Capítulo 45

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 Minha barriga estava roncando, mas eu tinha outras prioridades.

 Peguei o elevador e desci avaliando o mapa, não era complicado, uma linha escrita com piloto vermelho me guiaria até a última carta.

 Não sei bem como processei aquilo tudo, na verdade eu tinha esperança de que não acabasse, que eu sempre tivesse essa linha de fuga da realidade, onde eu podia ignorar minhas obrigações por esta tão ocupada com o Nien, onde aquela adrenalina era maior que minha dor, mas como tudo na vida aquilo também acabaria.

 Saí do elevador e Mary correu até mim.

- Pensei que não ia aparecer, o que tinha na carta?

 Respirei fundo, nem parei de andar nem de encarar o mapa.

- Era só um bilhete.

- O que você tá fazendo? - ela olhou para o mapa e eu fechei a encarando.

- Nada, Mary.

 Ela suspirou, pareceu que ia falar algo, mas desistiu.

- Posso ir? - perguntei.

- Pra onde?

 Foi minha vez de suspirar.

- Na Praia, vou apenas ver o mar. - sorri esperando que aquilo a convencesse.

- Posso ir junto?

- Eu preciso ficar um pouco sozinha, depois conversamos, pode ser? - sorri novamente.

- Tudo bem - ela sorriu, me abraçou e deixou que eu fosse.

- Tchau, Mary.

 Já do lado de fora comecei a seguir as dicas no mapa, caminhei até a loja de doces, virei duas ruas depois em uma área mais nobre, em uns 50 metros virei em um quiosque onde havia uma pequena escada com acesso a praia, desci e era ali, mas só tinha areia. Pensei em cavar mas se fosse isso ele teria explicado como da outra vez.

 Olhei ao redor e não tinha ninguém, com certeza ali era a parte mais tranquila da praia. O sol já começava a se pôr, já era fim de tarde e me senti enganada. Era impossível ter alguma carta ali.

 Vi que um pouco mais distante haviam umas pedras e caminhei até lá, procurei por entre elas qualquer vestígio de uma carta, mas não havia nada.

 Respirei fundo, já ia escurecer e eu precisava pensar rápido.

 Se o mapa me trouxe até aqui tem que ter alguma coisa.

 Quando eu já estava pensando em desistir vi algo brilhando por entre as pedras, me aproximei e vi uma pequena caixa. Tentei puxar mas ela não saiu. Levantei com todas as minhas forças a pedra que estava em cima dela e ainda assim estava difícil de sair, depois de alguns minutos de insistência eu consegui tira-lá. O Nien escondeu bem, ninguém procuraria nada ali.

 Sentei na areia.

 A caixa - que um dia já tinha sido branca, assim acho - estava úmida e bastante desbotada, levei um tempo até consegui abri-lá mais uma vez com o pingente em formato de chave do Nien, mas quando consegui lá estava uma folha - que não tenho noção de como estava seca - com a caligrafia inconfundível do Nien.


"Olá capitã.

 Se encontrou essa carta é porque meu plano deu certo, juro que pensei que não iria dá, mesmo que eu parecesse confiante nas cartas anteriores a verdade é que eu estava me borrando de medo de tudo da errado, mas eu tinha que fingir que não pra incentivar você.

 Antes de tudo preciso que saiba que nada no mundo era mais importante pra mim do que você, que depois da minha família você era tudo que importava, não importava as peguetes, não importava as baladas, nem o jogos de vídeo game, muito menos o futebol, eu largaria qualquer coisa que estivesse fazendo se você me chamasse, largava qualquer sonho se fosse pra ficar com você, deixava qualquer uma se isso significasse que teria você pra sempre. Você é a irmã que eu nunca tive, a minha parceira de todas as horas, a pessoa que me arranca os melhores sorrisos (ou arrancava, não sei se escrevo no presente ou no passado, tenta ignorar isso, por favor) você é tudo de mais lindo e especial que aconteceu na minha vida, desde que chegou a anos atrás tudo se tornou melhor, tudo se tornou mais leve, tudo ficou mais belo, quando eu estava com você nada parecia ser ruim, a vida parecia ser linda e os momentos eternos. Sinto muito que a vida não tenha tido a mesma ideia que a gente, que tenha me levado tão antes de tanta coisa que tínhamos pra realizar, tantos sonhos e projetos doidos que só a gente entendia. Era pra eu estar aí do teu lado nessa praia, a conhecendo com você e não antes disso quando tive que ir esconder essa caixa. Era pra estarmos sorrindo juntos e não você chorando por tá lendo isso e eu por esta escrevendo. A vida foi tão injusta conosco, capitã, tínhamos tanto a fazer juntos, tanto o que aprontar, mas não era essa a ideia da vida ou quem sabe até do destino, juro que queria saber quem inventou isso pra eu poder dá uns cascudos.

 Mas antes de me despedir quero te contar uma história, uma que ainda não te contei de quando éramos crianças.

 Eu tinha acabado de ajudar a mãe a arrumar meu quarto da mudança e pedi pra ir brincar na rua com a Vic... (sei que você acha que ganhei a Vic depois que a conheci, mas ela ficou doente depois do seu acidente e por isso demorou um tempo pra voltar pra casa, quando ela voltou e você não lembrava mais dela eu fingi que tinha acabado de ganha-lá, me desculpe por mentir) mamãe me deixou ir. Assim que saí te vi no gramado da sua casa sorrindo, o sorriso mais bonito que já vi, a Vic correu até você, como se já te conhecesse a tempos..."


 Parei de ler, flashes de memória começaram a passar na minha cabeça, lembranças da Vic correndo até a mim, o Nien correndo pra pega-lá, pedindo desculpa, se apresentando; A primeira vez que brincamos; o momento que conheci a tia Suzi e o tio; o momento em que nossos pais se conheceram; então nossa quase viagem à praia; o acidente, tudo veio a tona, todas as minhas lembranças perdidas de repente haviam voltado, cada detalhe estava de volta a minha cabeça.

 Fiquei tonta, sem rumo, estava feliz por ter lembrado mas era muita informação. Ouvi alguém gritar meu nome, virei pra olhar e vi o Guilherme, senti que ia desmaiar, tentei me apoiar em algo então apaguei.


"Eu estou bem."Onde histórias criam vida. Descubra agora