Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]

Respire

— Dois meses? — o grito foi generalizado. Daniel fechou os olhos para os amigos. — Ah, cara.

— Bem, pelo menos eu passei no supletivo. — Fizera a prova duas semanas antes, e a diretora parecera feliz ao dá-lo o resultado, tagarelando sobre as universidades que teria de testar. — Eu tenho sorte de chegar lá em outubro.

— Antes do Halloween. — Lola piscou. — Vá embrulhado.

— Vai se foder, Lô.

Ele beijou os amigos no rosto e saltou do carro de Tyler. O portão da casa dos Rice abriu assim que tocou a companhia. Matt estava na sala com um cigarro.

— Achei que você não viria.

— Eu honro meus compromissos. — O garoto sorriu, tirando Claire do chão para seu colo. Nicole dormia largada no tapete felpudo. — Olá, baixinha. Você tem um ano hoje.

— Já se passou muito tempo — sussurrou Matt. — Lia está no jardim, se quiser falar com ela. A mãe dela está preparando essa festa.

— Eu prefiro ficar aqui, na verdade. — Ele sentou-se no chão. A menina agarrou o colar de sua avó. — A psicóloga disse algo?

— Que eu preciso parar de me culpar por tudo. Não que isso vá acontecer tão cedo.

— Mas você precisa. O mundo gira e a gente segue em frente, Matt.

O homem levantou os olhos para ele.

— Como você consegue?

— O que?

— Perdoar as pessoas e agir como se nada de ruim tivesse acontecido. Como se tivesse esquecido.

— Eu não esqueci. Tenho a memória de um elefante. — Pensou um pouco. Claire levou o indicador até a boca. — É só que a vida é assim, sabe? As pessoas fazem merda, algumas se arrependem e aprendem e cabe a nós perdoá-las e esperar que se tornem seres melhores. Você é um homem melhor agora, Matt. Eu não esqueci.

Matthew Rice encarou-o com seus frios olhos verdes, mas os traços ao redor da boca estavam suavizados.

— Queria ter um coração de passarinho assim — admitiu. — Nunca pensei que aprenderia algo com um moleque de dezessete anos.

— Nós aprendemos com as pessoas que menos esperamos, cara.

Ele riu.

— E você, Daniel? O que há com você?

— Eu não preciso mais ir à escola. — Mordeu a boca. — Passei no supletivo e vou entrar para Jornalismo.

— Por que fez o supletivo três meses antes de se formar no ensino médio? — Ele sabia que Matthew era insistente em qualquer assunto envolvendo estudo, um pequeno ponto bom. O homem possuía três diplomas universitários e um histórico escolar impecável.

É. Tal pai, tal filho.

— Porque... Bem, eu vou para Arien, espero que logo. Não há nada me prendendo aqui e... já consegui o dinheiro e o passaporte. — Corou.

— Você poderia ter falado comigo sobre os dois. Já estaria lá.

— Eu não mendigo.

— Isso não é mendigar. É ser o namorado do meu filho.

É a primeira vez que você me chama assim.

O telefone dele tocou.

— Você se importa se...

— Não. Pode ir.

Matthew sumiu pelo corredor e o garoto ficou sozinho com as meninas. Claire levantou os olhos verdes para ele.

— Fico feliz que ele esteja sendo melhor para você.

Quando Nicole acordou, Daniel segurou-a no outro braço para ir até o jardim, onde os convidados começavam a chegar. A maioria daquelas pessoas era burguesa dos bairros ricos da cidade, enquanto ele era apenas... Bem, um adolescente. Lembrava-se de como as festas de Nicholas eram gigantescas e caríssimas, e como desde sempre se sentia deslocado naquele jardim. A única diferença, é que naquela época o namorado conseguia deixá-lo confortável.

— Você não imagina como eu me sinto ao te ver aqui. — Lia sorriu, pegando uma das filhas. Ela usava um curto vestido azul-claro que caía perfeitamente em seu corpo esguio. — Obrigada. É sério.

— Eu não faltaria. — O garoto balançou a cabeça. — Eu devo entrega-la a alguém agora?

— Prefiro que fique com ela. Você tem cuidado.

Daniel sentou na cama de balanço com a menina em suas pernas. Claire era estranhamente quieta, enquanto Nicole mal podia se manter no colo da mãe. E, no fundo, ambas parecem demais com o irmão em tudo.

Ele beijou a menina no rosto e encarou o jardim. Nicholas ia gostar daquela festa.