Raízes antes de frutos

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O batina que Padre Owen o dera encaixava perfeitamente em seu corpo, num tom acinzentado com ornamentos negros. Aparentemente, demoraria a usar o branco — não que o garoto se importasse.

Daniel prendeu os cabelos longos na parte de trás da cabeça e limpou a oleosidade do rosto de frente para o espelho. Suas olheiras eram profundas, proveniente das noites sem sono por causa do choro, e os cantos de seus lábios estavam caídos, tão... tão diferentes de antes. Ele gostava de sorrir quando era mais novo e sabia ser um menino sanguíneo, mas agora não parecia fazer muita diferença.

— Agora não parece mais um mendigo que furtou o uniforme de alguém — comentou Owen ao surgir na porta. O garoto sorriu. — Como foi o dia na escola?

— Ainda estou aprendendo a lidar com... o fato de ele estar longe, sabe? É difícil se acostumar a ver alguém todos os dias, o dia todo e de repente... essa pessoa não estar mais lá.

O padre balançou a cabeça.

— Eu posso imaginar como é, em especial se você estiver apaixonado.

— Já caiu por alguém, padre Owen? — Ele riu, guiando o garoto para fora do cômodo por um corredor estreito. —


Tipo... por qualquer um?

— Não que eu me lembre.

— Nunca? Como você nunca gostou de ninguém?

— Bem, essa é uma resposta que não tenho. — Coçou a barba rala. — Apenas nunca tive alguém que eu olhasse e pensasse "que tal escutarmos um pouco de Bon Jovi juntos?".

Daniel gargalhou, cobrindo a boca.

— Não ria, é verdade. Meus amigos estavam se apaixonando e se machucando na adolescência e eu... Bem, eu estava lendo Frankenstein e fingindo que entendia Machado de Assis. — Sorriu. — Era um pouco difícil, admito, principalmente durante os bailes. Eu sempre levava a melhor amiga lésbica para ninguém desconfiar.

— E não desconfiavam mesmo?

— Alguns sim. Perguntavam se eu queria virar padre ou apenas estava com o coração partido por uma garota misteriosa, mas a verdade era que ninguém me interessava mesmo. E acabei virando padre, sim.

— Meus pais queriam que eu virasse pastor. Não deu muito certo. — O garoto encolheu os ombros. — Mas você nunca sequer beijou alguém?

— Também não vá exagerar. — Owen empurrou a porta dos fundos da igreja. Havia apenas uma senhora na primeira fileira de bancos. — Eu beijei uma garota há vinte anos enquanto dizia a mim mesmo que gostava dela, depois fugi e percebi que não. Fora isso, não fiz outra coisa, mas você tem uma vassoura esperando ali atrás e uma senhora por mim.

Ajudar o padre a limpar a igreja não era sua parte favorita do trabalho, mas Daniel gostava de vê-lo conversar com as pessoas e como elas pareciam em paz perto dele enquanto varria o chão e esfregava as janelas. Ele não se lembrava de coisas como aquela acontecerem com Jerome.

É diferente, moleque. Owen é um passarinho e Jerome um lagarto.

Havia fechado um trato no primeiro dia de aula. Owen não ia treiná-lo para ser um padre ou um coroinha, mas o manteria ali enquanto cuidava de sua saúde mental e se tornava alguém como... ele. Feito de fogo. E se, para isso, precisava fazer coisas mínimas como aquela, estava tudo bem.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora