O ritual de casamento em Érestha estava corrompido pelos costumes das terras do continente. Éres e Thaís nunca vestiram alianças, como faziam Marineva e Edgar. A tradição eresthiana pedia um pano de seda branco e correntes de ferro fortes e enferrujadas. O responsável pela cerimônia enrolava a corrente nos braços dos noivos, depois cobria-a com a seda. O ferro simbolizava a força da união, que envelheceria sempre com a mesma firmeza. A seda era a cortesia, a cura e o amor. Os dois proferiam palavras escritas há muito tempo, e palavras escolhidas por eles próprios. A cerimônia só acontecia se o responsável acreditasse verdadeiramente que os dois sriam um bom casal para a vida e para a morte. Francis comportou-se como um padre, fazendo os noivos prometerem algumas coisas e jurarem outras. Eles colocaram alianças nas mãos uns dos outros e se beijaram ao fim de tudo.
Alícia esperava muitas coisas desse casamento, mas nada havia dado certo. Queria testemunhar um casameno clássico eresthiano, mas não pode ter isso. Queria ter passado mais tempo com Riley, ajudando-o pelo castelo, mas esteve ocupada com Tâmara. Gostaria de ter ficado na mesma mesa de Dave, Lilian e seu irmão; comendo, bebendo e se divertindo, mas tinha que sentar-se perto de sua princesa. Ela não tinha coragem de sair de perto dela. Por algum motivo, mal podia esperar para ouvir o que Riley e Dave tinham a dizer sobre o pacto protetor-protegido entre ela e Tâmara. Riley explicaria em termos técnicos sobre como ela era uma idiota. Dave Fellows falaria isso com o olhar, mas não teria coragem de verbalizar nada. Ela já tinha algumas respostas prontas e argumentos que desejava usar contra os dois. Ela sempre acabava pensando em como Tâmara precisava dela.
A princesa era confiante e esperta, mas tão frágil e um alvo tão óbvio. Os dois elfos que sentavam-se na mesa próxima a delas sabiam bem disso tudo. Reycaryn não tirava os olhos da princesa, e sussurrava para Ellie sempre que ela fazia um movimento. A elfa dos olhos coloridos não parecia tão interessada em conversar sobre Tâmara. Estava fascinada pela cena horrenda que era Argia usando Maria e Nicolle como corpo e energia.
Dave estava quieto, o que significava que estava muito preocupado. Thaila parecia relaxada com a situação, e a princesa cor-se-rosa não se importava com os comentários. Edgar e sua irmã das águas, Teresa, estavam sentados juntos enquanto Marineva dançava com Elói. Alícia também gostaria de estar dançando com seu irmão, mas os olhos de Reycaryn não a permitiam.
-Não aguento mais ficar enterrada no subsolo de minha irmã –Tâmara sussurrou para a menina. –Sinto falta de meu castelo e de minha cama e de meus animais. Sinto falta até mesmo de Gary DiPrata, mas que droga!
Tâmara, acima de tudo, estava solitária. Ela sempre teve seus irmãos, ou Ana Vitória ou algum inseto com quem conversar. Mas nas celas frias do Castelo de Vidro ela tinha apenas Alícia. Comentava muito sobre como sentia falta de fofocar com sua representante, e como Alícia não podia saber sobre tudo. Ainda assim, ela falava demais. Contava sobre sua infância no castelo, suas experiências e responsabilidades como princesa e seus hobbies.
-Eu realmente aprecio uma taça de ouro cheia de sangue de cobra antes do café da manhã –ela dissera. –Mas as pessoas não precisam saber de meus prazeres excêntricos.
A princípio, Alícia evitava perguntar sobre as coisas que ela falava. Mas sua curiosidade falava mais alto. Tâmara estava à vontade o suficiente para dar detalhes de tudo o que Alícia perguntava. Aprendera que ela desenhava as roupas de festa de todos os irmãos desde os oito anos de idade e que colecionava patas de águia. Gostava de banhar-se em óleos e leites e sentia muito a falta de seus pais.
-Foi minha mãe quem me ensinou tudo o que sei sobre costura –ela dissera. –E meu pai me ajudou com meu legado. Não acho justo que eu conte tudo sobre mim e não saiba nada sobre minha Alícia Weis.
A menina teve que rir. Tâmara riu logo em seguida. A princesa sabia coisas sobre seus pais e sobre seus irmãos. Como não saberia sobre sua proteora? Ela sabia de tudo o que a interessava.
-Meus passarinhos me contam tudo o que quero saber –ela sussurrou mais uma vez. Olhou para Reycaryn, que recusava um prato quente de massa que uma garçonete oferecia. –Eles sussurram o nome desse elfo.
-Estou atenta –Alícia garantiu.
Elas passaram alguns minutos apenas observando a todos dançarem e comerem e rirem sem parar. A lua estava bela como nunca, e sua luz passava pelo âmbar e iluminava a pista de dança. Elói, ao ver-se livre de Marineva e Thaila, convidou a irmã da terra para dançar, apesar das correntes que a prendiam. Alícia permaneceu aonde estava, de olho em Reycaryn e em mais nada. Nesse dia, ela aprendeu uma valiosa lição: o perigo vem de todos os lados. Sua obceção por Reycaryn tampou sua perspectiva de um lugar muito importante: a porta da frente. Ela não reparou na menina que entrou por ela. Na realidade, ninguém reparou. A bagunça na pista de dança era tanta que uma garota vestindo preto passava despercebida facilmente. Ela até foi servida quando sentou-se ao lado de Alícia.
-A província da morte é tão entediante que me esqueço o quão bela Érestha é. -Alícia virou o rosto e tentou não entrar em pânico. Isabelle tinha glitter nos cachos negros e marcas de arranhões no pescoço. -Porém, não posso negar que nossas festas são muito melhores.
-Você é louca? –Alícia sussurrou.
-Tabata queria que eu reportasse algumas coisas sobre o casamento, e eu queria falar com você –ela tomou um gole de sua bebida. –Pareceu-me uma ótima oportunidade.
-Não podia me contar num sonho? Está rodeada de príncipes e seus representantes.
-Está preocupada comigo Alícia Weis? –ela riu. Lançou um olhar rápido para a mesa de Dave e Thaila, e logo voltou a atenção para Alícia. –Estão todos muito ocupados. Estive aqui desde os votos emocionantes dos noivos. Só queria dizer que vi a morte da princesa Tâmara com meu legado.
Alícia congelou. Ela ficou desesperada e nem teve tempo de raciocinar direito as palavras da menina negra. A marca de protetora em seu braço ardeu sem sua permissão e chamou a atenção de Tâmara. A princesa desviou o olhar de seu irmão e franziu o cenho na direção das meninas.
-O que eu faço? –perguntou, desejando que ela fossse logo embora dali.
-Os caminhos do futuro são muitos, e vocês caminham na direção errada –Isabelle levantou-se e Tâmara parou sua dança, preocupada. –Tê-la aqui hoje foi um erro. Talvez nem eu deveria ter vindo, você tinha razão. O elfo tem planos para hoje a noite. E não leve-a de volta para aquelas celas, Alícia Weis. Trouxe algo para te ajudar: Alfos. Corra, Alícia. Agora.
Alícia notou o olhar de Reycaryn, que levantava-se, sobre as duas. Dave Fellows percebeu que algo estava errado, como se conseguisse farejar o perfume de DiPrata, e virou-se para elas também. O olhar no rosto de Alícia devia estar cômico: um desespero cheio de medo e incerteza. Fellows tinha Mata-Touro em seu bolso, como sempre. Reycaryn tinha uma adaga que escorria um líquido viscoso. Alícia assumiu que fosse veneno. A adrenalina tomou conta de seu corpo e ela agiu antes de qualquer um. Nunca fora tão fácil usar seu legado. Ela atirou suas facas contra o elfo e contra Dave Fellows. Antes mesmo de ver se tinha acertado seus alvos, ela virou todas as mesas e arrastou todas as cadeiras para longe de Isabelle DiPrata. A representante do mal desapareceu, provavelmente com a ajuda de Pedro Satomak, mas Alícia nao percebeu. Ela começou a correr para a porta de saída enquanto todos gritavam em desespero. Focou nas correntes que amarravam Tâmara enquanto corria e puxou-a para junto de si. Thaila levantou-se ao mesmo tempo em que Alícia recolheu suas facas, o que resultou em um arranhão em seu ombro. A expressão de descrença de Dave a assustou, e ela teve que ser rápida em desviar Mata-Touro de Seu rosto.
Alícia puxou as correntes de Tâmara e, por mais que ela tivesse uma enorme dificuldade em andar, eram rápidas o suficiente. Ela não quis olhar nos olhos do irmão. Estaria decepcionado. Sua princesa tentava gritar por explicações, mas Alícia não conseguia ouvi-la por cima do desespero dos convidados e de seu coração. Dave Fellows foi o primeiro a sair do salão de jantar, seguido por Reycaryn e Thaila. A rainha estava claramente preocupada, enquanto os outros dois estavam furiosos. A menina guiou a princesa pelo caminho de pedras até o precipício. Então, empurrou-a e pulou atrás dela, gritando o nome de seu dragão de estimação na esperança de que ele a escutasse.
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Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]
Fantasía"Se não for leal à rainha o outro lado conseguirá o que quer." As palavras do Mago Roxo finalmente começam a fazer sentido após Dave descobrir e decifrar o enígma da rainha. Está em suas mãos decidir tomar seu lugar como soldado de Thaila ou lutar...