E eu tive uma tarde incrível, onde sorrisos sinceros foram entregues e momentos únicos foram escritos naquele livrinho da vida onde cada momento é guardado. Mas a noite chegou e junto com ela o frio já conhecido dentro de mim, a falta de algo, a falta de alguém. Eu tentei distrair, passei alguns minutos no telefone, até da cozinha tentei cuidar, mas tudo insistia em voltar até ele, tudo insistia em me atormentar. O estranho mesmo é que com o passar do tempo as coisas pareciam ficarem piores, mas de um modo mais fácil.
Faz algum sentido? Com toda certeza não! É como a dor de arrancar um band aid, sabemos que vai doer, mas que uma hora vai passar. Porém só quem já sentiu essa dor sabe como ela é. Só quem já chorou tanto que com o passar do tempo nem lágrimas mais haviam, sabe como é sentir essa tortura. A tortura de uma dor que parece que não vai passar, a tortura de ter que ouvir as pessoas repetirem que isso um dia vai amenizar e isso não acontecer. Então lutamos e colocamos toda a nossa fé nisso, a fé de que um dia tudo irá melhorar, sabemos que nunca iremos esquecer, mas temos fé que um dia possamos lembrar sem tanta dor.
No dia seguinte fui caminhar com o Gui, parece que o sol conseguia mudar totalmente o meu humor.
- Sabe o que eu estava pensando? - ele disparou enquanto eu tentava amarrar o cadaço do meu tênis. E não, eu não tinha a mínima ideia. Será que seria sobre o quanto meu cabelo precisa de uma hidratação?
- Minha bola de cristal quebrou, tente novamente mais tarde. - Com o tênis amarrado me voltei para ele.
- Já pensou em ser humorista, senhorita Eny?
- Na verdade já, eu e o Nien costumávamos falar sobre isso.
E foi incrível como falar sobre o Nien foi fácil naquele momento.
- Mas me fale sobre o que pensava.
- Exatamente nisso.
- Em eu tentar ser humorista? Eu estava zoando, nem sou tão boa nisso e...
Ele sorriu e me interrompeu.
- Não nisso, no Nien.
Quê?????
- No Nien? Por que no Nien?
- Calma, não nele, mas na amizade de vocês, em sei lá, você nunca me contou muito.
- Você quer saber da minha amizade com o Nien?
Por que meu Deus? Por que ele tinha que tocar nesse assunto?
- Apesar de não saber muito, sei que foi bonita, e se estiver disposta a me contar serei um bom ouvinte.
Fiz uma careta e suspirei. Eu não esperava falar sobre isso.
- Pra começar, cada árvore, cada casa ou local desse bairro me lembra a ele.
- Tipo tudo? - ele arregalou os olhos, parecia surpreso.
- Tipo tudo! - sorri para ele e prossegui - Você notou a árvore em frente a minha casa.
- Aquela com umas florzinhas rosa?
- Essa mesmo! Eu e o Nien a plantamos quando tínhamos nove anos. Ah - sorri e apontei para outra árvore mais a nossa frente, ela era antiga e tinha algumas flores azuis - nós escrevemos nossas iniciais naquela ali, acho que tínhamos uns onze anos.
Então nos aproximamos dá árvore e podemos notar que em todo o tronco estava rabiscado com pequenas iniciais e várias caligrafias diferentes.
- Fomos os primeiros - expliquei enquanto ele observava - depois de nós várias pessoas começaram a fazer o mesmo, como símbolo de amizade ou um amor mais intenso - sorri e passei a mão por cima de nossas iniciais. Elas continuavam lá, com a caligrafia de alunos do quinto ano, ficando mais clara com o passar do tempo, mas com o mesmo significado e com o amor na mesma intensidade.
- Isso virou um símbolo, vocês criaram algo juntos, isso é muito legal!
- Nós criamos tantas coisas juntos, demos significados a coisas tão banais aos olhos de quem apenas olha com os olhos e não com o coração.
- Ele era importante pra você, não é?!
- Talvez a pessoa mais importante da minha vida, depois da minha mãe. Todos os momentos que vivi com ele são únicos e sempre estarão guardados em mim.
- Eu gostaria de ter conhecido ele.
- E eu gostaria de ter feito vocês se conhecerem, mas a vida é cheia de reviravoltas estranhas a qual ninguém está acostumado.
- Se importa se eu colocar minha inicial aqui?
- Eu? Claro que não, pode ficar totalmente a vontade.
Então ele pegou uma pedra e começou a rabiscar a árvore em um lugar que achou vazio.
Primeiro um "G", depois um pequeno coração e um "E".
- Um "E"?
- Sim um "E"! - Ele virou pra mim com um sorriso no rosto.
Não fui capaz de falar uma palavra.
- Não Eny, não se ache tanto, não é pra você. Até poderia ser, mas eu não deixaria você pensar que era.
- Ah, então sua namorada se chama Emma?
Brinquei.
- Não, na verdade a minha mãe se chamava.
Merda, assunto delicado demais. Com tantos nomes com "E" como pude ir certeiro no nome da mãe dele?
Ele sorrio e jogou a pedra no pequeno lago.
- Você ta me zoando né?! O nome dela era mesmo Emma?
- Podemos dizer que sim e de onde você tirou essa namorada?
- Ah sei lá, normalmente são amigos ou namorados que colocam aí.
- Você falou amizades ou amores mais intensos e coloquei o amor mais intenso que já senti na vida, o amor pela minha mãe.
Ele piscou pra mim sorrindo e voltou a correr.
O segui.
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"Eu estou bem."
Mystery / ThrillerO sonho de toda garota é viver um romance, o de Eny Clar é apenas não viver o drama que é sua vida. Quando criança Eny perdeu o pai e um ano de sua memória em um acidente de carro, mas conheceu seu melhor amigo pela segunda vez. Até então aquilo par...