VI: Temos de fugir daqui

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Daniel esticou o corpo em frente à janela da sala, o sol da uma da tarde brilhando em sua pele escura. Nunca havia dormido até aquele horário em toda a vida.

— Minha mãe já abriu essa porcaria? — Tyler levantou do pequeno acampamento que haviam montado com o rosto inchado. — Puta merda.

— Parece tarde. — Henry estava sentado no colchão, seus cachos dourados bagunçados. É. Um puta homem, porém não meu. — Eu devia ir para casa.

— Fica aí. — O garoto chutou-o no peito. — Ty, a cozinha hoje é sua.

— Eu preciso aprender o telefone primeiro, anão.

Lola era a única que ainda dormia apesar do barulho, Poppy corria pela casa, na televisão passava um programa de auditório inútil. Depois do baile, na noite anterior, haviam comprado as enormes caixas de batatas fritas e garrafas de água com gás e montado uma enorme cama com cinco colchões entre os sofás dos Ferreira para dormirem os quatro juntos. Por dois anos, o latino dormira com o namorado na praia, e agora estava na companhia de amigos. Não parecia tão ruim.

Acho que eu devia me sentir sortudo por estar vivo.

— Daniel? — Tyler aproximou-se com o telefone, respirando alto. — É o Nicholas.

Eu realmente sou sortudo por estar vivo.

— Ni?

— A sua voz é minha coisa favorita no mundo todo — disparou ele. O garoto podia imaginá-lo de olhos fechados. — Ela é tão... Ah, porra.

— É assim que você elogia o seu namorado? — Nick riu do outro lado, fungou e suspirou. Parecia frágil.

— Cara, vai para o quarto. — O brasileiro maneou a cabeça. — Precisa de privacidade.

E ele foi, correndo.

— Eu poderia fazer uma lista de elogios, mas não seria suficiente.

Daniel sentiu as bochechas quentes e úmidas e o nariz congestionado ao sentar na cama.

— Sinto sua falta, Dani. Você não faz ideia do quanto.

— Eu faço. — Ele soluçou. — Eu faço. Sinto a sua tanto quanto.

Tanto quanto o céu é azul numa manhã de verão.

— Tem sido um ano solitário sem você — sussurrou o menino. Há muito tempo não se chamava daquela forma. — Me preocupei tanto com o inverno dos Stark que esqueci do meu.

— Chegou cedo — soprou seu namorado do outro lado. Talvez gelo seco escapasse de seus lábios arroxeados agora. — Tentei te ligar uma vez, mas sua mãe disse que chamaria a polícia se tentasse de novo e eu... acho que me tornei muito covarde nos últimos meses.

— Você não é covarde! Logo você... Ni, passamos por um trauma e é do feitio dela me proibir de ter algo, e... precisávamos disso.

— Ficar separados? Dani...

Você só usa esse tom quando está prestes a chorar.

— Não, não ficar separados, mas... crescer. Amadurecer. Talvez aprender a viver sozinhos um pouco. — Admitir aquilo foi uma facada. Deixar de ser um menino tinha mais desvantagens que vantagens e ele sempre havia sido tão dependente... — E viver só me fez perceber que eu quero aquele casamento do Harry Potter que planejamos.

Nicholas riu, então soluçou.

— Largaria tudo se pudéssemos fazer isso agora.

— Eu também, Ni. Eu também. — Deixaria um reino ruir por você. — Como você está aí?

— Meus pais são bons para mim e meu irmão espanca pessoas por dinheiro, mas... não parece casa, como imaginei que seria aos doze. Parece mais um quarto de hotel.

— Casa é seu antigo quarto. Nós nos amamos lá tantas vezes...

— Casa é qualquer lugar com você, baixinho. Até uma caixa debaixo da ponte.

— Primeiro teríamos de achar uma caixa em que você cabe. — E eu também. Nunca pensei ser alto. — Ainda está no basquete?

— Está perguntando essas coisas porque não quer falar sobre si ou porque vai ser jornalista? Conheço você, Daniel Rodriguez.

— Um pouco dos dois — respondeu depois de um tempo. — Só não tenho o que dizer sobre mim. Está tudo a mesma merda.

— Por que eu não acredito nisso?

— Porque é mentira e eu odeio ser transparente com você. — Bufou. As lágrimas estavam menos densas agora. — Tenho de ir para a igreja quase todo dia e ser um bom garoto.

— Sempre foi um bom garoto, não é novidade para você. — Da maneira que estou sendo agora, é. — Os seus pais... eles...

— Meu pai não fala mais comigo, mas mama se recusou a me aceitar fora de casa. Eu estou bem, sério. As coisas estão ficando menos pesadas.

— Mesmo?

— Mesmo. Não se preocupe sobre isso.

Ele apenas suspirou.

— Nicholas?

— Oi, baixinho.

— Você é o amor da minha vida.

Nick riu do outro lado. Uma risada tímida e adorável.

— Você é o amor da minha vida, Dani.

Eles conversaram até o pôr-do-sol como se estivessem nas colinas de Cahi num dia fresco de primavera, com uma cesta de porcarias calóricas e as cadelas adormecidas juntas. Nicholas estava na casa da amiga lésbica na madrugada pós-baile fracassado e uma aurora boreal repleta de memórias do que haviam sido. Do que o mundo havia tirado deles.

A voz estava mais grossa e profunda agora, talvez tivesse finalmente atingido dois metros de altura e decidido o que queria na faculdade, mas... ainda era o seu namorado, o mesmo cara que soava como uma cobra e amava-o como um anjo repleto de tatuagens.

— Eu tenho medo de ligar para você. Medo de sentir ainda mais saudades — disse ele docemente. Era claro que estava cansado. — Eu te amo.

— Eu te amo, Ni. — Dani sentiu o coração quente. Há quanto tempo aquele apelido não surtia efeito? — Quer que eu cante para você dormir?

— Não! Eu... eu quero ficar acordado e...

— Ni, estamos aqui há cinco horas e você precisa dormir. Pode me ligar quando quiser. Não vou a lugar algum.

Ele demorou a responder.

— Prometo ligar assim que estiver pronto de novo.

— Prometo esperar por você.

Daniel desligou o telefone dez minutos depois, ouvindo a respiração calma do namorado. Suas pernas tremiam tanto que mal conseguiu ficar de pé.

— Bolhas!

Ele só percebeu que havia exagerado no grito quando os amigos invadiram o quarto.

— E aí? — Lola perguntou.

— Eu vou comer a maior pizza do mundo e depois eu conto!

Henry riu, e esticou a mão. Ele pegou-a.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora