Voar para longe daqui

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A última vez que Daniel estivera na casa dos pais havia sido no dia que fora expulso. O lado de fora ainda era amarelo e o jardim bem cuidado, com rosas vermelhas e uma grande árvore que subia na infância.

Ele abandonou a bicicleta ao lado do portãozinho e atravessou o caminho de pedras. Bateu na porta. Maria encarou-o assustada.

— O que faz aqui?

— Eu vim me despedir. — Escorreu para dentro. A mãe esfregou o rosto.

— Para onde?

— Para onde devo ir. — Ele virou na direção das escadas. — Mel? Lito?

Os dois surgiram poucos segundos depois, despenteados.

— Você voltou para casa! — gritou Lito.

— Eles estão gritando o dia inteiro. Eu não aguento mais.

Daniel ajoelhou-se.

— Se eu disser que só volto se forem tomar banho para dormir agora, huh? Eu volto e ainda durmo com os dois.

Ele foi encontrar os irmãos banhados e trocados dez minutos depois. Maria trancou-se no quarto quando foi para aquele que havia sido o seu.

Como eu conto que vou para o outro lado do mundo?

Estava tudo do mesmo jeito, até a cama bagunçada onde chorara uma semana inteira. Ninguém entrara lá aquele tempo todo.

Ah, merda, foi aqui que você me mostrou o que eu era.

— Voltou mesmo? — Melissa colocou uma mão na cintura. Nada escapava.

— Você sabe que não. — Puxou o livro sobre Ditaduras da estante. Poeira subiu. — Lembra que eu disse que o Nick é meu namorado?

— Lembro. Vou levar as alianças no casamento.

— Então... eu vou morar com ele.

— Onde? — Lito bateu na cama e tossiu.

— Ah, cara. Você tem alergia.

Ele puxou os dois para fora para o quarto de Melissa. Estava tudo laranja agora. Mama adorava laranja.

— Melhor? — O menino aquiesceu e subiu na cama. — Vou para Arien, carinha, onde ele nasceu.

— Mas e o casamento?

— Você ainda vai entregar as alianças, Mel.

— Ah, sim. — Ela saltou para o lado do irmão mais novo. Daniel sentou-se entre os dois. — Veio dar tchau?

— É. Vim sim.

Assim tão fácil?

— Eu amo vocês dois, tá? Ligarei sempre que puder.

— Eu também amo você. — Lito colocou a chupeta na boca.

— Vou ficar bem, Dani — disse Melissa antes que perguntasse. — A vovó tá cuidando de mim.

De todos nós.

Ele tirou duas pequenas pulseiras do bolso e entregou uma para cada criança. Eram feitas de prata e carregavam pingentes variados que lembravam ao garoto momentos com os irmãos. Também carregava uma.

— Vão ser bonzinhos e dormir agora?

Lito apagou primeiro, sob uma música amena. Mel custou um pouco e precisou de um cafuné.

— Se cuida, baixinha — sussurrou Daniel.

— Se cuida, bebê — respondeu ela, inconsciente, e virou para o outro lado.

Ele pegou o livro no próprio quarto e olhou em volta por um instante. Amara o namorado uma centena de vezes ali. Ouvira os concelhos e histórias da avó uma centena de vezes. Chorara pela verdade uma centena de vezes. E nunca mais voltaria para lá.

O que resta para mim agora?

Dessa vez, ele fechou a porta sem chorar.

— Daniel? — chamou Maria do fim do corredor. — Obrigada.

— De nada, mãe.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora