Raramente ela vestia calças no seu dia a dia. Preferia os vestidos e saias longas, ou o roupão branco de algodão que ficava pendurado na parede do banheiro. Mas já estava se acostumando. Não ficava puxando-as para cima o tempo todo. Vestia também um casaco com capuz e botas de chuva pretas. Teria escolhido as que eram enfeitadas com corujinhas coloridas, mas não podia chamar atenção; era muito perigoso. A rainha garantiu que seu representante estivesse bem ocupado para que não sentisse o medo e a ansiedade que ela sentia através da marca. Constantemente questionava o pacto que fora selado cinco anos antes. Dave protegeria-a independente de uma marca de luz no braço, e ela sentiria-se mais livre sem aquilo. Thaila tinha muitos segredos.
A carruagem a deixou numa estrada escura de terra no interior da província de seu irmão, senhor da lua e do sol, numa cidade próxima à fronteira com o o reino da bastarda. Pagou mais do que o dobro ao cocheiro para que ele ficasse de boca fechada sobre suas ações. Ninguém deveria saber ainda. Era arriscado saír sem deixar muitas pessoas saberem, mas ela tinha que agir rápido. Pelo menos mais rápido que Tabata. Mais tarde ela revelaria tudo para quem se interessasse. Cobriu os cabelos com o capuz e começou a andar. Estava a pelo menos meio quilômetro de distância de seu verdadeiro destino.
O vento cortava-lhe as córneas e a fazia lacrimejar. Era difícil manter o capuz cobrindo-lhe os cabelos roxos. As botas que usava não eram boas para a caminhada e eram um número menor, formando bolhas em seus calcanhares. Os passos até a passagem para o Vale do Verão foram um desafio excruciante. Ela quase ficou contente ao abrir a porta do bar. Quase.
O ambiente não era aconchegante, em sua opinião. Definitivamente não era feito para a realeza, arrumado como ela estava acostumada. Mesas compridas de madeira, lâmpadas quentes e bêbados barrigudos. O chão era sujo e respingado de cerveja, as mãos das pessoas, engorduradas, e as garçonetes eram todas velhas bigodudas com vestidos curtos. O som das gargalhadas, cantorias e risadas misturados ao cheiro forte de cerveja, suor e fumo deixavam a rainha tonta. Thaila andou até o bar e pediu uma taça de vinho. Esperou sentada por seu pedido que questionou ser refinado demais para um bar qualquer como aquele, mas ninguém lhe perguntou nada. Tomou tudo num gole só. Ia se levantando para se dirigir a uma mesa mais afastada quando a bartender lhe chamou.
-Tem sede, bonitinha? Me diga, o que uma moça tão jovem faz por aqui?
Thaila ficou um pouco irritada com o "moça tão jovem", mas só podia culpar a si mesma por esquecer que tinha as feições de uma garota de dezeseis anos. E culpar a avó. A rainha Ágata era demasiado vaidosa. Falecera quando Thaila e Tabata completaram dez anos, se afogando em uma de suas termas. A atual rainha nunca gostara da velha e achou que o destino fora merecido. Era uma mulher cheia de si e bem grossa. Éres fora filho único pelo puro orgulho da mulher. Quando vira que seu filho era homem ela ficou contente e se recusou a concebir outra criança para afastar a possibilidade de nascer uma menina mais bela do que ela. Chegou a matar um filho ainda em seu ventre, privando seu marido de ter mais uma cria. Thaila prometeu a si mesma que jamais governaria um reino com pecados. Também não planejava saír jamais de Érestha para não "ativar" a maldição da poção dos elfos e ficar com o corpo jovem até completar cem anos de idade. Este era um dos dejesos de sua avó e ela não queria ter dado essa felicidade a ela. Saiu apenas por falta de cuidado e embriaguez. Amaldiçoou a si mesma em silêncio.
-Procuro por alguém –ela respondeu à mulher. -Um homem.
-Ha! –A bartender riu e esticou uma caneca de cerveja para ela.- É por conta da casa. E boa sorte. São raros os homens por aqui. A maioria são porcos imundos.
Thaila apenas sorriu, aceitando a bebida e deu as costas para a mulher. Arrumou direito o capuz nos cabelos e se sentou num canto afastado até mesmo da luz. Ali, no escuro, Thaila ficou bebericando sua bebida grátis e permitindo o gosto amargo preencher sua boca, por mais que não gostasse de cerveja. Por sua sorte, não teve que esperar muito por quem procurava. Um homem vestindo uma cota de malha de ferro polido e segurando um capacete também de ferro entrou no recinto e dirigiu-se ao bar. Estava acompanhado de outros dois homens agitados. A bartender sorriu com desejo para ele. O coração da rainha acelerou e respirar se tornou difícil.
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Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]
Fantasía"Se não for leal à rainha o outro lado conseguirá o que quer." As palavras do Mago Roxo finalmente começam a fazer sentido após Dave descobrir e decifrar o enígma da rainha. Está em suas mãos decidir tomar seu lugar como soldado de Thaila ou lutar...