— Você tem certeza disso? - Minha mãe pergunta. — Quer dizer, ir lá é um grande passo.
— Não é um passo se não sei o caminho.
— E se eles realmente te quiserem como modelo?
— Não deve ser isso... - Eu a tranquilizo enquanto coloco o colete de veludo por cima da blusa preta. — Eu sou nova, não tenho experiência, a Dior é uma empresa muito grande. Deve ser algo sobre o blog...
— De qualquer forma, você sempre pode ignorar essas propostas. Sabe disso, não é?
— Você deveria me incentivar.
— E te incentivo, filha. Mas não quero que perca sua infância trabalhando.
— Mãe, eu não sou mais uma criança.
— Pra mim - Ela me dá um beijo na cabeça — Você sempre será uma criança.Sorrio e a abraço. Minha mãe não tem culpa das coisas que andam me confundindo, então resolvo pegar leve com ela.
— Maisie vem te buscar?
— Eu estava me perguntando se você pode me dar uma carona...
— O que aconteceu com Maisie?
— Acho que está ocupada hoje. Ela não me respondeu. - Minto.
— Sacramento é longe, Frida.
— Não se preocupe. - Dou de ombros. — Já faz um tempo que não ando de metrô.
— Quando foi que você se tornou tão dramática? - Ela sorri.
— Também queria saber. Bom trabalho.Minha mãe se retira do quarto e eu preparo uma bolsa com água e biscoito. O transporte público é sempre quente e cheio.
Meu celular toca.
Maisie.
Não atendo, apenas coloco o aparelho em modo avião e o jogo na bolsa.
O caminho até a Dior é longo, o que vai me dar tempo pra pensar e escrever no blog.
Duas coisas que não faço direito a muito tempo."16/11
Eu não sei se deveria falar dessas coisas no blog, afinal, seria quebra de expectativa contar sobre como as coisas caem no momento em que tudo parece estar bem.
Ou não caem, mas você sente como se estivesse desmoronando.
E nada, de fato, aconteceu.
Mas eu acho que me perdi.
E não sei se é certo tentar guia-los através do blog enquanto eu não consigo encontrar meu próprio caminho."Releio a publicação três vezes antes de postar, com medo do que ela pode significar.
Com medo do real motivo pelo qual a escrevi.
O metrô balança e uma moça tromba em mim, pedindo desculpas logo em seguida. Eu sorrio pra ela e volto minha atenção pra tela do celular aberta no blog. Resolvo deletar e começar novamente:"16/11
Aqui vai um conselho, caro seja lá quem for: não deposite expectativas em alguém. Mesmo que involuntariamente, mesmo que você não demonstre, mesmo que ache que não é nada...não faça isso.
Se você coloca suas expectativas e planos nas mãos de uma certa pessoa e ela resolve ir embora, tudo o que você tem vai com ela.
E você é deixada com confusões e cacos a serem limpos.
Não que eu tenha feito isso.
Só acho que deveria te alertar."— Droga, Frida, por que você não consegue escrever nada que preste?! - Brigo comigo mesma.
— É um bloqueio. - A menina que trombou em mim me dirige a palavra e eu me assusto.
— Me desculpe, não sabia que estava falando alto...Eu me encolho no assento do metrô , envergonhada.
— Não se preocupe. - Ela sorri. - Faço isso o tempo todo. Sou Gina.
— Frida. - Sorrio pra ela. Gina não parece muito mais velha do que eu, e tem cabelos escuros até a altura dos seios, que de tão pequenos quase não fazem volume na blusa cor de pêssego.
— Nome legal.
— Não precisa mentir. - Solto uma risada nasal.Gina está encarando sua calça jeans de barras dobradas e all star amarelado.
— O que é que você não está conseguindo escrever? - Ela estica os olhos até meu iPhone.
— Eu tenho um blog. - Solto a respiração como se tivesse acabado de contar um segredo de estado.
— Sobre o que?
— Acho que sobre mim. Nunca me perguntaram isso.
— Sobre você? Você é tão importante assim?
— Eu não sou ninguém, meu blog nem tem tantas visualizações assim...
— E o que vai fazer em Sacramento?
— Como?
— O metrô...vai pra Sacramento...
— Ah! Tenho uma entrevista de emprego.
— Sério? Onde?Gina é invasiva, não sei se gosto disso. Mas a franja sobre sua testa a torna um rosto amigável.
— Quantos anos você tem? - Pergunto, tentando fugir do assunto "sou uma modelo e estou indo considerar uma proposta da Dior".
— Dezoito. Você?
— Dezessete. As coisas mudam aos dezoito?
— Depende. Eu fugi de casa.Arregalo os olhos e me pergunto se é seguro pisar no território de Gina.
— Ah.
— Não estou muito longe de casa, quero dizer... Estou em Saint Harvey, meus pais estão em Sacramento.
— É por isso que está indo lá agora?
— Sim. Estamos tentando retomar o contato. - Ela dá de ombros, não parece incomodada em conversar sobre seus problemas familiares com uma estranha.
— Entendi. Também não falo com meu pai.
— O que ele fez?
— Nunca nos falamos, na verdade. Não me lembro dele.
— Você é que tem sorte.
— A estação está chegando...
— Você tem e-mail?
— Como?
— E-mail, aquela coisa antiga que ninguém usa mais.
— Tenho.
— É que eu não tenho celular. Nem amigas. Pode me passar o seu?Por dois segundos, me identifico com Gina.
— Que tal você me passar o seu? Eu anoto no celular e te mando uma mensagem lá depois.
— Ok. - Ela sorri e eu coloco o iPhone em sua mão, com o aplicativo de notas aberto. Ela anota seu e-mail.
— Gina Martinez.
— Eu mesma. - Ela sorri novamente.A voz robótica anuncia que chegamos à estação de Sacramento, e todos se levantam pra sair.
— Foi um prazer. - Digo. É isso que se diz a novas amigas?
Será que Gina e eu seremos amigas?
— Realmente foi.
Gina e eu seguimos em direções opostas quando saímos da estação. Eu em rumo à Dior, Gina em rumo à família desestruturada. Ambas com futuros incertos.
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FRIDA
ChickLitFrida tem 17 anos e jura que sua vida é um inferno (e de fato é), mas ela é preguiçosa demais pra mover um dedo sequer pra mudar isso. Não que ela seja má, ranzinza ou reclamona, ela só está bem em sua zona de conforto onde bolos de nozes, chás de h...