Pode parecer clichê eu começar a contar minha história com o dia da minha matrícula na escola nova, mas acredito que uma boa história sempre deve começar a ser contada pelo começo de uma nova fase, e o começo da minha nova fase foi com a matrícula num novo colégio para o meu primeiro ano do ensino médio.
E aqui é onde minha história, ou o que é importante contar dela, começa.
Joana — minha mãe — me abraçava enquanto esperávamos sentados sermos chamados para o balcão de atendimento da secretaria escolar. Todos os documentos necessários para a minha matrícula estavam organizados numa pasta vermelha que mamãe segurava com força em seu colo. Ela não costuma ser organizada com nada, mas tinha uma exceção com documentos importantes, apenas com eles.
Na noite passada, ela havia listado mil e um motivos para me incentivar a me acostumar com a ideia de eu ir para a escola nova, disse que seria tudo novo, e que o novo é algo bom para aprendizados em nossa vida, para sairmos da nossa zona de conforto.
Nunca fui um menino de ter muitos amigos na escola, sempre fui o tipo de garoto com alvos desenhados no corpo quando se tratava de piadas de mal gosto. Eu sou o tipo de garoto que afasta as meninas, o que de maneira alguma me afeta porque o que eu gosto mesmo é de meninos, e se um tipo eu afasto, pelo menos espera-se que o outro eu consiga atrair.
Mamãe sempre disse que eu sou lindo com meu cabelo ondulado meio bagunçado, e dizia que meninas amavam olhos como os meus, e se elas curtiam, pelo menos torço para que meninos curtem também.
Perdido em meus pensamentos como de costume, escutei meu nome ser chamado. Joana e eu levantamos e caminhamos até a cadeira de frente do balcão. Do outro lado da parede haviam duas mulheres: uma loira e uma com o cabelo pintado de vermelho, o que até o final da minha vida não vou chamar de ruivo. Ambas pareciam muito simpáticas.
— Nicholas Andrade, correto? — uma delas perguntou olhando para mim, mas esperando a resposta vir de minha mãe.
Assenti com a cabeça em confirmação.
— Por favor o RG da senhora e do Nicholas, por agora.
Após observar todos o três grandes vasos de planta naquele ambiente branco como um hospital, decidi tomar um pouco de água, afinal eu sabia que a matrícula era minha, porém quando um adulto e um adolescente estão juntos, parece que só o adulto que pode fazer as coisas que são pedidas.
— Onde posso beber água? — perguntei sem me dirigir especificamente a uma só das mulheres.
Ninguém prestou atenção em mim, mas por sorte eu sempre fui bom em me virar sozinho, encontrar lugares sem a necessidade de pedir informações, e quando pedia, as perguntas sempre eram retóricas.
Andando nem quatro metros de distancia avistei um corredor logo na esquerda, e sem pensar duas vezes virei nele e logo depois enxerguei as portas de banheiro masculino e feminino, com um bebedouro na parede os separando. No final do corredor tinha uma porta dupla estofada vermelha, com círculos de vidro em ambas as portas permitindo a visão de dentro do local, que pela placa logo em cima das portas indicava ser o auditório da escola.
Andei até o bebedouro e bebi muita água. Quando comecei a voltar para a secretaria, me deu a óbvia vontade de usar o banheiro, e então fui para lá.
Logo de cara vi um menino lavando as mãos em uma das torneiras das pias, ele notou minha entrada e automaticamente me espiou pelo espelho. Naturalmente dei um sorriso simpático para não parecer mal-humorado e então escorreguei numa poça de água e cai como uma bola quando quica no chão. Toda aquela cena passou em minha cabeça como um vídeo em câmera lenta. Nunca tinha passado por algo tão constrangedor do qual eu me recordasse comparado com aquela cena.
O menino correu para me ajudar a levantar. Demorei um pouco para entender tudo que estava acontecendo. Foi estranho, rápido e devagar inexplicavelmente ao mesmo tempo. Eu estava rindo para poder passar por toda aquela situação embaraçosa.
— Caramba, você está bem? — o garoto com cabelos negros me perguntou rindo simpaticamente.
— Bem, eu poderia ter escorregado em cima de uma poça de xixi, certo? — respondi rindo ironicamente.
"Eu não acredito que eu respondi isso!", pensei.
— Tudo bem então! Toma cuidado na próxima vez... — ele concluiu finalmente virando-se para sair do banheiro, rindo baixo, mas o suficiente para que eu notasse.
E lá estava eu, de pé no meio do banheiro, parado e olhando para o nada, apenas tentando processar em minha mente tudo o que havia acontecido.
"Isso não pode se espalhar pelo resto da escola!", pensei. "Eu mal cheguei aqui e será que já terei algum apelido maldoso?".
Milhões de pensamentos sobre o que tinha acontecido e sobre minha futura reputação social naquela escola passavam em minha cabeça. O que me restava era esperar que aquele garoto tivesse um bom coração e mantivesse tudo aquilo como apenas um segredo nosso.
Após alguns minutos que pareceram horas, usei o banheiro e sai para reencontrar com minha mãe.
Quando cheguei na secretaria novamente, mamãe estava sentada nos bancos de espera mexendo no celular esperando pela minha volta. Antes mesmo que eu pudesse me aproximar e avisar que havia voltado, ela levantou como se tivesse sentido que eu estava retornando e me olhou sorrindo.
"Ai meu Deus! Será que aquele garoto contou para ela que eu cai no banheiro? Será que ela está sorrindo porque deve estar me imaginando cair no banheiro? Pera aí, existe alguma possibilidade do menino saber que ela era minha mãe e ter contado para ela?"
Bloqueei meus pensamentos, afinal, nada de pior poderia acontecer, certo?
— Sua matrícula está feita, querido!
O pior tinha acabado de acontecer. Uma coisa era sua mãe dizer que você iria para uma escola nova e nada mais, outra era você ter a certeza de que aquilo realmente iria acontecer, que você teria mesmo seu primeiro dia numa escola nova e que você não poderá fazer nada para mudar isso. Senti o frio na barriga que costumava sentir quando emoções de ansiedade e medo se misturavam dentro de mim, o que não costumava ser algo muito difícil.
"Será que aquele menino vai ser da minha sala? Será que ele vai me reconhecer e lembrar do que aconteceu no banheiro?", pensei sem conseguir evitar.
Tentei novamente bloquear meus pensamentos e sorri de volta para Joana. Ela queria muito mesmo mudar de bairro para que pudéssemos começar uma nova vida depois que papai nos deixou. Eu queria deixa-la feliz, então desde o início me fingi excitado para entrar logo na nova escola.
— Suas aulas começam daqui duas semanas Nick. Você precisa de calças novas não acha?
— Acho que sim. Por quê?
— Você não precisa mais usar a calça do uniforme, porém a única exigência é que ela seja jeans... Entretanto, a moça da secretaria disse que a camiseta do uniforme ainda é obrigatória, não tem o que fazer...
— Ok então... quando vamos?
— Pode ser na próxima semana? Tenho algumas entrevistas marcadas nesta aqui inteira...
Concordei e depois saímos pela entrada. Descemos algumas escadas de cimento beije um pouco sujas pelo tempo — lá era a fachada da escola —, fomos até nosso fusca e mamãe dirigiu até em casa.
Com a minha matrícula feita, agora eu tinha certeza de que eu iria mesmo para uma escola nova. Minha avó materna sempre dizia que o bom de sentir medo era que para que conseguíssemos finalmente parar de senti-lo, deveríamos enfrentá-lo. Este era o único jeito, e eu só conseguiria enfrentá-lo depois do primeiro dia de aula.
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O melhor ano do nosso colegial
Teen FictionNicholas é um garoto gay que acaba de sair da sua antiga cidade para viver uma aventura em São Paulo junto com a mãe Joana, que luta para encontrar um emprego e manter uma vida estável com o filho, logo após um trágico divórcio. O jovem amante de mú...