Capítulo 17

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 Os dias foram passando, um atrás do outro e só ficava mais difícil.

Eu sempre me perguntava quando que aquele "vai passar" que tantas pessoas repetiram para mim passaria de verdade.

 Minha vida era dentro do quarto, sentada na cadeira encarando a janela dele, esperando ele aparecer, ou tentando me convencer de que aquilo não aconteceria. 

 Foi assim por uma semana.

 Acordava na cadeira, dormia na cadeira.

 Só saía de lá para ir no banheiro, mas nem banho eu conseguia tomar.

 Aquele era meu lar. Aquela se tornou a minha vida.

 Respirei fundo quando acordei em meio a um pesadelo, me segurei para não gritar. Estar em absoluta solidão já preocupava demais a minha mãe.

 Levantei da cadeira para ir no banheiro, mas meus olhos cravaram na caixinha onde estava a carta do Nien. Juntei todas as forças que achei que ainda tinha e peguei a mesma. Senti o geladinho do pingente e isso fez meu estômago revirar.

- Ainda não consigo - disse a mim mesma.

 Me contentei só com a carta.

 A carta estava gelada, assim como tudo dentro de mim.

 A abracei e deixei algumas lágrimas a molharem por um tempo, até que o choro cessou e por um momento voltei a realidade.

 Eu tinha uma aventura para viver, mesmo que eu não quisesse, ela sempre estaria lá me esperando, uma hora eu iria ceder, talvez eu devesse ser menos teimosa.

 Mesmo que a vida tivesse me tirado tudo, não poderia culpar ela caso me arrependesse depois, era culpa minha, eu estava me privando daquilo.

 Coloquei o primeiro casaco que achei e coloquei a carta no bolso do mesmo.

Está na hora de se reerguer, Eny - pensei.

 Desci as escadas correndo até encontrar a mamãe jogada no sofá, a TV ligada e ela apagada. Me aproximei e a cobri, ela também estava gelada. Desliguei a TV, peguei as chaves do carro e saí.


 Eu e o Nien, quando mais novos, costumávamos invadir a escola nos fins de semana para deixar bilhetes aos que chamavam de "insignificantes", aqueles nerds, sem amigos, que passavam todo o tempo livre na biblioteca e tal. Nos bilhetes haviam coisas como "Você é bem mais do que os rótulos que te puseram" ou "Os ignorantes devem ser ignorados".

Toda segunda feira nos escondíamos e esperávamos as reações. Uns sorriam, outros apenas guardava de volta no armário... mas certa vez, em especial, uma garota chamada Charlotte, deixou algumas lágrimas rolarem enquanto lia. Eu não sabia o motivo, não sabia o porquê, mas não me segurei e fui abraça-la. Antes que eu pudesse me afastar ela sussurrou: "Você salvou minha vida". Sem entender apenas a abracei mais forte. No final da aula a vi entrando no banheiro e me escondi. Ela passou poucos segundos em uma das cabines e quando ela saiu eu fui até lá, e  então me deparei com cerca de quinze comprimidos dentro da privada. 

 Ela provavelmente ia se matar.

 Corri até o Nien chorando e contei para ele. Seus olhos se encheram de felicidade. 

 O bilhete da Charlotte tinha sido escrito pelo Nien.

 Entrar na escola foi fácil, eu nunca havia esquecido como fazer aquilo.

 O difícil foi caminhar pelos corredores vazios e escuros.
Uma lanterna me ajudava a enxergar o que eu não queria ver:

 Todos os meus momentos com o Nien.

 Demorei um pouco até chegar ao meu armário, tive a sensação de que demorou meio século, mas não tinham se passado nem cinco minutos.

 Abri o armário e encontrei a segunda carta, até ouvir um barulho. 

 Pulei de imediato com o susto e desliguei a lanterna me arrastando devagar encostada nos armários.

 Ouvi uma voz. Era o diretor.

 Me apressei até chegar a porta mais próxima e a abri com delicadeza. Entrei para a sala no exato momento em que ele virou no corredor em eu que estava.

 Foi por pouco.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora