As paredes de Vidro do castelo da rainha jamais haviam presenciado silêncio total. Havia sempre alguém acordado, folheando livros, varrendo folhas ou saíndo escondido por alguma janela. Elas mal podiam ouvir a respiração dos três assassinos em suas posições. Mesmo tendo já vivenciado centenas de histórias, aquela era com certeza a mais emocionante: o desfecho pelo qual vinham esperando há anos! O Vidro não se importava com quem sentava-se no trono de ouro ou quem escolhia as tapeçarias que o enfeitava. Era pura curiosidade.
Uma parede sussurava para a outra suas previsões, e tudo soava como estalidos e arranhões. As quatro figuras dentro da sala do trono eram o único show no momento. Parados, como estátuas, dois homens escondiam-se nas sombras e fingiam ser armaduras vazias. A mulher de branco sentava-se atrás dos tronos, serena. Parecia estar dormindo. E a moça colorida tremeluzia aos pés do trono da rainha. Ora tinah corespasseando por seu corpo, ora era doce e gentil, com cabelos roxos e cinco mexas lilás do lado direito. As paredes não os conheciam, mas davam-lhes as boas vindas.
Um barulho aos portões alarmou o Vidro, e o castelo ficou agitado. Fazia muito tempo que eles não se viam, e consideraram o encontro muito digno. A princesa negra tinha um cetro na mão, e vestia um deslumbrante vestido preto, cinza e preto mais escuro. Ria tão contentemente que até as torres de vidro quiseram junta-se a ela.
A princesa tomou seu tempo, divertindo-se. Jogou-se na grama, rolou, riu, chorou e saltitou até as portas semi-abertas. Bastou um toque de seu cetro para uma das portas estourar em milhares de cacos de vidro pontudo. As torres de Vidro nunca sentiram tanta vontade de rir como naquele momento. Tabata passou pelo seu estrago ainda saltitando, ignorando o vidro em seus pés e deixando pegadas sangrentas por onde passava. O entusiasmo por aquele momento apenas aumentava. Algumas janelas começaram a bater de tanta histeria acumulada. A dama negra tinha tanta loucura estampada em sua face que lembrava sua avó, Ágata, a vaidosa. Ela chutou as portas de madeira da sala dos tronos e soltou um grito de excitação ensurdecedor. As tapeçarias balançaram e alguma janela estourou no andar de cima.
-Finalmente, finalmente! –ela cantarolou, com lágrimas nos olhos.
Claramente ela não conseguia conter sua animação. Rindo desesperadamente, a princesa destruiu a sala, começando pelo trono da recém-chegada. Quebrou cada cadeira com uma risada maníaca diferente, e rasgou todas as tapeçarias com suas próprias unhas. As paredes de Vidro não sentiam-se ofendidas. Já tinham visto coisas muito piores dentro daquela sala. Aqueles dois minutos foram a prova de que os dois homens de armadura eram ótimos atores. Eles nem respiravam.
A princesa divagou sobre quatro mulheres-cobras e sua lealdade antes de aproximar-se da figura tremeluzente aos pés do trono. E nesse mesmo instante foi-se ouvido um outro barulho aos portões de ferro do castelo.
O Vidro mal podia conter-se. Até as partes de madeira do castelo espandiram-se quando quatro mulheres-cobras sibilaram para dentro das propriedades reais. A princesa negra estava tão concentrada na imagem falsa de sua irmã morta que não ouviu o ferro mexendo-se lá fora. As quatro mulheres nunca tinham estado ali. As paredes lembravam de todos os rostos que já pisaram ali, e com certeza lembrariam-se daqueles olhos amarelos horríveis ou do veneno escorrendo da mão de uma delas, matando a grama tão bem cuidada. Elas ainda estavam no meio do caminho até a entrada quando Tabata pegou a coroa, ainda rindo. Ela não notou o sorriso que formou-se no rosto da mulher colorida quando ela a vestiu. Tabata sentiu-se tão poderosa naquele momento que o Vidro quase teve que rir dela. Não havia diferença nenhuma em seus poderes, mas ela sentia-se vitoriosa. Então a tecnologia de Hy.Da.Bel fez a coroa fincar-se na cabeça da princesa através de pequenos dentes de metal. Tamanha foi sua dor que seu grito assustou as quatro mulheres-cobras. Elas tinham fome, e carregavam muito ódio. Correram por cima dos cacos quebrados e das pegadas de sangue sem reparar muito. Quando chegaram até a sala destruída, as paredes acharam que tinham finalmente enlouquecido.
A princesa sofria e gritava de dor para tentar tirar a coroa de si. Tinha sangue escorrendo pelo seu rosto pálido. Mas sua imagem para as côndefas era a rainha de Érestha. A mulher colorida no chão, por outro lado, não era apenas cheia de cores no corpo. Era a imagem de Thaila morta para a princesa negra e a ilusão de Tabata morta para A Quadra. Todos estavam sendo enganados com visões diferentes ao mesmo tempo. E os únicos relaxados eram os cavaleiros e a mulher branca, que ainda parecia estar sonhando bons sonhos.
-Não fiquem paradas, me ajudem! –Tabata suplicou, tentando arrancar a coroa de ilusões de seu couro cabeludo.
-Você vai ssse arrepender –sibilou a de mãos de veneno.
As quatro mulheres estavam extremamente atordoadas com o mero pensamento de que sua líder tinha sido morta. Tabata, confusa e com dor, tentou gritar para que elas a ouvissem e obeecessem, e isso apenas contribuiu para que elas ficassem ainda mais irritadas. "Carne", "Sangue", "Ossos", "Almas" elas pediram.
As Paredes de Vidro nunca tinham ficado tão satisfeitas em toda sua existência. Observar a princesa ser devorada por seus próprios súditos por entre gritos de agonia era estranhamente relaxante. Foi muito difícil para a mulher no chão conter seu sorriso, mas, por outro lado, foi muito fácil para os dois homens trancarem as portas de madeira sem serem percebidos.
Annastrich levou Tabata para algum pesadelo horrível enquanto suas irmãs alimentavam-se dela como urubus esfomeados. A alma de Tabata havia levado anos para fortalecer-se, mas em apenas alguns minutos ela enfraqueceu tanto que deixou de esistir. A única coisa que sobrou da ambiciosa princesa da morte foi a coroa de ilusões.
-Muito obrigada –Terlúria agradeceu às côndefas, sentada ao trono de Thaila e aplaudindo-as, revelando sua verdadeira forma. –Agora a rainha tem poder sobre o legado da morte. Fiquem felizes por terem sido as responsáveis por acabar com a guerra. Seus nomes serão lembrados, meninas.
Os homens tiraram suas armaduras e revelaram-se para as côndefas. Um tinha a pele negra e oleosa, e o outro tinha barba roxa. A mulher branca acordou pacificamente e levantou-se, surgindo detrás dos tronos com muita paciência.
As quatro mulheres gritaram em frustração, e ficaram horrorisadas com a revelação. Terlúria não parecia estar muito afim de lutar, e desviou como pode da briga até conseguir abrir as portas e sair correndo dali com apenas algun arranhões e um belo sorriso no rosto. A luta dentro do salão foi bastante extressante para as paredes do castelo. Elas acabaram com alguns arranhões e quebradas em alguns pontos. Teriam que ser completamente substituidas.
Os dois homens não mostraram misericórdia por nenhuma das côndefas. Gritando "Por Agnes!" e "Vingança!", eles eliminaram duas delas sem fazer muito esforço. A mulher não deixava nada tocar nela. Tudo automaticamente apodrecia ou virava pó. Mas ela não pôde escapar das mordidas de Sachabella ou dos pesadelos de Annastrich. Contudo, não tinha nada para ser encontrado dentro dela. Uma côndefa mercenária não precisava de uma alma. O destino da mulher venenosa e da comedora de almas foi desaparecer em pó e desespero. Eles recolheram a coroa falsa do chão antes de saír da sala, vitoriosos.
-Um pena não temos a cabeça dela para guardar de troféu –comentou o homem de barba roxa, limpando um arranhão bastante profundo em seu braço.
-Essa é uma noite a ser lembrada, meus amigos –sorriu a velha branca. Ela sentou-se no chão repleto de cacos de vidro e sangue de princesa, ofegante. –Nunca se esqueçam de mim.
Ela deitou-se, e deixou-se ser infectada pelo veneno de Sachabella. Seus dois companheiros anuiram, e viraram-se de costas, deixando-a para morrer em sua própria paz.
-Uma bela noite, sim –concordou o homem negro. –Esperemos os outros por aqui. Nosso trabalho ainda tem de ser pago.
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Érestha -Castelo de Ilusões [LIVRO 5]
Fantasi"Se não for leal à rainha o outro lado conseguirá o que quer." As palavras do Mago Roxo finalmente começam a fazer sentido após Dave descobrir e decifrar o enígma da rainha. Está em suas mãos decidir tomar seu lugar como soldado de Thaila ou lutar...