Capítulo 23

80 10 0
                                    

 "Curtiu a balada capitã? (Aquela carinha) Espero que tenha ao menos dançado uma música... 

 Não?..

 Imaginei.

 Sabemos o quanto odeia aquele lugar e o quanto odiava quando eu te deixava só pra ir lá, mas sejamos sinceros, lá tem umas garotas muito bonitas não acha? Não precisa responder... calma, xinga mas não ofende.

 Mas pensa comigo, aquilo era só curtição, não tinha que ficar com raiva por eu ir lá, sabe que você é a coisa mais importante da minha vida (só estou falando isso por estar morto, não vou ver você se gabando depois mesmo). Não acredita? Então tá.

 Lembra quando ficou doente e insistiu umas mil vezes para eu sair e eu decidi ficar com você vendo pela milésima vez aquele filminho de romance que era um saco?!

Ou da vez que quebrou a perna e precisou de uma babá (essa é a vantagem de estar morto, não vou levar uns tapas por dizer umas verdades) por dias e eu fiquei pra cuidar de você?!

 Olha aí como te amo e como é mais importante do que belas garotas, em belos vestidos, dançando no meio daquela bela pista de dança... tá bom... já parei.

 Aquilo era divertido para mim e mesmo sabendo que odiava aquele lugar e preferindo que não fosse lá, escolhi deixar uma das cartas lá para que ao menos tivesse um motivo para se arrumar e sair de dentro do quarto. Não posso e não consigo, de forma alguma, te imaginar sempre do mesmo jeito.

Espero que á essa altura, já tenha encontrado novos motivos para sorrir, novos motivos para viver... e se não encontrou, já passou da hora de procurar.

 Há uma vida lá fora, há um mundo a ser descoberto. Seja livre, seja forte e acima de tudo seja feliz. Não se afunde sozinha e se afundar, aprenda a se reerguer.

 Sua mãe deve ter algo para te dar. Não a odeie por me ajudar, tive que insistir bastante. 

Eu te amo pra sempre.

- Do seu fantasma, Nien."

 A cama não pareceu tão confortável aquela noite. Dei pequenos cochilos perturbados que eram interrompidos a menor folha que caísse ao chão. Encarei por um momento o relógio na parede que marcavam quinze para ás três da madrugada e levantei.

 Olhei para penteadeira e pude ver a pequena caixinha que tinha chegado no dia anterior ainda fechada. Não queria abrir, não queria obedecê-lo. Depois da carta anterior decidi que não queria nem ser feliz um dia, só porque ele sugeriu que eu tentasse. Peguei a pequena caixinha e guardei na gaveta.

 Na manhã seguinte não saí da cama. Mamãe colocou a cabeça algumas vezes na porta para perguntar se eu estava bem, ou se queria algo, então apenas respondia que "não, obrigado, estou bem."

 E só então foi aí que notei minha rotina. Acordar, comer algo, correr, ler, dormir, ver TV, ler, chorar, dormir. Não na mesma ordem e nada com a mesma frequência, tinham dias que eu não corria, assim como tinham os dias que eu não dormia só uma vez. Mas nunca, em hipótese alguma, o dia terminava sem que eu derramasse ao menos uma lágrima, não havia um dia que não sentisse falta dele, não havia uma droga de dia em que a saudade não batesse e que eu quisesse encontrá-lo. Por duas vezes me peguei encarando o pequeno estilete que ficava em minha estante, algo me chamava, podia ouvir as vozes e ao contrário de que as pessoas pensam, a voz da morte é doce e sedutora.

 A única coisa que me mantém de pé, que me faz levantar da cama todos os dias e tentar viver é a minha mãe. Criei uma rotina para que ela parasse de se preocupar, comecei a correr para ela parar de reclamar que não saio do quarto, passei a ler na sala só para ela ter certeza que eu não estava no quarto chorando. Mas ela também sabe que é uma falsa ilusão, ela ouve meus gritos de desespero quase todas as noites quando acordo dos pesadelos, ela vê meu rosto todo vermelho ou o meu nariz tomate - como dizia o papai - quando desço para pegar um copo d'água e esbarramos no corredor. Virou tão comum, que ela apenas passou a fingir comigo e eu agradecia. Era bom não ter perguntas, não ser interrogada toda manhã quando acordava, era realmente bom não ter que dar explicações. A resposta estava na minha testa, quase literalmente.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora