XXVI -Dave

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A primeira coisa em que Dave pensou quando chegou à escola foi correr para encontrar Lorena. Riley também estava correndo, mas muito mais rapidamente e em outra direção. Eles se encontrariam depois. Dave foi até a diretoria e as secretárias do diretor disseram que sua prima estava em seu quarto, trabalhando. Dave pediu que a chamassem com urgência, e que estaria esperando na casinha azul. Ele mesmo correu até lá, direto para seu quarto. Em seu armário, que seria pequeno demais se tivesse que dividir com alguém, ainda encontrava-se pendurado o casaco que ele usara no seu primeiro ano ali. Já era pequeno demais para o Dave de dezoito anos, mas ele não conseguia livrar-se da peça. Nunca se lembrava de leva-lo para o Brasil no final do ano, mas não importava-se tanto. Afinal, o bolso fundo era perfeito para guardar a carta que Reginald escrevera para ele. O primeiro parágrafo sobre ele entrar em Érestha o deixava contente em pensar como Reginald estaria orgulhoso, mas não era o mais importante.

"A única coisa que exijo de você é a lealdade. [...] Tenho fé de que saberá interpretar a mensagem da rainha e ganhará a guerra. [...]

E lembre-se, filho: sirva sempre a rainha, acima de todos os outros."

Essas frases interessavam o menino pois não eram instruções complicadas como o Livro da Rainha, mas simples ordens de uma pai para seu filho. Lorena entrou na casinha com pressa e uma expressão preocupada quando Dave fechou a carta.

-Dave, você está bem? –ela perguntou, aproximando-se do primo e checando seu rosto por algum arranhão.

-Sim, está tudo bem –ele sorriu. –Eu só preciso que você me conte mais. Sobre meu pai.

Lorena deu um passo para trás, desconfiada. Dave não falava muito sobre o pai e não gostava de ouvir sobre ele. A sensação estranha de saudades que o nome de Reginald Fellows deixava no menino era muito desagradável; ele preferia evitar. O menino guiou a prima até o sofá e mostrou a carta para ela. Contou sobre seu dia desde a entrega de Bia para os Mercenários Mortos até a frase no Castelo de Mármore. Ela estava fascinada, e ficou animada em reler a carta.

-É, eu estava com ele no dia em que escreveu isso –ela falou. –Você nem tinha nascido ainda, Dave, e ele me disse coisas que eu não entendi. Aquilo que te contei em um Halloween aqui na escola. Ele queria que eu cuidasse de você e tivesse certeza de que seria leal à Thaila, como ele diz na carta. Assim, o que Thaís havia planejado vai dar certo, e vamos ter paz mais uma vez.

-Eu me lembro de nossa conversa –Dave disse, encarando a lareira e pensando na festa de Halloween do segundo ano, quando ele começou a preocupar-se de verdade com a segurança de sua família. Na época, havia pensado em pedir uma guarda pessoal para o rei; soldados que pudessem vigiar sua mãe e seu irmão em São Paulo. Mas ele nunca chegou a desenvolver uma ideia menos absurda e agora os dois estavam dentro de Érestha, bem ao lado da província mais perigosa de todas. Se ele pudesse fazer como o seu pai, obedecer as ordens de Thaís e correr de volta para Maria, ele o faria. Mas se pudesse tira-la dali antes do começo da guerra, seria ainda melhor. –Você me disse que ele nunca teve um batalhão, e que fez algo para Thaís e voltou para São Paulo. O que ele estava fazendo naquela noite?

-Eu não sei, Dave –ela deu de ombros. –Isso ele nunca me contou. Tem alguma ideia?

-Talvez algo a ver com o corpo de Argia ou Livro da Rainha em si. Só não me lembro de ler específicos sobre meu pai naquela noite. Mas alguém deve saber, e acho que sei quem devo procurar.

-Você é incrível, primo! –Lorena sorriu. –Ele teria muito orgulho de você.

Os primos abraçaram-se por alguns minutos, preenchendo o silêncio com memórias boas. Ele queria poder ficar ali até tudo se resolver. Uma pena que era ele quem tinha que resolver tudo. Antes de procurar por alguém que podia saber sobre seu pai, ele sentou-se à escrivaninha com as anotações de Riley. Queria ter alguma ideia do que falar sobre sua interpretação já que sabia que perguntariam. Quando eles e Missie reuniam-se para ler o Livro da Rainha, eles analisavam frase por frase, palavra por palavra, morfema por morfema. Cada detalhe era importante, e tudo fazia diferença. Dave era muito ansioso, e decidiu que "Jaz no caixão de prata o corpo da traída" não era nada mais do que parecia. Simplesmente referia-se à Argia enterrada em um caixão gelado. "O guardião das chaves está muito além da vida" o deixava confuso.

Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]Onde histórias criam vida. Descubra agora