Capítulo 32

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 Já era noite quando me peguei encarando a janela do Nien com um sorriso bobo nos lábios.

 As coisas estavam mais leve que nos últimos dias, haviam mais sorrisos verdadeiros no lugar das lágrimas e o mundo parecia conspirar a meu favor naquele momento.

 Agradeci por estar bem, ou por pelo menos achar isso.

 Então alguém bateu na porta.

- Entra.

 Era minha mãe e logo depois dela vi também a tia Suzi.

- Tia - corri para abraça-la e ela me apertou forte. Fazia tempo que não nos víamos.

- Você cresceu, Eny?

- Acho que eu não cresço mais - sorri e me afastei - estava sumida, você está bem?

- Melhorando ou tentando - ela sorrio - passei um tempo na casa da minha mãe, me fez bem.

- Fico feliz - sorri para ela - e o tio?

- Está organizando tudo para mudança, já deve esta chegando.

 Nesse momento a mamãe bateu com o cotovelo na tia e ela pareceu lembrar que não tinha me contado absolutamente nada sobre isso.

- Mudança? - ergui uma das sobrancelhas.

- Desculpa meu amor, eu esqueci completamente que não tinha te contado. Eu e seu tio resolvemos ir morar no interior, tentar recomeçar, é difícil ficar aqui.

 Ficamos em silêncio por alguns segundos e ela parecia aflita por uma resposta. Então voltei para minha janela e passei a encarar a janela do meu Nien novamente.

- Eu entendo - dei um meio sorriso ainda com os olhos fixados na janela - É difícil mesmo ficar aqui, mas ás vezes encarar essa janela me faz um bem. Passa um filme sabe? - ouvi ela suspirar - É como se de alguma forma ele ainda estivesse ali.

 Meu coração estava acelerado e perdi o fôlego por um segundo, vi uma claridade em meus olhos e ouvir barulhos de bip, como quando acordei no hospital, mas passou. Respirei fundo e me recostei na janela quando notei a tia se aproximar.

- Ei, ta tudo bem?

 Sorri para ela e consegui me sentir firme sobre os pés.

- Está sim, só uma tontura. - a encarei e o semblante de preocupação ainda estava em seu rosto. Mudei de assunto. - Espero que fique bem no interior, de verdade.

- Eny, você esta realmente bem?

- Estou bem, relaxa tia.

 Revirei os olhos sorrindo, a abracei e pude ouvi-la sussurrar:

- Tive tanto medo de que me odiasse pra sempre.

- Eu seria incapaz de odiar você.


 Dois dias depois o caminhão de mudança foi embora, levando toda uma vida de encontro á uma nova.

 Quando dei tchau e vi olhos cheios de lágrimas da tia no retrovisor, respirei fundo. Era realmente a hora de seguir em frente.

 Encarei meu pequeno anel e olhei para o jardim da antiga casa dos Stiu, a antiga casa do meu melhor amigo. Lembrei do nosso casamento de mentira e de tudo que o Nien fez por aquele anel. Ele precisou abrir mão do futebol com os amigos por uma semana pra ajudar o pai e conseguir o necessário para o anel que na época custou cinco reais.

 "Casamos" apenas oito meses após meu acidente, em uma bonita manhã de domingo. Lembro que mamãe fez bolo de cenoura e a tia Suzi colocou uma roupa bonita no Nien. Lembro do meu vestido branco com rosinhas verde água e do sorriso bobo da mamãe por eu ter pedido para vesti-lo. Eu não gostava muito de vestidos na infância.

 Mas nos casamos escondido, no porão da casa dele, depois de ter comido dois pedaços de bolo porque a fome estava muito grande para esperar para depois da cerimônia e porque  crianças não se importavam com isso.

 Nossas testemunhas foram dois quadros velhos, três ursinhos de pelúcia e uma Barbie. Nossa cerimônia durou só três minutinhos. Ele colocou o anel no meu dedo, dissemos sim um para o outro e ele beijou minha testa com um dos sorrisos mais bonitos que vi do Nien. Depois fomos correr no jardim de mãos dadas e sujamos toda a nossa roupa quando caímos na grama e gargalhamos até não conseguirmos mais respirar.

Mamãe ficou brava pela sujeira, mas ainda assim aquele foi um dos melhores momentos da minha vida.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora