VII -A Alma de Fogo

19 9 2
                                    

Eu amo esse capítulo muitão

Após a morte havia um corredor, três portas e um recepcionista. Atrás de cada porta havia uma realidade, e você não escolhia qual delas abrir. Era uma pena, pois apenas uma delas dava para um belo jardim. Ela conhecia aquele corredor. Era o castelo de seu príncipe, mas com menos portas e menos fogo. O recepcionista estava sentado atrás de uma escrivaninha e guardava três chaves e uma lista de nomes. Parecera muito ocupado quando Bia chegou para falar com ele. O homem tinha uma cartola alta e sua barba alcançava o umbigo. Não estava prestando atenção na menina. Bianca Vallarrica conheia aquele homem, mas não lembrava-se bem de seu nome. Por alguma razão, ela começou a chorar. Algo no fundo de seu consciente pedia que ela parasse, mas ela não conseguiu.

-O que está acontecendo? –ela perguntou, em prantos, e o homem barbado finalmente ergueu o olhar. Bia lembrou-se de seu nome, e esqueceu-o na mesma velocidade.

-Dândara Bianca Vallarrica, finalmente. Estive muito ansioso por sua chegada desde aquela rainha. –ele levantou-se, segurando uma nota escrita num papel bege. –Você morreu, Bianca. Não há lágrimas para se chorar.

Ela tentou limpar suas bochechas, mas não estavam molhadas. "Eu estou morta?" ela franziu as sobrancelhas. Olhou para seu próprio corpo e viu a marca de sangue que atravessava seu estômago. Ela lembrava-se vagamente de uma espada albina, um dragão e uma pedra. As únicas imagens que estavam muito claras em sua mente era um par de olhos azuis e uma mancha preta derretendo-se de seu braço.

-Fui informado que você deve esperar, então vai para a porta da esquerda. Bem-vinda "ao que vem depois" e tente não esquecer-se.

-Esquecer-me de que? –ela soluçou. –Acho... acho que já não me lembro.

Ele esticou a nota para ela, que pegou-a para ler. "A alma de fogo esperará pelos olhos azuis e voltará a servir." Bia não sabia o que eram aquelas palavras, mas agarrou-se ao papel. O homem com a cartola pegou uma chave prateada de cima da sua pilha de papéis e anotações.

-É claro que se lembra. Do seu nome, da sua marca e de um par de olhos azuis. É tudo o que precisa –ele apontou para o corredor com a cabeça, pedindo que ela o seguisse. –Acha que consegue esperar?

Ela já não se lembrava muito bem sobre o que estavam conversando. Sua mente estava muito bagunçada, indo e voltando de memórias muito antigas para os olhos azuis e a marca que derreteu-se. Ela viu fogo e tristeza e dor, depois ouro e sorrisos e amor. Mas tudo isso sempre acabava. O homem de cartola já estava destrancando a porta da esquerda quando ela conseguiu calar suas memórias. Bia adiantou-se até ele.

A porta da direita tinha uma janelinha que dava visão para os belos campos de grama verde e sol morno. A do fundo estava trancada com dois cadeados. Bia tinha mais medo da esquerda. Fechada, era só mais uma porta de um corredor que ela um dia conhecera. Aberta, era um vácuo assustador. Tudo lá dentro tinha um tom azulado e uma névoa muito densa. O chão era pedra e terra, e ao fundo encontrava-se uma montanha. Haviam pessoas caminhando por ali, afastadas da porta.

-É aqui que se espera –explicou o homem.

Bia deu um passo para dentro, e ele, um passo para trás. A porta foi fechada e desapareceu. O campo extendia-se para todos os horizontes e acabava apenas na montanha. Talvez Bia conhecesse aquela pedra, mas ela não tinha certeza. Sentindo-se sozinha, ela voltou a chorar.

Em uma noite, ela pecebeu que muitas das outras almas que vagavam por ali não tinham rosto e nem um corpo definido. Eram sombras genéricas, pessoas que haviam esquecido de seus próprios rostos e já não sabiam como projeta-los em suas almas. Bia agarrava-se à sua nota em papel bege, e tentava lembrar-se do homem de cartola e barba longa.

Em uma semana ela adotou uma pedra. Era bem grande e tinha um pedaço liso onde podia apoiar a cabeça para dormir. As outras almas, sendo elas cheias de memórias ou completamente perdidas, invejavam a menina. Bia prometeu que jamais abandonaria sua pedra, assim como jamais perderia sua nota.

Em um mês, Bianca perdeu suas roupas. Ela preocupou-se demais com seu rosto, sua cicatriz e suas memórias que esqueceu-se do casaco cor-de-rosa que usara no seu último dia. Ela não tinha ceretza se cada curva de seu corpo estava certa, mas não queria pensar nisso. Ali era frio, e os pêlos de seu braço arrepiaram-se quando ela percebeu. A única peça de roupa da qual se lembrava era o casaco de um terno que já a havia aquecido uma vez. Além disso, cheirava à coisas boas e era quente como um abraço. Ele materializou-se em seu corpo e ela conseguiu dormir.

Em um ano, Bia perdeu a conta dos dias em que esteve ali. Às vezes, ouvia a porta do corredor fechando, como se tivesse acabado de chegar ali. Outras vezes, pensava que já estivera ali por uma eternidade. "Eu vou esquecer" ela pensava nesses dias ruins. "Não posso esquecer. Sou a alma de fogo e devo esperar".

Não perder uma memória era uma coisa, mas recuperar um dia de sua vida era muito mais difícil. Ela demorou para lembrar que o par de olhos azuis que assombrava sua mente não eram amigáveis. Eram azul escuro e tempestuosos. Bia não gostava deles. Ela teve que sacrificar completamente as chances de lembrar do nome do homem de cartola e barba para pensar em um nome: Dave. Isso a fez sorrir, e sorrisos no Limbo são como holofotes. Almas cegas e perdidas foram atraídas para ela e sua pedra e não a deixaram em paz com seus gemidos de sofrimento. Bia teve que abandonar a pedra. Por sorte, encontrou outra parecida depois de três semanas dormindo no chão.

Seis meses depois disso ela descobriu que seu rosto estava errado. Ela não tinha espelhos, e nem lembrava-se que podia ver seu próprio reflexo. Mas ela lembrava-se de toques e carícias. Lembrava-se do calor em suas bochechas e de beijos em sua testa. O tato de outras pessoas ajudou-a a moldar suas feições, e também o resto de seu corpo. A esse ponto, Bia sentia-se pronta para sair dali. Ela lembrava-se de tantos detahes, e sabia que conhecia a montanha no horizonte. Sua alma não seria fogo para sempre.

-Dave –ela falava em voz alta sempre que esquecia alguma coisa. O nome a fazia sorrir, almas eram atraídas para ela e sua pedra era inutilizada. Ela ganhava alguns segundos de boas memórias sempre que sorria. –Dave Fellows.


Quarta é dia de:

.Assistir MasteChef

.Regar meu Cactus

.Postar capítulos

E eu consegui falhar em todas essas tarefas acima. Desculpa aí, sério. Eu me distraí assistindo vídeos de centopéias comendo ratos

Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]Onde histórias criam vida. Descubra agora