Capítulo 29

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 Voltei pra casa depois de mais de uma hora e a mamãe já estava dormindo. Subi para o quarto e fui tentar dormir, mas tudo que consegui foi pensar.

 Comecei a perceber como as coisas podem mudar rapidamente e drasticamente. Quando nós nos prendemos a algo e perdemos, acabamos deixando a melancolia tomar total conta de nós e de nossos atos, então simplesmente ignoramos qualquer felicidade que venha aparecer. É como se um instinto protetor dissesse: "Não tente sorrir pois o choro vem depois", e nós nos prendemos a esse instinto, porque somos medrosos, queremos a felicidade sem ter o mínimo de tristeza, queremos os sorrisos sem as lágrimas. Mas então eu me pergunto: Qual seria a graça de sorrir se não existisse o choro? Qual seria a graça de uma manhã de sol sem uma noite de chuva? 

 A solidão nos deixa acomodados, nós não nos importamos em tentar sair do fundo do poço, porque a claridade do sol vai voltar a queimar nossos olhos ou porque não somos valentes o suficiente para sentir queimar por um momento, mesmo sabendo que uma hora vai passar, mesmo sabendo que a vista lá de cima é bem melhor do que frio aqui em baixo. Somos fracos, medrosos e inseguros, a vida nos fez assim e nós estamos sendo moldados por ela, estamos nos deixando ser moldados pela vida. Me pergunto mais: se a vida é nossa, nós não deveríamos molda-la ?  Então por que deixamos que ela tenha o total controle da situação ?

 O que nos impede de voltar a sorrir? O medo de chorar outra vez?!


 Acordei por volta das seis da manhã e minha cabeça borbulhava com tudo que havia pensado na noite anterior, mas ainda assim eu não tinha forças pra levantar e o dia não estava ensolarado como eu pensei que estaria, chovia lá fora assim como chovia aqui dentro.

 Me arrastei até a cozinha, decidi que comer ao menos eu ainda conseguia. Fiz torradas, tentando fazer o mínimo de barulho possível para mamãe não acordar. E foi ali, naquele segundo, enquanto tirava as torradas do forno, que pude ver o anel, aquele maldito anel - que guardava tanto ódio e amor - em meu dedo. Lembrei de toda história guardada nele, de tudo que ele significava e por incrível que pareça, um sorriso se fez em meu rosto, onde deveriam haver lágrimas.

- Eny? - ouvi atrás de mim uma voz baixa, quase um sussurro  e então senti todo o meu corpo arrepiar.

- Nien? - Virei rapidamente e visualizei uma imagem distorcida. 

 Não era nada, apenas meu coração desejando o encontrar. É ridículo, mas eu jurei ter ouvi a voz dele, jurei por dois segundos ter sentido a presença dele, mas deve ter sido algo em minha imaginação e a insana vontade de vê-lo novamente. Tudo em mim desejava o abraçar, dizer que o odiava e que o amava ainda mais, mas aquilo não iria acontecer, então apenas voltei a fazer o que estava fazendo antes: Fingir que estava bem.


 Comi a torrada, tomei um banho rápido e decidi que correr seria uma boa para desestressar. Saí de casa tentando deixar que o vento levasse qualquer má lembrança que houvesse em mim enquanto corria, desejava muito que aquilo fosse o suficiente, mas não era.

 Em meus fones de ouvido tocava alguma música eletrônica que eu nunca ouvira e meus pés corriam em seu ritmo. O dia continuava nublado e parecia que o sol não iria aparecer. Pensei no quanto gostava dos dias nublados, de quantos significados ele tinha e quantas aventuras vivi neles, mas despertei do meu transe quando alguém tirou um de meus fones e passou a correr do meu lado.

- Atrapalho? - A imagem surgiu em meu rosto, era o Guilherme.

- Claro que não - sorri e notei que a escuridão abaixo de seus olhos haviam almentado - Você ta bem ?

Ele apenas deu de ombros.

- Você pode contar, eu sei que sou cheia de problemas, mas eu sou melhor resolvendo o dos outros.

Ele suspirou, mas não falou nada.

- Me desculpa, não pergunto mais.

 Continuamos a correr, sem falar uma palavra.

 Algo no Guilherme me fascinava, talvez o modo de agir ou o fato de ele ser bem mais forte que eu e eu queria desvenda-lo, queria saber mais sobre ele. Sabia que a tarefa seria difícil, mas naquele exato momento, eu decidi que iria tentar.

"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora