I -Dave

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-Diremos que estão doentes.

-Como uma epidemia? –ela franziu as sobrancelhas e mordeu a tampa da caneta, encarando-o com seu característico olhar de incerteza. Ela não queria contrariá-lo, mas sabia que era uma péssima ideia.

-Sim, e qual o problema? Conheço seus olhares.

-Epidemia é uma palavra que gera pânico. Isso é a última coisa que queremos, certo?

-Então dizemos que é o resultado dos anos de cristal –ele voltou a sentar-se na cadeira gelada do castelo frio, apoiando o rosto nas mãos, cançado. -Qualquer coisa é melhor do que um assassinato em massa em prol da princesa da vida.

-Não é bem assassinato se todos concordam com a causa e voltam a viver. Mas, ok, eu entendi. Vou conversar com os outros.

-Obrigado –ele tentou sorrir, mas acabou perdido no olho prata da menina. Ela não incomodou-se e conseguiu sorrir para ele.

-Como está sua mãe?

Dave esfregou os olhos mais uma vez. Parecia que quanto mais ele dormia, mais cansado ficava. Recebia ordens constantes para que descançasse, mas sempre que pregava os olhos era atacado por pesadelos cruéis. As imagens mais horrendas de seu dia a dia eram repeditas incessantemente por seu cérebro, obrigando-o a acordar a cada dez minutos e ir checar a saúde de sua mãe. Maria Marim Fellows era a única habitante de Érestha que não fazia parte do reino oficialmente por nao ter legado nenhum. Dave insistia para que ela voltasse a São Paulo, mas a mulher recusava-se.

-Não vê que ela precisa de minha ajuda? –Maria falava. –É só por um tempo, Dave. Quando ela estiver melhor, eu volto para a casa. Prometo.

Maria estava muito compromissada com a tarefa de servir como forma física para Argia. Após desaparecer há quase três meses, a princesa da vida não conseguia mais voltar para sua hospedeira original, Nicolle de Vie, e trocava de corpo mais do que Dave trocava de gravata. Maria era a pessoa com a qual a princesa da vida conseguia passar mais tempo. A brasileira morria todas as manhãs para deixar a princesa bastarda falar com seus lábios e enxergar com seus olhos. Quando o corpo reclamava da hóspede, Argia tomava um voluntário de seu reino de cristal para continuar suas ativiades como se toda a situação fosse extremamente normal. Maria era arrastada para seu quarto, Nicolle trazia-a de volta e ela descansava o resto do dia, preparando-se para mais uma manhã de possessão. Assistir a esse ciclo era tortura para o menino dos olhos azuis. Argia roubava a preciosa voz de sua mãe, a cor castanha de seus olhos e deixava os movimentos antinaurais para a mulher. Todas as manhãs ele perdia sua mãe, e quando ela voltava, sabia que logo estaria indo embora de novo. Ele não conseguia se conformar ou se acostumar como seu irmão.

-Ela vai ficar bem. Sabemos disso –ele dizia, melancólico.

Como todos os habitantes de Érestha, Rick tinha uma marca em suas costas indicando a que príncipe servia. Dave tinha uma árvore e uma coroa marcados em sua pele, e Rick tinha um coração; símbolo da vida. Ao receber tais marcas, todos eram transportados para o pior dia de suas vidas, sendo este um dia ainda por vir ou uma memória desagradável. Rick vira a morte de sua mãe num futuro impossível que Dave desejava provar ser falso. Em uma casa preta e branca, uma mulher ruiva assassinava Maria, que estava parada perto de uma versão mais velha de Bia Vallarrica. Dave evitava ao máximo pensar nessa visão do irmão. Não queria entender como Bia podia estar ali, ou quem se interessaria por matar sua mãe. Ele não podia dar-se ao luxo de perder a cabeça por isso, mas era sempre cauteloso. O irmão estando calmo pois sabia que a mãe não morreria ali deixava Dave com uma sensação estranha de raiva e desgosto.

-Ela está bem, Missie –Dave respondeu, conseguindo fingir um sorriso para a menina do olho prata. –Está descansando agora.

-Ótimo. E nunca mais sorria para mim se não for um movimento natural.

Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]Onde histórias criam vida. Descubra agora