Prólogo

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23, Fevereiro, 2016

"Bem, oi, não sei o que dizer além de que eu não sinto muito por nada do que aconteceu. Não me arrependo de ter vivido nenhum dos momentos que tanto me abalaram, pois sei que sem eles eu não teria adquirido a maturidade que tenho atualmente; mas se eu tivesse que enfrenta-los novamente, é mais do que óbvio que fugiria.

Fugir... nunca pensei que conseguiria fazer algo tão bem, e de uma maneira tão automática. Isso se tornou algo rotineiro. Estava cansada de me entregar para as pessoas e receber em troca nada além de pura falsidade, então decidi simplesmente ficar sozinha. Não me arrependo dessa decisão, afinal, a tomei para a minha própria proteção, mas é como um caminho sem volta. Sinto que dirigi o mais rápido possivel em uma rua sem saída, com um carro que não possui freio. Por mais que eu tente voltar, já não consigo. Por mais que eu tente ser feliz, é como se tudo tivesse simplesmente perdido a graça."

Leio a carta uma última vez, antes de simplesmente drobra-la, e esconde-la na capa do meu celular. Por que guardo ali? Bem, é simples. Se você quer esconder algo, deixe num lugar óbvio, e acessível para você. Assim você terá controle de onde está, e saberá que nenhuma pessoa irá imaginar que você possui uma carta de... seja lá o que isso for.

Guardo meu material que se encontrava espalhado por todo o meu quarto, e me redireciono ao meu guarda-roupa, onde deveria estar o meu uniforme.

Respiro uma, duas, vinte vezes. Por que é tão difícil pra mim conseguir manter organização? É como se as minhas coisas, literalmente, saíssem do lugar sozinhas.

-Kaki, você está atrasada? - Sofia pergunta, adentrando meu quarto. Ela era a única que tinha liberdade para conversar comigo. Ela era a única que tinha a minha confiança.

-Não, meu amor. Por que? -Pergunto, indo até a mesma, e a pegando no colo. Apesar de ter apenas 4 anos, minha pequena era bastante inteligente, o que que causava orgulho. Ao menos posso ter a certeza de que nem todos são ovelhas negras nessa família.

-Eu queria te contar uma coisa, mas antes, você tem que prometer não contar pra ninguém. -Ela diz em um tom baixo, como se estivesse sussurrando algo muito importante, o que me fez sorrir abertamente.

Me direciono até minha cama com ela, onde me sento com a mesma no colo, com o rosto de frente ao meu. Podia sentir sua respiração desesperada batendo de encontro com minha face. Foi nesse momento, e só nesse momento que olhei em seus olhos, e notei que neles havia algo diferente. Desespero, medo; era como se ela estivesse me implorando algo apenas com um olhar.

-Camila? -Escuto a voz de minha mãe ecoar por meu quarto, e em seguida, algumas batidas na porta. Senti meu coração acelerar. Minha ansiedade passou a se fazer presente a partir dali.

-Eu prometo. -Respondo, em meio a um sussurro, e levanto meu dedo mindinho, o enlaçando com o de Sofia em seguida.

-Mamãe quer te levar embora, Kaki. -Sofi diz, e antes que eu possa pensar em qualquer coisa, a porta é aberta, revelando a presença de minha mãe, Sinu, que logo se aproxima, e se senta ao lado de nós duas.

Minha mãe nunca soube muito bem como cuidar de mim. Talvez seja porque a mesma me teve cedo demais;  em uma época em que possuia maturidade de menos. Acho que acabamos por amadurecer juntas, e foi exatamente esse o erro. Quando fui estuprada, eu estava sozinha. Quando sofri bullyng na escola, e voltava para casa repleta de marcas, eu estava sozinha. Em basicamente todos os momentos, eu estava sozinha. Consigo ver que ela já consegue cuidar de Sofia como uma verdadeira mãe deve fazer, e que eu até chego a atrapalhar as vezes, pois acabamos por dividir esse cargo.

-Nós temos que conversar, Camila. -Ela diz, e algumas lágrimas rolam por seu rosto em seguida. Apesar de não fazer idéia do que se trata, decido evitar que Sofia escute. Por mais que ela se esforce para parecer madura, existem algumas situações que, graças a falta de idade e maturidade, simplesmente não somos capases de compreender por mais que tentemos, e por algum motivo, sinto que esse é um desses.

-Sofi, por que você não faz um desenho para eu levar comigo na viagem? -Pergunto, com um sorriso aberto e sincero, apesar de triste, em meu rosto.

-Sim, Kaki! Ele vai ficar lindo! -Ela diz, em um misto de agitação e felicidade. Essa menina era o meu pequeno raio de sol. Pouco tempo depois, ela simplesmente sai correndo quarto a fora. Esperei para escutar o ranger de seus pés na escada localizada ao lado do quarto de Sinu. Minha pequena era esperta, e assim como eu, costumava ouvir as coisas por de trás das portas, o que não aconteceu naquele momento.

-Diz o que quer me falar de uma vez. Corta a parte emocional, porque, sinceramente, não estou disposta para isso.  - Falo, evitando manter contato visual. Era fácil parecer não me importar, quando não existia um olhar da minha parte envolvido. "Os olhos são a janela da alma". Sempre odiei essa frase, principalmente por saber que ela não dizia nada além da verdade.

-Você sabe que por mais que eu tente, não consigo ser quem você precisa. -Sinu disse, com um visível ressentimento em sua voz. Ela parecia estar tão perdida quanto eu, o que, tenho que admitir, era meio desesperador para mim, mas ela não tinha que saber.

-E o que você planeja fazer sobre isso? -Pergunto, mesmo já tendo 99,9% de certeza do que ela iria me dizer.

-Você vai ir morar com o seu pai. -E foi com essa frase, que encerramos a conversa. De todas as coisas que eu poderia ter dito, escolhi a mais dolorosa, nada.

É óbvio que eu queria que ela soubesse o quão brava eu estava. Eu queria gritar, questionar, e chorar como uma criança de 5 anos quando não tem o que quer, ao invés disso, eu simplesmente me levantei da minha cama, segui até o meu guarda-roupa, e tirei algumas roupas dali, já começando a preparar uma mala.

Eu não tinha o que dizer ou sentir. Tudo, simplesmente havia se tornado nada pra mim. Todos os sentimentos misturados em um curto periodo de tempo. Era como se minha mente fosse sombria demais até mesmo para mim.

-Não vai dizer nada? -Minha mãe perguntou, em um fio de voz. Ela queria que eu fosse, mas se sentia culpada demais me deixando ir. Eu poderia ficar ali, dizendo o quão boa mãe ela era, mas isso só me faria sentir pior, pois mentiria em cada palavra.

-Sinceramente? Não. Estou cansada demais para escutar as suas explicações, ou te dar as minhas. Ambas iremos brigar, e você sabe que eu não estou com ânimo nenhum para te ver se desculpando e dizendo que não quis dizer ou fazer coisas que você sabe que quis. -Falo, e por fim, a encaro, como à muito tempo, eu não o fazia. -Tem algo a me dizer?

-Você sabe que é para o seu bem. -Ela disse, limpando o rosto, e tentando parecer uma mulher madura, o que foi um ato falho.

-Você nem ao menos me conhece. Como pode saber o que é melhor pra mim? -Pergunto, usando a energia que me sobrara. -Posso simplesmente ir?

-Seu pai virá te buscar daqui uma hora. -Ela disse, e se retirou do quarto, levando consigo todo o ressentimento e culpa que pairava sobre o ar, infectando todo o ambiente.




Only Your Babygirl - Camren (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora