Vasculhei cada lugar naquele quarto.
Nada.
Eu jurava ter deixado no criado mudo, ou ter guardado aquela carta junto com as outras, mas ela não estava na caixa.
Procurei por entre os livros, dentro deles, na cama, abaixo dela, até no banheiro eu tive a maluca ideia de procurar, mas nada.
Não estava em lugar algum.
Ouvi a porta abri e dei um pulo de susto.
- Ai mãe - levei a mão até o lado esquerdo do peito - quer me matar do coração ?
Seu semblante era de pura confusão. Ela permaneceu com a mão na maçaneta observando a bagunça por alguns segundos até focar os olhos em mim.
- O que você tá fazendo? Não estava dormindo? Chegou uma visita e...
- Eu sei - a interrompi - eu sou um ser humano horrível, fingi que estava dormindo sim!
Ignorei seu olhar de reprovação e continuei a vasculhar mais uma vez a caixa das cartas. A esse ponto meu quarto já estava de cabeça para baixo.
- Mas afinal, o que tanto você procura?
Parei de procurar e suspirei. Não era possível que as coisas sumissem quando eu mais precisava delas.
- Uma das cartas do Nien, a última que ele me mandou - a encarei por um momento, ela ergueu a sobrancelha, queria que eu especificasse - aquela do meu aniversário.
Revirei os olhos e voltei a atenção para a caixa.
- Ahh, eu lembro dela, você não a jogou fora?
- Não, eu coloquei ela nessa droga de criado mudo e simplesmente desapareceu.
Sentei na cama frustrada.
Era o fim, eu nunca descobriria a verdade.
- Já está tarde, meu amor. Que tal você dormir e amanhã procurar um pouco mais? Seu ônibus só vai sair às onze horas, estava vindo aqui te contar isso.
Suspirei e dei de ombros.
Não havia mais nada que eu pudesse fazer mesmo.
- Se eu ao menos conseguir dormir.
Minha mãe caminhou até mim se esquivando de toda a bagunça e sentou ao meu lado.
- Eu sei que o que eu vou dizer pode ser a coisa mais idiota do mundo, mas tente não pensar muito nisso, quanto mais você pensar mais difícil vai ser para dormir, ou tentar. - ela deu de ombros.
A olhei.
- E tem como não pensar? Naquela carta havia a resposta para todas as minhas perguntas mas eu fui teimosa e orgulhosa demais para pelo menos me dar a chance lê-la.
Ela segurou minha mãe e a acariciou.
- Filha, você não pode mais fazer nada, no mínimo tentar acha-lá para encontrar suas respostas, mas do jeito que você está não vai conseguir encontrar nada - ela beijou minha testa e levantou. - Só tente dormir, ok?
Assenti, a observei sair e fechar a porta.
Estava sozinha novamente e não havia nada no mundo que eu queria mais do que encontrar aquela bendita carta.
Joguei tudo que estava na cama para o chão e deitei tentando fazer o que mamãe me pediu.
Passei a noite inteira acordada.
Parte de mim quis levantar e continuar procurando até não ter mais forças, mas minha cabeça estava tão cheia de perguntas que não sobrava espaço nem para procurar as respostas.
Encarei o teto por várias horas imaginando o que o Guilherme estaria fazendo: me culpando por ter estragado seu jogo ou se culpando por ter decidido fazer parte desse dele? Achando que eu o odeio ou simplesmente tendo certeza, mesmo que nem eu mesmo tenha certeza disso?
As coisas continuam muito confusas em minha cabeça, começaram a embaralhar as cartas rápido demais quando eu ainda nem estava preparada para o jogo, fiz as pazes com meu melhor amigo em uma noite e na manhã seguinte ele não estava mais comigo em vida, fiz um novo amigo em uma semana e na outra a vida decidiu que ele não estaria mais comigo, ou as próprias escolhas dele fizeram isso.
Mas afinal o que dura para sempre e quanto vale um para sempre? Se nem a vida é eterna nada mais é, não é mesmo? Os amigos se vão, sejam em vida ou em morte. Os momentos passam, sejam eles bons ou ruins. O mundo continua girando, seja ao nosso favor ou não. No final só nos resta nos conformar com o que ainda temos e tentar entender que não teremos isso para sempre, por mais difícil que seja, por mais negativo que pareça, se preparar para o fim ainda é a melhor opção.
Quando acordei do côma quando criança eu não tinha proporção nenhuma do que estava acontecendo e do quanto aquilo me abalaria. Perder meu pai doeu demais, mas não estar preparada para perde-lo doeu mais ainda.
VOCÊ ESTÁ LENDO
"Eu estou bem."
Mystery / ThrillerO sonho de toda garota é viver um romance, o de Eny Clar é apenas não viver o drama que é sua vida. Quando criança Eny perdeu o pai e um ano de sua memória em um acidente de carro, mas conheceu seu melhor amigo pela segunda vez. Até então aquilo par...