Plutão

245 42 10
                                    

Nicholas não apareceu na escola na segunda, e nem na terça e nem na quarta e nem na quinta e muito menos na sexta, mas Lola gastava metade da manhã tentando fazer Daniel ignorar o sumiço do amigo sem invadir seu espaço pessoal. E talvez por isso ele gostava tanto dela.

Eles dividiram sanduíches de frango e cenoura todos os dias durante aquela semana e passaram o intervalo na biblioteca, ao redor de uma mesa colorida com pilhas de livros de história e atualidades com palavras difíceis e notícias sobre potências mundiais. Lola reclamava da Europa e os chamava de ladrões, e Daniel tentava relevar que Nicholas tinha nascido por lá e xingava as Américas.

Também ficaram depois da aula nos jardins da instituição, longe do mau-humor de Greer pela falta do namorado. Fizeram os exercícios juntos, aprenderam Química sem um garoto loiro alto, compararam os tamanhos de seus cabelos e só voltaram para casa por volta das quatro da tarde, saltando sobre florezinhas.

Na sexta-feira, eles voltaram mais cedo para a casa dos Santiago, porque Greer não estava lá, e gastaram o fim da tarde sentados na sala de jantar com dois documentários sobre Baleias e Roma Antiga e pipoca doce. Daniel só conseguiu entender metade de tudo.

A casa de Lola era um lugar interessante de paredes brancas e móveis rústicos. Havia o altar da mãe dela num canto da sala, um quarto específico para Greer e o pai e sua religião, e espelhos em cada canto, como um gigantesco labirinto de vasos caros e quadros psicodélicos que vendiam no centro.

Era um bom ambiente, embora fosse o completo oposto da casa de seus pais. Existia o cheiro de incenso e a mesma sensação que uma música dos anos oitenta criava, e nenhuma bíblia espalhada pela casa. Mama Luci não ficaria tão feliz assim, mas ao menos ele não precisava ficar olhando para Jesus o tempo inteiro.

Lola puxou-o pelo cabelo para acordá-lo.

— Hey, babyboy — ela piscou. O sol desaparecia no horizonte através das janelas de madeira. — Você está bem? Minha mãe está fazendo o jantar.

— Eu estou com sono. Isso quer dizer bem? — eles sorriram. — Contanto que não tenha peixe, vou comer.

— Peixe é nojento, Dan.

— Peixe é nojento, Lô.

A menina Santiago juntou os livros nos braços e os atirou na mochila, saltitando em direção à sala. Daniel seguiu-a silenciosamente para encontrar a televisão ligada num canal infantil e juntou as pernas no peito ao sentar-se na poltrona negra, coçando os olhos.

A aparente protagonista corria por um deserto quando ele tentou prestar atenção.

— Que é isso, Lola? — perguntou baixinho. Ela pôs uma mão no peito dramaticamente e esbugalhou os olhos, ofendida.

— Você nunca assistiu a Pucca? — ele balançou a cabeça. — Que tipo de pessoa é você?

— Do tipo que não vê muita TV? — a menina riu. — Ela deveria estar correndo atrás dele?

— Esse é o ponto, Dan!

Ele tentou entender o ponto por todo o episódio. Em geral, existia uma pequena vila e problemas que não eram considerados problemas e uma menina que parecia ter dez anos correndo atrás de um ninja que não falava.

Quando acabou, ele ficou olhando para a garota ao seu lado.

— Qual o ponto?

Você não entendeu? — ele negou com a cabeça. — Ela não é uma princesinha nem uma puta, Dan, e quase todas as meninas são assim nos desenhos. Se não são recatadas nos filmes da Disney, são objetos como a Betty Boop. Pucca é só... — voltou a olhar para a televisão. — Ela é uma guerreira, sabe?

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora