Sortudo

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— Mãe, eu não vou. — Nicholas entrou no quarto com as bochechas coradas. — Não posso.

Juliet afastou a escova dos cabelos magenta e encarou o filho através do espelho da penteadeira. Elliott parou de lutar com as malas e observou-o. Se Jacob não estivesse dormindo, ele o faria também.

— Nicholas, Mika não o vê desde que tinha quinze anos... e sua avó está com saudades. Faz seis meses que não vamos visita-la. — Sua mãe girou o banco. — Estava animado até ontem.

— Olhe para o meu rosto. — Ele apontou. — Eu não posso aparecer no momento mais importante dessa família com todas essas cicatrizes. Nem lembro quando foi a última vez que tirei uma foto do meu próprio rosto.

— Ainda não recuperou a autoestima, não é? — Ela possuía brilhantes olhos tristes. — Venha cá. Sente-se aqui.

— Mãe...

— Não estou pedindo, Nicholas. Estou mandando.

Sentou-se no banco onde Juliet estivera antes. Elliott voltou para as malas enquanto a esposa cutucava uma paleta de massas coloridas.

— O que está fazendo?

— Fique calado.

Nicholas fechou os olhos quando o pincel macio tocou seu rosto. A maioria dos garotos de dezessete anos possuía marcas de acne e catapora; ele tinha dos anéis do pai. Tão ordinário e diferente ao mesmo tempo.

Encarou o espelho quando a mãe se afastou e mordeu a boca com força. Nenhuma cicatriz. Nem mesmo olheiras possuía agora.

— Isso é...

— Maquiagem. Sem desculpas.

— Ela não vai te deixar ficar em casa, filho — cantou Elliott enquanto arrastava as coisas para fora.

— Gosto quando ele me chama de filho.

— Ele gosta quando você o chama de pai.

A viagem até a estação de trem foi rápida, e a vela na cabine foi pesada. Sally dormia no peito do namorado encostado na janela, Juliet lia um livro com as pernas no colo do marido e o ruivo encarava aquela cena com mãos geladas. Embora ligasse para o namorado o máximo de vezes que sua sanidade mental permitia, era um pouco deprimente.

Nicholas foi maquiado pela mãe de novo na manhã do casamento da tia, e a cerimônia não foi tão ruim quanto pensou que seria. Ele apenas sorriu, cumprimentou familiares que não fazia ideia do nome e ficou pendurado na saia de Juliet a maior parte do tempo.

A avó agarrou-o pelas bochechas.

— Você está tão grande que eu mal o alcanço.

— Mas você não é pequena, vó. Tem quase a altura da minha mãe.

— Só que estou me curvando. — Ágda enlaçou seus braços e guiou-o para a mesa dos parentes de Mika no salão. Ele puxou a cadeira para a avó. Nunca havia sido muito próximo dela. — Espero estar viva no seu casamento também.

— Espero que esteja. E que eu me case.

— Vai casar sim. Não teria se apaixonado dessa forma se não o fosse.

Ele encarou as outras pessoas na pista de dança, a mãe e o padrasto dançando juntos, o irmão e a namorada conversando de mãos dadas no apoio da janela, Mika e a esposa em suas cadeiras que pareciam tronos como se fossem o casal mais incrível do mundo.

— Vá falar com elas. Mika adorava pegar você no colo.

— Agora posso fazer o contrário.

Mikaela era dez centímetros menor que a mãe do ruivo, possuía os mesmos cabelos loiros que Juliet herdara do pai e os olhos castanhos iguais aos de Ágda. Ela sorriu ao ver o sobrinho se aproximar timidamente e saltou do trono para abraça-lo em seu enorme salto. Era mais sorridente que a irmã, também.

Karin também se levantou para cumprimenta-lo.

— Qual é a sensação de alcançar tudo que quiser? — Karin era menor, de negros cabelos encaracolados e olhos acinzentados, magra como uma vareta. Seu porte físico lembrava vagamente Daniel.

Ele corou.

— Tia...

— Ah, não me chame de tia! Eu tinha dez anos quando você nasceu. Pareço mais uma irmã mais velha irresponsável. — Mika apontou para a cadeira à sua direita. Nicholas sentou-se ali confortavelmente. — Quando vai trazer seu namorado para me conhecer?

— Em um ano, no mínimo. Ele precisa completar dezoito.

— E sair da asa dos pais, huh? — Karin piscou. — Não existe nada mais difícil que ser gay na adolescência. Experiência própria.

— Experiência própria — sua tia concordou. — Nós sabemos o que aconteceu com você e sentimos muito. Às vezes a vida não é justa.

— É exatamente por isso que se chama vida.

— Mas, ó, se você quiser o conselho de uma mulher prestes a ficar bêbada. — Mikaela inclinou-se para a frente com um sorriso. — Você está aqui agora. E você nasceu assim e não se muda algo que não se escolhe. — Ela entrelaçou seus dedos juntos. — E quer saber mais uma coisa?

— O que, tia?

— Não há nada mais bonito que ser aquilo que você realmente é.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora