Capítulo 14

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 Eu não fui ao velório do papai, quando acordei do côma ele já não estava mais conosco. Sinto que falta algo em mim por isso, eu não pude dar o último adeus a ele e por algum motivo não queria dar ao Nien. 

 Era domingo e o dia estava chuvoso, eu era apenas uma sombra a mais no mundo, uma pessoa qualquer no meio de tantas, parecia um fantasma sendo arrastada para enterrar outro. Não haviam mais lágrimas, os óculos escuros escondiam minhas olheiras e o vestido preto de manga longa escondia a vermelhidão em meus braços. Eu era incapaz de falar uma só palavra, apenas assentia quando os nossos "amigos" se aproximavam com toda aquela ladainha de "sinto muito". A verdade é que eles nem se importavam, estavam ali apenas para cumprir tabela. Eu sim sentia muito, sentia tudo, por todo mundo. A dor em mim se multiplicou ao ver seu túmulo se fechando e as lágrimas voltaram a aparecer. Sua mãe parecia conformada. Ela ja sabia. Assim como a minha. Eu era a única idiota a não saber de nada e quando finalmente percebi aquilo, sai devagar, sem direção, orando pra ninguém me seguir.

 Minhas preces foram atendidas.

 Enquanto caminhava pelas longas estradas sozinha, passei a pensar sobre a morte. É algo inesperado, não sabemos a hora ou quem será o próximo, é uma coisa totalmente aleatória e por isso é atormentador. Pode ser que morramos em dois segundos, duas horas ou duas décadas. É relativo e isso me assombra. Como vivem dizendo "a única certeza da vida é a morte" e mesmo assim não estamos preparados para ela. Nos acostumamos com o bem e ignoramos que o mal existe, e que o maior deles, a morte, pode está escondido em qualquer lugar, até mesmo dentro de nós.

 Fui para casa dele, encontrei a chave reserva escondida por baixo do jarro e entrei. Era como um filme passando em minha cabeça, todos os nossos momentos, desde criança, vieram feito um furacão e destruiu o que ainda restava de mim. Seus porta retrato na estante, nossas fotos juntos, fotos com a Vic. Momentos que não voltariam, nem jamais se repetiriam.

 Como um imã fui levada até seu quarto onde mais lembranças brotaram. Um sorriso se fez em meu rosto quando vi a caixinha preta de papel, no mesmo lugar. Nossa caixinha de fotos.

 A peguei e sentei na sua cama que ainda exalava seu cheiro. Quando abri a caixinha a primeira foto que encontrei foi a que tinha sido tirada a quase dois meses antes, nossa última foto juntos e eu nem sabia que ela existia. Estávamos sujos de tinta pintando o porão da casa dele que havia passado por uma reforma. Os nossos sorrisos eram verdadeiros, largos e sinceros. A foto estava espontânea, a tia tirou sem que percebêssemos, uma das nossas melhores fotos e só a forma de como nos olhávamos mostrava o amor que nós sentíamos um pelo outro, era mágico. A fotografia em si é mágica, é a única forma de guardar um momento para sempre e aquele estava guardado.

 Outras fotos me trouxe lembranças e me arrancaram sorrisos, como a foto em que ele estava todo sujo de lama na escola, aquela eu mesmo havia tirado ou a foto no nosso banquinho em frente a casa dele que fora tirada uns anos atrás. Até que a caixa ficou vazia e eu percebi que aquele era o fim. Tinha realmente chegado ao fim.

 Uma brisa soprou de sua janela, seu cheiro me envolveu mais uma vez e por um segundo achei que ele estivesse ali comigo.

 Mas não estava.

 Deitei, abracei seus lençóis que ainda estavam bagunçados e lutei para que o sono viesse.

 Ele veio.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora