Capítulo 38

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- Eu definitivamente não acredito que você veio com esse vestido.

 Tia Suzi falava enquanto dirigia em uma velocidade que com certeza nos levaria presa, mas apenas ignorei. Ela já tinha repetido isso um milhão de vezes desde que entramos no carro.

"Eny, eu não acredito que você está com esse vestido."

"Eny, um vestido como esse não se usa de tênis."

"Eny, você deveria ao menos ter amarrado o cabelo."

"Eny, o Nien riria se te visse assim."

 Sinceramente?

 Eu tinha mais coisas a pensar. Ela não queria que eu levasse o vestido? Eu estava levando, problema resolvido.

Mas parece que pra ela não.

- Será que dá pra pelo menos fingir que o carro não está andando sozinho? - ela falou no seu tom de voz "sorte sua que não dá pra eu te dá uns cascudos".

 Suspirei.

- Nessa velocidade é definitivamente impossível não saber que é você quem está dirigindo - falei ainda sem a olhar, observando as nuvens se afastando e dando lugar ao sol.

 Finalmente.

 Um breve silêncio se fez até que ela resolveu o quebrar, como sempre.

- No que está pensando?

 Essa pergunta era boa e nem eu mesmo sabia, acho que em nada ou talvez em tudo. É difícil decifrar seus pensamentos​ quando eles estão uma bagunça.

- Na Vic.

 Eu realmente estava com saudades dela, ela era a única coisa que ainda me faria feliz esses dias.

- Ela adoeceu depois que perdemos o Nien - tia Suzi respondeu - achei que ela não fosse aguentar, mas ela foi forte - ela acariciou minha mão por um instante - igual você. - depois voltou a mão ao volante.

 A única coisa que eu não sou é forte - quis dizer, mas me calei, sabia que era mentira.

 Passei por coisas que não sei bem explicar o quanto me doeu, perdi pessoas que jamais saberei explicar o tamanho da importância delas na minha vida, mas ainda estou aqui, cheia das minhas cicatrizes, mas estou aqui.

 Então sorri o mais aberto que consegui, o que deve ter sido quase nada.

 Quando desci em frente a nova casa da tia Suzi os meus olhos se encheram de lágrimas. Ver que o nosso banquinho estava lá, que ela não tinha se desfeito dele, apesar de todas as lembranças que ele nos trazia, me deixou muito feliz. Logo depois ver a Vic na porta e a ver correndo até mim me fez chorar, de verdade.

 Minha coisinha pequena e peluda ainda era quase a mesma de sempre, mas com o mesmo fantasma no olhar cor do céu que todos nós tínhamos. Ela era a mistura de Husky siberiano e Golden Retriever, apesar de já ser velhinha nunca cresceu e seu pelo que era marrom está em um tom mais claro, quase bege.

 Eu sentia muita saudade dela, mamãe nunca me deixou ter um cachorro, mas eu entendia, ela tinha alergia.

 Quando o Nien ganhou a Vic eu quase não deixava ele brincar com ela e ele odiava que ela sempre o abandonava quando eu aparecia. Desde que ele havia partido eu ainda não tinha a visto e pude perceber a mudança não só no seu exterior, mas também em suas ações. Seu latido era mais baixo e tinha um tom triste apesar de eu saber que ela estava feliz em me ver. Os animais sentem como todos nós, talvez até mais.

 Por um momento, enquanto brincava com a Vic, consegui esquecer de tudo: da carta, da dor, da saudade, mas isso não durou muito tempo, eu tinha algo a resolver e precisava resolver logo.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora