Capítulo Um

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Foto de Scarlett Johansson - Alicia Cardoso

Música: No - Meghan Trainor

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ALICIA

Estou puta da vida. Felipe teve a coragem de estacionar seu carro na minha vaga de novo. Já é a segunda vez nesse mês. Será que ele não sabe que a coisa mais fácil do mundo é arranjar uma demissão por justa causa para ele? Só quero ver o que ele vai fazer com a melosa da esposa e todos aqueles filhos dele.

Estaciono meu Civic numa vaga mais afastada e entro na fábrica. Sempre gostei do poder que eu exerço com um simples andar. É maravilhoso entrar em um lugar e as pessoas saírem da sua frente para que você possa passar. Ao longe Felipe me encara, pobre homem, sabe que hoje estará na minha mira.

Coloco meu crachá e pego minha prancheta para a ronda da manhã. Minha função na fábrica Manshur é uma das mais importantes, pois todos os tecidos devem passar por mim antes de irem para a distribuição. Um erro meu implica num erro da fábrica, o que pode ser desastroso, por isso, controlo os funcionários com mãos de ferro. Depois que Rodolfo Manshur faleceu, comecei a ser mais rígida com medo que o filho dele fizesse algo de errado e isso respingasse em mim ou na empresa. A fábrica de tecidos Manshur é a minha vida. Longe daqui sou só mais uma mulher que não conseguiu um marido.

Nunca entendi essa obsessão da sociedade por mulheres casadas e com filhos. Depois que aos 20 anos um ex-namorado me abandonou sozinha com um filho, recém descoberto, na barriga eu parei de acreditar do amor. Decidi fechar meu coração para qualquer sentimento, principalmente depois que o pai de Henrique, até então amor da minha vida, tomou meu filho de mim. Depois disso há 8 anos eu me dedico somente a empresa. Nada de romance. A sociedade enlouquece com mulheres como eu, pois é inadmissível que uma mulher decida não se casar. Ou pior, é completa e terminantemente inadmissível que uma mulher tenha casos com vários homem sem estar num relacionamento. Mas quer saber de uma coisa? Dane-se a sociedade! A vida é minha e vou vivê-la do modo que eu achar melhor.

Vou até o setor B, que é onde os tecidos já tomaram forma e são separados para os próximos setores de produção. Felipe me olha de canto e continua a separar os tecidos que vão para a pintura. Como eu desejo que ele cometa um erro nesse momento. Mas como isso não acontece eu vou para o próximo setor e sigo assim por toda manhã. Por volta do meio-dia, Evelyn, minha melhor amiga, aparece na fábrica para que possamos almoçar juntas.

– Você não está com uma cara muito boa – comenta quando entramos no Civic.

– Aquele merda pegou minha vaga novamente.

– Relaxa Ali, é só uma vaga.

– Ele é um dos melhores funcionários, se hoje eu deixa-lo tomar minha vaga amanhã pode ser meu cargo.

– Às vezes você é meio paranoica.

Evelyn ri e continua a dirigir até nosso restaurante favorito. Pedimos o de sempre e ela me conta sobre seu final de semana, já que não nos vemos desde quinta-feira. Conheço Evelyn desde os 21 anos e sei muito bem quando alguma coisa a está incomodando ou quando ela está mentindo. E nesse momento tenho a impressão que as duas coisas estão acontecendo.

– Quer me contar alguma coisa? – Corto uma frase sua e ela me encara assustada.

– Não – ela hesita. – Na verdade sim.

– Então, desembuche logo.

– Eu vi Henrique no domingo.

– O quê? Ele está de volta ao Brasil? Meu filho está com ele?

Corações ErradosOnde histórias criam vida. Descubra agora