Me dói quando você fala assim - Sara Wolf, mais conhecida como minha mãe, se senta em minha cama de solteiro e coloca no rosto a expressão mais triste que já vi.
— Ah, não é bem assim. - Eu me ajoelho em sua frente. — Eu gosto do mundo. Do nosso - digo enquanto aponto para nós duas com meu indicador — mundo. Gosto das nossas panquecas com morango e mel, gosto dos dias que você chega cedo em casa e podemos ver filme, gosto de alisar seu cabelo e gosto de quando você tem tempo pra me retratar num daqueles seus desenhos maravilhosos. Isso aqui é o suficiente pra mim.
— Frida, eu não sou eterna. E você é filha única. Tem noção de que em seus 17 anos, você só trouxe UMA amiga pra casa? Isso ainda foi a uns dez anos atrás e ela era filha da vizinha...não era nem da sua escola!
— Mas é claro que eu trouxe a filha da vizinha! Assim ela poderia ir embora a hora que quisesse e não estaria fadada a passar mais de 24 horas comigo. - Reviro meus olhos.
— Está vendo? Você acha que as pessoas estão ao seu redor por obrigação e não por amor, Frida, isso não é justo com você! Você precisa se amar mais.
— Ah não, mãe. - Me levanto e entro no banheiro. — Esse assunto de novo não.
— Filh...
— Não, mãe! - Eu a interrompo e minha voz soa um pouco mais alta do que eu gostaria. — Hoje não. Talvez na sexta possamos falar sobre como eu preciso entender o quanto sou uma pessoa esplêndida mas será que hoje, quarta feira, 26 de outubro, eu posso só tomar meu banho quente e dormir? Tenho aula amanhã.
— Isso não te impediu de ficar até a uma da manhã na padaria da esquina.
— Pelo menos sou uma filha boa o suficiente pra não te preocupar, pelo menos você sabe que eu de fato estava em uma padaria. Viu, doutora Sara? Às vezes é bom eu ser só a Frida que não tem amigos.Fecho a porta do banheiro e ouço minha mãe inspirar, expirar e se levantar da minha cama de molas. Ela diz um "boa noite, feliz aniversário" com a voz baixa e eu agradeço antes de ligar o chuveiro e me deixar ser lavada pela mistura da água quente e das minhas lágrimas.
Não, eu não estou chorando porque me odeio ou porque acho que não há esperanças para mim no mundo. Estou chorando porque minha mãe merecia uma princesa extrovertida e simpática.
E tudo o que ela tem, tudo o que ela sempre terá, sou eu: Frida, a pessoa mais chata do mundo.
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FRIDA
ChickLitFrida tem 17 anos e jura que sua vida é um inferno (e de fato é), mas ela é preguiçosa demais pra mover um dedo sequer pra mudar isso. Não que ela seja má, ranzinza ou reclamona, ela só está bem em sua zona de conforto onde bolos de nozes, chás de h...