Já era noite quando me peguei encarando a janela do Nien com um sorriso bobo nos lábios.
As coisas estavam mais leve que nos últimos dias, haviam mais sorrisos verdadeiros no lugar das lágrimas e o mundo parecia conspirar a meu favor naquele momento.
Agradeci por estar bem, ou por pelo menos achar isso.
Então alguém bateu na porta.
- Entra.
Era minha mãe e logo depois dela vi também a tia Suzi.
- Tia - corri para abraça-la e ela me apertou forte. Fazia tempo que não nos víamos.
- Você cresceu, Eny?
- Acho que eu não cresço mais - sorri e me afastei - estava sumida, você está bem?
- Melhorando ou tentando - ela sorrio - passei um tempo na casa da minha mãe, me fez bem.
- Fico feliz - sorri para ela - e o tio?
- Está organizando tudo para mudança, já deve esta chegando.
Nesse momento a mamãe bateu com o cotovelo na tia e ela pareceu lembrar que não tinha me contado absolutamente nada sobre isso.
- Mudança? - ergui uma das sobrancelhas.
- Desculpa meu amor, eu esqueci completamente que não tinha te contado. Eu e seu tio resolvemos ir morar no interior, tentar recomeçar, é difícil ficar aqui.
Ficamos em silêncio por alguns segundos e ela parecia aflita por uma resposta. Então voltei para minha janela e passei a encarar a janela do meu Nien novamente.
- Eu entendo - dei um meio sorriso ainda com os olhos fixados na janela - É difícil mesmo ficar aqui, mas ás vezes encarar essa janela me faz um bem. Passa um filme sabe? - ouvi ela suspirar - É como se de alguma forma ele ainda estivesse ali.
Meu coração estava acelerado e perdi o fôlego por um segundo, vi uma claridade em meus olhos e ouvir barulhos de bip, como quando acordei no hospital, mas passou. Respirei fundo e me recostei na janela quando notei a tia se aproximar.
- Ei, ta tudo bem?
Sorri para ela e consegui me sentir firme sobre os pés.
- Está sim, só uma tontura. - a encarei e o semblante de preocupação ainda estava em seu rosto. Mudei de assunto. - Espero que fique bem no interior, de verdade.
- Eny, você esta realmente bem?
- Estou bem, relaxa tia.
Revirei os olhos sorrindo, a abracei e pude ouvi-la sussurrar:
- Tive tanto medo de que me odiasse pra sempre.
- Eu seria incapaz de odiar você.
Dois dias depois o caminhão de mudança foi embora, levando toda uma vida de encontro á uma nova.
Quando dei tchau e vi olhos cheios de lágrimas da tia no retrovisor, respirei fundo. Era realmente a hora de seguir em frente.
Encarei meu pequeno anel e olhei para o jardim da antiga casa dos Stiu, a antiga casa do meu melhor amigo. Lembrei do nosso casamento de mentira e de tudo que o Nien fez por aquele anel. Ele precisou abrir mão do futebol com os amigos por uma semana pra ajudar o pai e conseguir o necessário para o anel que na época custou cinco reais.
"Casamos" apenas oito meses após meu acidente, em uma bonita manhã de domingo. Lembro que mamãe fez bolo de cenoura e a tia Suzi colocou uma roupa bonita no Nien. Lembro do meu vestido branco com rosinhas verde água e do sorriso bobo da mamãe por eu ter pedido para vesti-lo. Eu não gostava muito de vestidos na infância.
Mas nos casamos escondido, no porão da casa dele, depois de ter comido dois pedaços de bolo porque a fome estava muito grande para esperar para depois da cerimônia e porque crianças não se importavam com isso.
Nossas testemunhas foram dois quadros velhos, três ursinhos de pelúcia e uma Barbie. Nossa cerimônia durou só três minutinhos. Ele colocou o anel no meu dedo, dissemos sim um para o outro e ele beijou minha testa com um dos sorrisos mais bonitos que vi do Nien. Depois fomos correr no jardim de mãos dadas e sujamos toda a nossa roupa quando caímos na grama e gargalhamos até não conseguirmos mais respirar.
Mamãe ficou brava pela sujeira, mas ainda assim aquele foi um dos melhores momentos da minha vida.
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"Eu estou bem."
Mystery / ThrillerO sonho de toda garota é viver um romance, o de Eny Clar é apenas não viver o drama que é sua vida. Quando criança Eny perdeu o pai e um ano de sua memória em um acidente de carro, mas conheceu seu melhor amigo pela segunda vez. Até então aquilo par...