Capítulo 1

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Eu ando cansada disso tudo. De todos os dias as pessoas me perguntando se estou bem e eu tendo que responder que sim, eu estou bem! Porque sei que o mundo continua sendo mundo, mesmo quando estamos feridos, não mandamos no que sentimos, mas ainda podemos viver com a dor.
O problema é que o mundo só faz sentido quando estamos bem, fora desse contexto tudo parece e permanece em caos. A vida não é fácil, não é nada fácil. Odeio ser o exemplo disso, mas é apenas a verdade.

Quando eu tinha sete anos lembro de acordar no hospital. De repente o meu pai estava morto, ele havia partido em um acidente de carro. Estávamos a caminho das nossas primeiras férias próximo ao mar. Eu não me lembro disso, tudo que sei é o que me contaram. Perdi completamente a memória equivalente a um ano anterior ao acidente.

Segundo o médico eu deveria demorar no máximo um ano para me lembrar de tudo.
Eu ainda não lembro de nada, dez anos se passaram e um ano da minha vida foi apagado completamente das minhas lembranças.

Mas existem coisas boas nisso tudo, ao menos eu tive a chance de conhecer meu melhor amigo pela segunda vez, por mais que não me lembre da primeira.

Me lembro o quão confuso ele ficou, mas com o passar dos anos ele entendeu. Éramos inseparáveis e finalmente estávamos no...

- Último mês de aula - pisquei pra Nien que sorriu e comemorou junto comigo.

Aquilo era tudo que eu tinha. Eu estava comemorando, mas por dentro meu coração se partia. Deixar a escola não seria fácil. Ali ocorreram os melhores momentos da minha vida e o fim daquilo nos separaria.
Sempre fomos nós dois contra o mundo, nada além e nada mais. Só de pensar que isso iria acabar por causa da faculdade, por causa do destino ou por qualquer outra coisa, me dava um enorme aperto no peito. Mas eu guardava pra mim, afinal, aprendi a guardar tantas coisas dentro de mim.

- Preciso ir, capitã - ele afirmou com seu sorriso mais insano.

Cretino!
- Pretende me trocar por quem hoje ? - semi serrei os olhos, ele...
- Eu odeio quando você faz isso - revirou os olhos.

Como eu estava tentando falar, ele odiava quando eu fazia aquilo

- Faço de propósito - rebati jogando o cabelo.
-Eu sei, eu sei - mostrou a língua ainda sorrindo - mas é sério, ordens da capitã suprema.

- Tia Suzi - Revirei os olhos e ele apertou minhas bochechas.
- Te pego ás oito capitã - piscou - não esquece que eu te amo - gritou enquanto corria até o carro, chamando a atenção de todos ao nosso redor.
- Eu também te amo - sussurrei sorrindo mesmo sabendo que ele não conseguiria mais ouvir. Tinha uma certeza: minhas bochechas estavam coradas.

Era sexta feira, dia da sorvetada.

Ótimo, dia de engordar um pouquinho.

~

Era a oitava ligação da noite e já passavam das oito e meia. Ele não me atendia e eu só conseguia ficar mais aflita.

- Mas que droga - todos os meus livros, um a um começaram a voar até a parede.
E então ouvi passos correndo pela escada.
-Eny ? Eny meu amor está tudo bem ?

Suspirei, não era ele.

- Está mãe - me joguei na cama e pude observar sua cilueta se aproximar.

Seu rosto estava tão pálido, ela parecia ter visto um fantasma.

- O que aconteceu ? - levou a mão ao peito - você não pode me assustar assim - suspirou e sentou na cama ao meu lado.
-Desculpa - sentei e bufei - o Nien nunca me dá bolo, estou preocupada.

Ela me olhou com aquele olhar de pena que eu tanto odeio.

- Quer que eu ligue para a Suzi ? - ela acariciou meu cabelo, bastava um toque dela para me acalmar.

Nunca tive muitos amigos, sempre fomos eu, minha mãe e o Nien. Só eles tinham esse poder de me acalmar.

- Por favor - me joguei novamente na cama e a observei sair.

Minha mãe voltou alguns minutos depois. Falou que a tia Suzi teve que resolver um casamento de última hora e precisou do Nien.
É, se não contei, a tia Suzi trabalha com eventos. Mas algo no tom de voz da minha mãe e o fato da tia Suzi saber que nossa sorvetada era sagrada, me fez não acreditar completamente naquilo.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora