Capítulo 28

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 Algo me levou de volta a aquela praça e algo em mim se negou a entrar na floresta. Estava escuro, frio e as lágrimas em meu rosto pareciam não ter mais fim. Ouvi um barulho e me assustei.

 Alguém estava vindo.

 Respirei fundo e sequei as lágrimas.

 Era ele. De novo.

- Hey - Guilherme falou ao me ver - Isso está virando rotina - sorrio, mas quando focou em meu rosto seu semblante era de preocupação - você está bem?

- Estou - menti.

- Tem certeza? Você estava chorando?

- Eu estou bem, me deixa.

 Me afastei, como fazia com todos.

 Ele me seguiu.

- Não é um dia fácil pra nós então.

 Parei e me virei para ele.

 Parece que não era só eu que tinha problemas e finalmente eu tinha percebido isso.

 Ele sorriu de leve e desviou os olhos dos meus encarando o chão.

 - Você está bem? - perguntei.

 Eu odiava aquela pergunta, ainda odeio, ela é tão vazia, você nem se importa com a resposta, ela é feita por educação ou mera necessidade em puxar assunto.

 - Com problemas, mas vivendo e você? Me responda a verdade dessa vez.

 Suspirei. Era difícil admitir minha fraqueza.

 - Eu nem sei qual foi a última vez que estive bem.

 - Quer me contar o que aconteceu, Eny?

 - Você descobriu meu nome - sorri fraco.

 - Eu ainda sei contar e soletrar também - ele sorrio - mas você está tentando mudar de assunto, espertinha.

 - Desculpa, não gosto muito de tocar no assunto.

 - Tudo bem então, quer sentar e falar de qualquer coisa?

 Dei de ombros e o observei indo até um dos bancos mais próximos.

 - Você não vem? 

 Suspirei e me arrastei para ir sentar ao lado dele.

 - Agora você pode começar a falar o motivo de suas lágrimas, mocinha. Não gosto de ver pessoas chorando.

 - É melhor não.

 - Do que vai adiantar guardar isso ai dentro? 

 - Do que vai adiantar colocar pra fora?

 - Às vezes ajuda bastante, Eny. Mas você não precisa falar se não quiser.

 Respirei fundo.

 - Hoje é meu aniversário - baixei meus olhos e encarei minhas mãos que estavam sobre o colo.

 - Ah, meus parabéns - pude ouvir a alegria de suas palavras se desmancharem em dois segundos - mas espera, esse é o problema?

 - Um deles - suspirei ainda de cabeça baixa.

 - Você não gosta de fazer aniversário? - ele levou o indicador até o meu queixo fazendo com que eu levantasse a cabeça.

 - Eu não gosto é de perder as pessoas - seus olhos procuravam os meus, já os meus lutavam incessantemente para desviar dos dele.

 - Começa a fazer sentido, sou péssimo com adivinhações.

 - Eu perdi meu pai, perdi um ano da minha vida e perdi... - olhei para o céu na inútil tentativa de conter as lágrimas - meu melhor amigo.

 - Eu sinto muito - ele suspirou. Não sabia mais o que falar.

 - É, eu já ouvi isso milhares de vezes - sequei as lágrimas, aquilo não fazia parte do meu show.

 - Eu sei, todo mundo fala isso, é normal. Também falam que com o tempo a dor vai passar e na verdade passa.

 - Passa? 

 - O tempo, não a dor.

 Chorei. Deixei as lágrimas fluírem e me senti ser envolvida por um abraço, fui incapaz de me negar, eu realmente precisava.

 - Eu já perdi alguém que amo - o ouvir sussurrar - sei que não é fácil, na verdade ninguém me disse que ia ser. A única certeza que temos na vida é a morte e nós não estamos, nem nunca estaremos, prontos pra ela.

 Me afastei e sequei novamente as lágrimas.

 - Desculpa a pergunta, mas quem você perdeu?

 - Minha mãe, á três anos.

 - Perdi meu pai á onze anos, em um acidente, e meu melhor amigo á quase dois meses.

 - Complicado.

 - Muito - suspirei - você disse que estava em um dia difícil, quer contar o que houve?

 Dessa vez foi ele quem suspirou.

 - Meu pai e minha madrasta, eles brigam toda hora, nem se amam mais, devem estar juntos por aparência ou sei lá - ele deu de ombros.

 - Ah, seu pai se deu uma chance ao menos, minha mãe se nega a encontrar alguém.

 - Eu até gosto da minha madrasta, mas isso é um segredo nosso - sorrimos - mas às vezes penso que meu pai estava carente demais quando começou a namorar ela. Ele ainda carregava uma ferida enorme, semi-aberta, e achou que um band aid resolveria.

 - Já a minha mãe está com uma ferida totalmente cicatrizada, mas acha que qualquer coisa pode à fazer sangrar novamente.

 - Nos protegemos como achamos melhor.

 - Ou tentamos.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora