Sonho ruim

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— O inverno chegou — sussurrou Daniel quando a primeira chuva de julho caiu. Lola esticou a mão para fora da janela para sentir as gotas.

— Conheço alguém que ia adorar essa frase.

— O que vamos fazer agora? — Tyler surgiu no quarto, segurando uma caixa de pizza. — Não há como sair.

— Podemos apenas aproveitar o clima para dormir.

— Eu preciso ir à igreja hoje. Não vejo minha avó há uma semana.

— Por quê?

— Bem, às vezes é difícil fugir dos meus pais e o festival de inverno está próximo. Tentei ligar ontem, mas minha mãe atendeu e não me pareceu uma boa ideia falar com ela.

— Eu posso te levar lá, então. — O brasileiro piscou.

— Você tirou essa carta há menos de um mês. Por que eu confiaria minha integridade física a um garoto que só sabe rir?

— Porque essa chuva vai te matar se não aceitar.

Era verdade, e o garoto ainda levou chuva depois de descer do carro. As portas estavam fechadas. Padre Owen estava apoiado no encosto do banco, de olhos fechados.

— Padre, você está bem?

— É um dia chuvoso, meu filho. Eu estou com sono.

— Por que eu não acredito em você? — Ele riu e abriu os olhos claros. Daniel ajudou-o a ficar de pé. — O que foi?

— Vamos para a sala particular. Tenho algo para dá-lo.

— Um bolo de milho? É minha coisa favorita atualmente.

— Eu não sei fazer bolo, mas posso comprar algum dia.

A sala particular era um cômodo com um sofá grande, uma cama e uma escrivaninha para as vezes que o padre não possuía ânimo para ir para casa ou visitar a mãe. O garoto já dormira lá, quando estava deprimido ou precisando de paz.

Owen sentou-se no sofá.

— Sua batina nova está esperando no outro quarto. Vá logo.

Ele foi, vestiu-se, e voltou. Era a primeira vez que usava branco.

— Por que agora?

— Pureza, inocência, paz, positividade... Você precisa do branco. — O homem santo esticou as pernas. — Lembrei-me do meu irmão hoje mais cedo. Robert gostava de dias assim. Ele sempre ia visitar a mim e a senhora nossa mãe com seu namorado e ficava enroscado num cobertor no sofá como se fosse um adolescente.

— Eu faço isso às vezes. É confortável.

— Eu também. Lembra-me que já tive menos de quarenta algum dia. — Suspirou. — Sinto falta dele durante a chuva. Corríamos por ela quando éramos crianças, ficávamos gripados, chorávamos para nossa mãe e, assim que chovia de novo, voltávamos para a rua. Faz trinta anos, mas parecem milênios.

— Lamento que o tenha perdido.

— Não lamente. As pessoas morrem alguma hora, jovens, velhas, saudáveis, doentes. É por isso que a vida é tão preciosa. — O padre encarou-o. Daniel sentou-se na cama com as pernas juntas. — Meu pai morreu quando eu era muito jovem, Robert tinha dois anos e eu sete. Ele teve câncer de pulmão pelo excesso de cigarro.

O garoto não soube o que falar.

— Meu irmão não entendia o que estava acontecendo, passou o enterro no meu colo pedindo por sorvete. Minha mãe chorava, dizia que tinha medo de enfrentar a vida sozinha, mas ela lidou com tudo bem. Viveu bem sem ele, construiu um império sozinha. Mulheres são criaturas fortes, sabia? — Outro suspiro. — Eu me lembro de não chorar, nem lamentar, nem ficar sem sentir. Só... entendi que era aquilo. Que era para acabar.

— Chorei na morte do meu avô. Ele sempre me dava bons conselhos e carinho e dizia que eu era um bom menino. — Sentiu a garganta seca. — Ele faz falta.

— Sempre farão, mas não significa que é algo triste. Deve acontecer. A morte deve acontecer, assim como a vida, assim como a aurora e o ocaso. São coisas naturais.

— E por que está refletindo sobre isso agora, padre? Aconteceu algo?

Owen virou-se para ele e juntou as mãos na frente da boca. Estava visivelmente nervoso.

— Padre?

— A sua avó está no hospital, Daniel. A quimioterapia não funciona mais.

Quimioterapia?

— Quimioterapia?

— Mama está tratando um câncer há oito meses, mas ela me proibiu de falar, só que agora... — O padre parou quando ele levantou. — Filho...

— Não! Eu... eu preciso... sozinho. Eu preciso ficar sozinho.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora