Capítulo Quatro

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Foto de Tom Ellis - Henrique Gartner

Música Deliver - Fifth Harmony

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LEON

Chego num bar que vinha com os amigos da faculdade, antes de casar-me com Ana Beatriz. Peço uma dose do melhor uísque deles. Deus sabe quantas vezes estive a um fio de acabar tudo com Ana Beatriz, por culpa de sua família. Ana é mulher de berço, bem nascida e quando nos conhecemos eu era apenas filho de um homem em acensão. O tempo passou e minha família ficou mais rica que a de Ana, e só por isso Carolina deu sua benção ao nosso casamento. Mas ela jamais me suportou, pois segundo ela uma mulher de berço deveria casar-se com um homem de berço. Coisa que nunca fui.

Meu pai lutou com unhas e dentes para chegar onde chegou, sem atalho e sem pisar na cabeça de ninguém. Quando ele contou sobre sua ideia de largar o emprego e começar a própria fábrica para minha mãe, ela não pensou duas vezes e foi embora. Dizendo que meu pai estava fadado ao fracasso. Mas ele não estava, e é esse o fardo que tenho que carregar. Viver a sombra de um grande homem não é fácil. E talvez seja isso que Carolina vê em mim. Um menino tentando pisar nos mesmos passos de um homem.

Cansado de ser atormentado por esses pensamentos eu deixo a dose pela metade e decido voltar para casa. Como sempre o trânsito de São Paulo está um caos. Quando finalmente saio do fluxo de carros e pego a rua que leva até meu condomínio, dois cachorros passam correndo na frente do carro, tenho que frear bruscamente e esterçar o volante para não bater nos animais. E assim acabo batendo em um poste. Saio do carro para ver o estrago e desabo no chão. Ouço alguém correr em minha direção e no segundo seguinte tudo está escuro e calmo.

Quando abro os olhos estou em quarto de hospital. A enfermeira está mexendo no meu soro. Não sei no qual hospital estou, mas me parece ser um hospital público. No quarto comigo há mais um homem dormindo na cama do canto. A enfermeira só nota que acordei quando ameaço levantar-me.

- Não, senhor. O senhor deve se manter deitado.

- Não posso ficar aqui - tento explicar.

- Não só pode como vai. O senhor teve uma concussão e vai passar a noite em observação. Amanhã de manhã pode ir para onde quer que seja.

Eu vi em seu olhar que discutir seria inútil. Ela parecia saber exatamente como agir, como se lidasse com isso todos os dias. Depois que termina de arrumar o soro ela olha em uma prancheta.

- Vejo que não há nenhum número cadastrado. Gostaria de ligar para alguém? Talvez para a sua esposa? - ela aponta para a aliança em meu dedo.

- Não, estou bem assim - ela balança a cabeça e saiu do quarto.

Não vou avisar Ana Beatriz, ela quem quis me deixar sozinho, pelas paranoias de sua mãe. Estamos prestes a fazer dez anos de casados e ela ainda confia mais em Carolina do que em mim, que já fiz de tudo para provar meu amor. Sinceramente estou de saco cheio. Vejo meu celular tocar e no visor aparece seu nome. Penso duas vezes antes de atender.

- Onde você está? Está bem? Machucado? - ela descarrega uma par de perguntas assim que atendo.

- Estou bem, não se preocupe.

-Como não me preocupar? Acabaram de ligar do seguro dizendo que você bateu o carro.

- É verdade.

- Onde você está? Vou pra ai agora.

- Não Ana. Fique ai na sua mãe. Quando eu for para a casa conversamos.

- Mas querido...

- Até.

Eu odeio ser rude com ela. Mas Ana Beatriz não pode me tratar como um brinquedo dela. E quando eu chegar em casa vamos conversar seriamente. Eu a amo, mas nosso relacionamento está cada vez mais desgastado. Em boa parte por culpa de sua mãe, mas em parte por conta de minhas novas responsabilidades na fábrica. Finalizo esse pensamento e fecho os olhos para tentar dormir.

***

ALICIA

Acordo na manhã de domingo sem vontade alguma de me levantar, tenho folga hoje e isso é maravilhoso. Então, pego minhas coisas e marcho para o banheiro, mas paro no meio do caminho. Há barulho vindo da cozinha, poderia ser o gato... se eu tivesse um. Pego um abajur e me aproximo vagarosamente do cômodo. Vejo um homem abaixado próximo ao meu fogão, quando estou prestes a acertá-lo na cabeça, ele se vira.

- Mas que merda é essa? - ele grita.

- Eduardo? O que faz aqui? - pergunto confusa.

- Eu não fui para casa. Dormi no seu sofá e agora estou fazendo um café da manhã pra gente.

- Que susto você me deu. - assim que termino a frase nós dois estamos gargalhando - Pensei que fosse um ladrão.

- Ah claro, e ele ia correr de medo do seu abajur cor-de-rosa?! - ele aposta para o objeto em minha mão, rimos mais um pouco e eu vou para o banho.

Tomo um banho demorado, deixando a água escorrer pelo meu corpo durante longos minutos. Lavo meus longos cabelos louros, massageando bem. Como sempre, saio fazendo uma bagunça de água no banheiro. E quando estou prestes a sair só de toalha pela casa lembro-me de Eduardo. Quero cortar os laços sexuais com ele, e aparecer nua debaixo de uma toalha não vai ajudar. Então, corro para o quarto, onde visto uma camiseta rosa e um short. 

Vou para sala onde Eduardo está digitando mensagens no celular.  Ele fica visivelmente desconfortável quando eu entro na sala e guarda o aparelho. Edu começa a me contar que estava conversando com nossos amigos sobre o aniversário de Evelyn, que será em uma chácara não muito longe da cidade. O aniversário dela é de longe o mais animado dentro do nosso circulo de amigos, é o evento que todos se preparam o ano todo.

- Ah, e como você está?

- Hoje estou bem, mas ontem me senti horrível - sei que posso ser completamente sincera com ele - Me senti suja, como se eu não passasse de um trapo velho.

- Você não pode deixá-lo ter esse efeito sobre você. A Alícia forte e independente que eu conheci se transforma em uma garota assustada quando se trata de Henrique.

- Eu sei, e eu tento. Mas é tão difícil quando se trata da pessoa que levou embora um pedaço seu.

- Hey, vamos dar um jeito de reverter aquele contrato. 

Concordei com ele em todos os aspectos. Sempre me orgulhei da minha força e independência e não é Henrique que vai me tirar mais isso. E sei que já que a justiça dos homens não fez nada até agora, a justiça divina trará meu filho de volta. Eduardo conversa comigo por mais um tempo e depois diz que tem um compromisso. Nos despedimos com um abraço.

Quando ele sai eu pego um livro que eu já estou quase terminando. Preciso colocar a cabeça no lugar para não desmoronar na próxima vez que estiver cara a cara com Henrique ou qualquer outro homem que queira me fazer objeto dele, logo eu a dona da minha vida.

Corações ErradosOnde histórias criam vida. Descubra agora