Algo me levou de volta a aquela praça e algo em mim se negou a entrar na floresta. Estava escuro, frio e as lágrimas em meu rosto pareciam não ter mais fim. Ouvi um barulho e me assustei.
Alguém estava vindo.
Respirei fundo e sequei as lágrimas.
Era ele. De novo.
- Hey - Guilherme falou ao me ver - Isso está virando rotina - sorrio, mas quando focou em meu rosto seu semblante era de preocupação - você está bem?
- Estou - menti.
- Tem certeza? Você estava chorando?
- Eu estou bem, me deixa.
Me afastei, como fazia com todos.
Ele me seguiu.
- Não é um dia fácil pra nós então.
Parei e me virei para ele.
Parece que não era só eu que tinha problemas e finalmente eu tinha percebido isso.
Ele sorriu de leve e desviou os olhos dos meus encarando o chão.
- Você está bem? - perguntei.
Eu odiava aquela pergunta, ainda odeio, ela é tão vazia, você nem se importa com a resposta, ela é feita por educação ou mera necessidade em puxar assunto.
- Com problemas, mas vivendo e você? Me responda a verdade dessa vez.
Suspirei. Era difícil admitir minha fraqueza.
- Eu nem sei qual foi a última vez que estive bem.
- Quer me contar o que aconteceu, Eny?
- Você descobriu meu nome - sorri fraco.
- Eu ainda sei contar e soletrar também - ele sorrio - mas você está tentando mudar de assunto, espertinha.
- Desculpa, não gosto muito de tocar no assunto.
- Tudo bem então, quer sentar e falar de qualquer coisa?
Dei de ombros e o observei indo até um dos bancos mais próximos.
- Você não vem?
Suspirei e me arrastei para ir sentar ao lado dele.
- Agora você pode começar a falar o motivo de suas lágrimas, mocinha. Não gosto de ver pessoas chorando.
- É melhor não.
- Do que vai adiantar guardar isso ai dentro?
- Do que vai adiantar colocar pra fora?
- Às vezes ajuda bastante, Eny. Mas você não precisa falar se não quiser.
Respirei fundo.
- Hoje é meu aniversário - baixei meus olhos e encarei minhas mãos que estavam sobre o colo.
- Ah, meus parabéns - pude ouvir a alegria de suas palavras se desmancharem em dois segundos - mas espera, esse é o problema?
- Um deles - suspirei ainda de cabeça baixa.
- Você não gosta de fazer aniversário? - ele levou o indicador até o meu queixo fazendo com que eu levantasse a cabeça.
- Eu não gosto é de perder as pessoas - seus olhos procuravam os meus, já os meus lutavam incessantemente para desviar dos dele.
- Começa a fazer sentido, sou péssimo com adivinhações.
- Eu perdi meu pai, perdi um ano da minha vida e perdi... - olhei para o céu na inútil tentativa de conter as lágrimas - meu melhor amigo.
- Eu sinto muito - ele suspirou. Não sabia mais o que falar.
- É, eu já ouvi isso milhares de vezes - sequei as lágrimas, aquilo não fazia parte do meu show.
- Eu sei, todo mundo fala isso, é normal. Também falam que com o tempo a dor vai passar e na verdade passa.
- Passa?
- O tempo, não a dor.
Chorei. Deixei as lágrimas fluírem e me senti ser envolvida por um abraço, fui incapaz de me negar, eu realmente precisava.
- Eu já perdi alguém que amo - o ouvir sussurrar - sei que não é fácil, na verdade ninguém me disse que ia ser. A única certeza que temos na vida é a morte e nós não estamos, nem nunca estaremos, prontos pra ela.
Me afastei e sequei novamente as lágrimas.
- Desculpa a pergunta, mas quem você perdeu?
- Minha mãe, á três anos.
- Perdi meu pai á onze anos, em um acidente, e meu melhor amigo á quase dois meses.
- Complicado.
- Muito - suspirei - você disse que estava em um dia difícil, quer contar o que houve?
Dessa vez foi ele quem suspirou.
- Meu pai e minha madrasta, eles brigam toda hora, nem se amam mais, devem estar juntos por aparência ou sei lá - ele deu de ombros.
- Ah, seu pai se deu uma chance ao menos, minha mãe se nega a encontrar alguém.
- Eu até gosto da minha madrasta, mas isso é um segredo nosso - sorrimos - mas às vezes penso que meu pai estava carente demais quando começou a namorar ela. Ele ainda carregava uma ferida enorme, semi-aberta, e achou que um band aid resolveria.
- Já a minha mãe está com uma ferida totalmente cicatrizada, mas acha que qualquer coisa pode à fazer sangrar novamente.
- Nos protegemos como achamos melhor.
- Ou tentamos.
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"Eu estou bem."
Mystery / ThrillerO sonho de toda garota é viver um romance, o de Eny Clar é apenas não viver o drama que é sua vida. Quando criança Eny perdeu o pai e um ano de sua memória em um acidente de carro, mas conheceu seu melhor amigo pela segunda vez. Até então aquilo par...