VI -O Guarda do Vale

21 6 0
                                    

Feliz Páscoa!

Eles estavam atrasados. Muito atrasados. Ethan prometera a si mesmo que, se saísse vivo daquele encontro, compraria um relógio novo. Um relógio bem caro. O que usava, emprestado pela velha que o acompanhava, marcava a hora de algum outro fuso horário. Dafne estava tão tranquila que o guarda sentia inveja. "É óbvio que ela não tem pressa" Ethan pensou, desviando dos bêbados que bloqueavam a entrada do bar. "Ela não tem que carregar nenhum dinheiro, nehuma tulipa e nenhum esqueleto de rato." Os Mercenários Mortos agiam pelo dinehiro, sempre. Essa era a primeira vez em que eles consideravam agir por conta de uma carta. Não estariam dispostos a pensar muito antes de arrancar a cabeça de Ethan com os proprios dentes quando ele os encontrasse nas tantas mesas daquele movimentado bar.

-Apresse o passo, Dafne –falou por entre os dentes.

-Seja mais sensível, Nova –respondeu a velha, acertando seu bastão nas pernas de algumas pessoas para guiar sua cegueira. –Eu não vejo meu caminho.

Os Quatro estavam no canto mais afastado do bar e do barulho e da agitação que cheirava a álcool. O velho branco com a barba roxa balançava a carta que Thaila havia escrito e olhava nos olhos de Ethan Nova, impaciente. O outro homem, careca e com a pele brilhosa, narrava a chegada de Ethan e Dafne para a senhora cega de cabelos brancos. A outra, marcada pela catapora, parecia amedrontada, o que deixava o guarda do vale preocupado. O que poderia assustar uma côndefa tão temida como ela? A habilidade que adquirira ao voltar a vida era bizarra. Ela apodrecia matéria com um simples pensamento. Ethan e Dafne podiam virar uma pilha de mofo à qualquer segundo, se ela assim desejasse. A velha cega, por sua vez, podia tirar os sentidos dos outros sem nem mesmo toca-los.

-Ele não leu a carta –falou a cega, apontando para Ethan.

O homem parou aonde estava, impedindo também que Dafne continuasse a andar. Os Mercenários Mortos indicaram cadeiras para os dois acomodarem-se. Ethan tirou sua mochila das costas e sentou-se. Ajudou Dafne e abriu o zíper para pegar o que carregava. Colocou a vela que iluminava a mesa para o lado para fazer espaço para sua coisas. Deixou a sacola de dinheiro, a flor e o esqueleto de rato sobre a mesa.

-Por que demorou? –O velho de barba roxa perguntou. As lendas diziam que seu nome era Robert. Ninguém ousava perguntar.

-E-eu.. Nós nos atrasamos, e o chofer não tinha certeza sobre o rato então...

Ele levantou uma mão para cala-lo. O homem de pele negra pegou o esqueleto para analisa-lo. Contou as costelas de cada lado e anuiu para os companheiros.

-É nosso rato. É o nosso guarda.

-O pobrezinho do chofer não sabia qual dos esqueletos em sua carroagem era o certo –Dafne riu. Ethan queria amarrar a velha em algum lugar longe dali para não ter que calar a boca de um idoso. Para sua surpresa, os homens riram também, o que o permitiu relaxar. –Ele nos trancou no quarto, como pediram, e nos algemou até chegarmos aos cavalos. Fez um bom trabalho em manter-nos comportados.

-Ele não leu a carta –a côndefa mais velha repetiu.

Ignorando-a mais uma vez, o homem mais velho abriu a sacola com o dinheiro e tirou lá de dentro dez moedas de ouro e a cauda de uma lagartixa enegrecida e enrugada. A mulher explicou para sua parceira cega o que via, e ela parecia satisfeita e interessada. Ethan estava preocupado. Se o plano de Thaila era escrever em um pedaço de papel e oferecer lagartos mortos, ele preferiria ter conversado com ela e ter colocado juízo em sua cabeça de princesa tola. Não eram pessoas normais. Eram temidos mercenários assassinos.

-Ele não leu a carta –desta vez, fora Dafne quem dissera, dando de ombro.

Os quatro encaravam a maneira como Ethan olhava para as moedas, confuso. O homem de barba roxa estendeu o papel na direção de Ethan, mas ele não teve tempo de pega-la por conta do fogo. A vela queimou a carta e a tinta à base de álcool que Thaila havia usado. Reduziu tudo a cinzas em segundos. Os Mercenários Mortos riram juntos, e cessaram o riso juntos.

-Haviam palavras proféicas escritas ali –explicou a mulher com catapora. –As palavras contavam sobre a minha morte e a acenssão de uma garotinha. Havia também um horario, Ethan Nova –ela apontou para o relógio bem atrás de sua cabeça. –onze horas e vinte e três minutos.

O ponteiro maior estava há um minuto do vinte e três. Ele voltou a atenção para a mulher e engoliu em seco. Precisava pensar em Thaila e não em Isabelle DiPrata para concentrar-se. Ele já estava aterrorizado demais pela voz da dona da podridão, não preciava da imagem de Isabelle.

-Ela nos fez promessas com suas palavras e sua tinta roxa –a velha côndefa falou. –Se ela estiver errada nós ganhamos um escravo, dez moedas e um rabo de lagartixa. Se ela estiver certa, não teremos escolha.

-Um escravo? –Ethan franziu o cenho e Dafne riu dele.

-Sim, você. Não confia em sua rainha, Ethan Nova? –Ela perguntou. –Espere que o ponteiro chegue ao vinte e três e aguarde os sussurros. Depois disso, voltamos para casa.

Faltavam apenas dez segundos, e ninguém quis dar mais explicações. Ele esperou, pensando no sorriso de Thaila e em como ela nunca o colocaria em perigo. Fechou os olhos e ouviu o ponteiro mexendo-se. Então arrepios percorreram sua espinha ao ouvir as vozes dos demônios favoritos de Tabata. Sachabella chamava por sangue, Ember chamava por ossos, Casseda por carne e Annastrich por almas. A Quadra de côndefas invadiu o bar e fez todos gritarem por suas vidas, desesperados. Ethan ficou aliviado por encontra-las e não ter que virar um escravo de mercenários do mal. Suas prioridades o estavam confundindo.

A velha Dafne foi rápida em puxar Ethan para debaixo de uma das mesas e apertar um botão em seu relógio emprestado. Pediu, em voz baixa, que ele descrevesse a morte da mulher com catapora. Chaou-a de Agnes quando falou. Ethan estava mas preocupado como veneno pingando das unhas de Sachabelle perto demais de seus pés, ou o hálito quente de Casseda ao seu redor.

-Eles não podem nos ver, Ethan, mas podem nos ouvir –falou. –Então conte-me sobre a morte da côndefa Agnes. Está acontecendo nesse minuto.

E ela estava certa, mas ele não estava entendendo. Annastrich estava parada em frente a ela, e seus amigos mercenários não tentaram ajuda-la. Agnes estava sofrendo em sua cadeira, e todos os outros estavam fugindo. Ethan não podia ver a aura dos legados de Érestha; ele criava plantas para Tâmara. Contudo, conseguiu ver uma espécie de brilho sendo exraída da mercenária para a boca da côndefa que alimentava-se de almas. Quando o brilho de seus olhos cessou e as outras três conseguiram sua carne, sangue e ossos, os outros três mercenários já haviam fugido dali. Como se aquela cena não pudesse ficar mais assustadora, Pedro Satomak apareceu, furioso, com seu chicote, e sumiu com uma das quatro côndefas. Ethan acabou não contando nada para Dafne, em choque.

-Tudo bem, querido –ela disse. –Você não vai se esquecer disso tão cedo. Agora voltemos para nossa rainha. Ela acaba de comprar três Mercenários Mortos.

Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]Onde histórias criam vida. Descubra agora