Capítulo 34

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 Cheguei em casa decidida em sair daquela cidade e bufei quando a mamãe disse não pela segunda vez. Ela não notou minha cara de choro ou se notou não quis comentar.

 - Mas mãe, eu não aguento mais ficar aqui, só queria ir pra longe, a vovó não vai se importar se formos pra lá, por favor.

 O nó em minha garganta estava quase me matando, mas não deixei que as lágrimas viessem novamente.

 Minha mãe continuou balançando a cabeça, dizendo que não iria comigo e nem me deixaria ir.

 - Eny, meu amor, seja lá o que tenha acontecido, fugir não vai te ajudar.

 Eu quase sorri.

 - Seja lá o que tenha acontecido? - a encarei. É sério que ela estava mesmo dizendo aquilo? - eu perdi o meu melhor amigo a poucos meses, fiquei aqui, aguentei minhas dores e você simplesmente diz que "seja la o que tenha acontecido" - enfatizei as aspas com os dedos - eu não posso fugir? Mãe, presta atenção, você acha mesmo que eu estou tentando fugir?

 Tentei a convencer, mas a verdade é que eu não convencia nem a mim mesma. Eu queria ir embora dali, não queria ver o Guilherme, nem ouvir mais nenhuma de suas mentiras patéticas. Talvez eu estivesse mesmo fugindo, mas até que demorei tempo demais pra fazer isso, assim como a tia Suzi.

 A tia Suzi!

 Claro!

 - E se eu fosse pra o interior? Pra casa da tia Suzi, você poderia vir comigo e nós passaríamos... sei lá, uma semana por lá.

 Dessa vez ela não disse que não, mas também não disse que sim.

 Aquele silêncio era uma tortura.

 - Vamos lá, mãe. Por favor, faz isso por mim, só quero ficar longe de algumas lembranças.

 Ela ergueu as sobrancelhas.

 "Ficar longe de algumas lembranças"

 Eu conseguia ser tão insana as vezes. Como iria ficar longe das lembranças do Nien junto da mãe dele?

 Mas talvez a questão, dessa vez, não fosse o Nien.

 - Você ouviu o que acabou de falar, meu bem? - ela continuava com aquele olhar de "Sério??".

 - Não os pensamentos no Nien - suspirei por alguns segundos - outros pensamentos - a encarei - outros, entende?

 - "Outros" seria o Guilherme?

 Bufei.

 - Okay, se não quer me deixar ir, tudo bem. Estarei no meu quarto.

 Virei decidida a subir até ele, mas voltei ao ouvir sua voz.

 - Calma Eny, não precisa disso. Eu deixo você ir pra casa da Suzi, só estava tentando entender os seus motivos.

 Sorri largo, talvez largo demais.

 - Sério? - me virei para minha mãe e ela suspirou tentando não sorrir, enquanto revirava os olhos - você vem comigo?

 - Não posso, tenho umas coisas pra fazer.

 Foi minha vez de erguer as sobrancelhas.

 - Você quer mesmo que eu desista de te deixar ir, não é? - ela sorriu.

 - Não, não. Desculpa, claro que você deve ter um monte de coisas pra fazer.

 A abracei apertado, foi o meu obrigada.

 - Vou ligar pra Suzi e você vai amanhã se ela concordar. - mamãe acariciou meu cabelo e pude me sentir bem novamente.

 - Obrigada - sussurrei e me afastei de seus braços - acho que vou arrumar uma mochila.

 Sorri e subi as escadas correndo, era hora de dar um tempo naquilo tudo.

 Arrumei a mochila com o básico: roupas, alguns agasalhos para o possível frio, roupas íntimas, os dois últimos livros de uma trilogia, enquanto deixei o primeiro no criado mudo para ler antes de dormir.

 Antes mesmo de fechar a mochila, mamãe bateu na porta e disse que por tia Suzi tudo bem eu ir passar um tempo com ela, mas seus olhos pareciam entristecidos.

 Fingi que não percebi.

 Então fui para o banho. Tirei a calça e o moletom cinza que por algum motivo escolhi mais cedo. Liguei o chuveiro e deixei a água morna escorrer por alguns segundos antes de ir até ela.

 Conseguia sentir que havia algo de errado, mas não sabia o que era. A cada suspiro que dava, o vazio no meu peito parecia aumentar e não diminuir como deveria acontecer.

 Deixei que a água vasculhasse cada pedacinho da minha mente e queria que de algum modo ela a concertasse, o que obviamente não aconteceu.

 O peso dos meus dias estavam me matando, e a rotina que criara tinha deixado de ajudar fazia tempo.

 Respirei fundo.

 Levei as mãos jogando todo o meu cabelo pra trás, deixando finalmente a água escorrer totalmente pelo meu rosto, então percebi que junto a ela haviam lágrimas, lágrimas que eu nem lembrava de ter permitido deixar escapar, então as ignorei, como sempre fazia.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora